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Sei
lá porque as pessoas pensam que não gosto de
futebol. Gosto e muito, garanto. Mas devo respeitar a opinião
geral, pois meu apreço é mesmo algo diferente.
As histórias pessoais dos craques me fascinam. Já
escrevi alguns artigos sobre o tema, mas sempre que me reponta
um novo herói logo ponho a remoçar possibilidades
analíticas. Por certo, devo isto ao tipo de jogador
que elejo como preferido.
Deixe-me ser mais explícito: nunca gostei de futebolistas
comportados em campo ou fora deles. É lógico
que admiro Ronaldo, o fenômeno. Prezo a história
de sua recuperação como exemplo, algo mesmo
digno da campanha “o melhor do Brasil é o brasileiro”,
mas o seu olhar de bom moço, a voz sempre embargada
e seu jeito dominado me causa estranheza. Digo o mesmo de
Zico que, fora do campo, apenas me provocou repulsa, principalmente
depois do apoio emprestado a Collor. Pelé vale pelo
que foi, é e será. Não vejo, porém,
nele nenhuma outra qualidade que não a de melhor jogador
do mundo de todos os tempos. Suas opiniões pobres e
pelegas esbarram no constrangimento, mas ele está acima
de qualquer suspeita e pode dizer as besteiras de sempre –
a maior delas, eternizada, foi de 1972 quando garantia que
“povo não sabe votar”.
Admiro mesmo os jogadores problemáticos, contraditórios,
birrentos, brigões. Garrincha, neste sentido, tem um
altar especial em minhas reverências. Lembro-me que
Sócrates, o doutor, me fazia atônito porque fumava
e chegou a criar um movimento político magnífico,
a marcante Democracia Corintiana.
Atualmente, Romário chama a atenção pela
rebeldia e originalidade em “fazer e assumir”
suas bobagens. E como... Não é apenas por sua
pretensão de se comparar aos melhores, pela arrogância
de quem se auto-valoriza acima de outros ou pelos seus comentários
insossos que cintila no céu das estrelas vulgares.
O “baixinho” ultimamente tem ganhado a cena nacional
por vários motivos, mas principalmente por duas que
faço questão de ressaltar. Uma, a relutância
em deixar a profissão e as constantes despedidas, sendo
que a mais singular foi a maneira pela qual recebeu a justa
homenagem no amistoso da seleção em São
Paulo contra a Guatemala. Tendo São Paulo como cenário,
teve o desplante de dizer que merecia a honraria: “Vocês
sabem, mais do que ninguém, que minha casa real é
o Rio de Janeiro. Sempre tive alguma coisa com São
Paulo e com os paulistas. Já que minha despedida não
foi no Rio, não poderia ser diferente, teria que ser
em São Paulo, como foi”.
Mas neste mesmo jogo, meu herói Romário deu
mostra de outra faceta sua, mais humana, corajosa. Depois
de fazer o seu gol no jogo, levantou a camisa do uniforme
e ostentou outra com os seguintes dizeres “tenho uma
filhinha Down que é uma princesinha”. Atente-se
à perfeição do português. Ele não
usou o inefável “mas”. No lugar positivamente
aplicou “que é”.
Romário é conhecido por ser chorão. E
tanto com a homenagem como pela reverência à
filhinha Ivy, me fez chorar copiosamente. Longe de ser politicamente
correto – pelo contrário – o machista jogador
sugere com seu ato três atitudes: aos 39 anos prepara-se
para aposentar sem abrir mão de seu lugar na história
do futebol brasileiro; reconhece-se como figura pública
de valor e honra sua trajetória de artífice
do “tetra”, e, finalmente, desenha para si a condição
de “pai especial”. Ouvi dizer que ele encomendou
à China 100 mil braceletes de borracha vermelha. Desde
já candidato-me a comprar uma.
Sabe o que aprendi com a história de Romário?
Que realmente Deus escreve certo por linhas tortas. O baixinho
teve uma história que o autoriza a ser autor de uma
nova campanha, santo de missão importante. Ave Romário,
cheio de graça. De graça no sentido agostiniano
do termo. Da mesma graça que saudamos Maria mãe
de Jesus de Romário e da princesinha Ivy.
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