Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy

Sebe expõe com seriedade acadêmica e a leveza poética sua visão a respeito de craques do esporte bretão com destaque para o rebelde Romário.

Sei lá porque as pessoas pensam que não gosto de futebol. Gosto e muito, garanto. Mas devo respeitar a opinião geral, pois meu apreço é mesmo algo diferente. As histórias pessoais dos craques me fascinam. Já escrevi alguns artigos sobre o tema, mas sempre que me reponta um novo herói logo ponho a remoçar possibilidades analíticas. Por certo, devo isto ao tipo de jogador que elejo como preferido.
Deixe-me ser mais explícito: nunca gostei de futebolistas comportados em campo ou fora deles. É lógico que admiro Ronaldo, o fenômeno. Prezo a história de sua recuperação como exemplo, algo mesmo digno da campanha “o melhor do Brasil é o brasileiro”, mas o seu olhar de bom moço, a voz sempre embargada e seu jeito dominado me causa estranheza. Digo o mesmo de Zico que, fora do campo, apenas me provocou repulsa, principalmente depois do apoio emprestado a Collor. Pelé vale pelo que foi, é e será. Não vejo, porém, nele nenhuma outra qualidade que não a de melhor jogador do mundo de todos os tempos. Suas opiniões pobres e pelegas esbarram no constrangimento, mas ele está acima de qualquer suspeita e pode dizer as besteiras de sempre – a maior delas, eternizada, foi de 1972 quando garantia que “povo não sabe votar”.
Admiro mesmo os jogadores problemáticos, contraditórios, birrentos, brigões. Garrincha, neste sentido, tem um altar especial em minhas reverências. Lembro-me que Sócrates, o doutor, me fazia atônito porque fumava e chegou a criar um movimento político magnífico, a marcante Democracia Corintiana.
Atualmente, Romário chama a atenção pela rebeldia e originalidade em “fazer e assumir” suas bobagens. E como... Não é apenas por sua pretensão de se comparar aos melhores, pela arrogância de quem se auto-valoriza acima de outros ou pelos seus comentários insossos que cintila no céu das estrelas vulgares. O “baixinho” ultimamente tem ganhado a cena nacional por vários motivos, mas principalmente por duas que faço questão de ressaltar. Uma, a relutância em deixar a profissão e as constantes despedidas, sendo que a mais singular foi a maneira pela qual recebeu a justa homenagem no amistoso da seleção em São Paulo contra a Guatemala. Tendo São Paulo como cenário, teve o desplante de dizer que merecia a honraria: “Vocês sabem, mais do que ninguém, que minha casa real é o Rio de Janeiro. Sempre tive alguma coisa com São Paulo e com os paulistas. Já que minha despedida não foi no Rio, não poderia ser diferente, teria que ser em São Paulo, como foi”.
Mas neste mesmo jogo, meu herói Romário deu mostra de outra faceta sua, mais humana, corajosa. Depois de fazer o seu gol no jogo, levantou a camisa do uniforme e ostentou outra com os seguintes dizeres “tenho uma filhinha Down que é uma princesinha”. Atente-se à perfeição do português. Ele não usou o inefável “mas”. No lugar positivamente aplicou “que é”.
Romário é conhecido por ser chorão. E tanto com a homenagem como pela reverência à filhinha Ivy, me fez chorar copiosamente. Longe de ser politicamente correto – pelo contrário – o machista jogador sugere com seu ato três atitudes: aos 39 anos prepara-se para aposentar sem abrir mão de seu lugar na história do futebol brasileiro; reconhece-se como figura pública de valor e honra sua trajetória de artífice do “tetra”, e, finalmente, desenha para si a condição de “pai especial”. Ouvi dizer que ele encomendou à China 100 mil braceletes de borracha vermelha. Desde já candidato-me a comprar uma.
Sabe o que aprendi com a história de Romário? Que realmente Deus escreve certo por linhas tortas. O baixinho teve uma história que o autoriza a ser autor de uma nova campanha, santo de missão importante. Ave Romário, cheio de graça. De graça no sentido agostiniano do termo. Da mesma graça que saudamos Maria mãe de Jesus de Romário e da princesinha Ivy.


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