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Por Pedro Venceslau
Para
não virar ficção,
Vlado ganha documentário
Será
lançado em outubro "30 anos depois”. É
um longa-metragem que resgata o
episódio em que o jornalista Vladimir Herzog foi assassinado
no DOI-CODI de São
Paulo. Últimas cenas serão filmadas em maio.
Bem que os militares tentaram transfor-
mar o assassinato do jornalista Vladimir Herzog em um capítulo
de ficção, simulando um suicídio que, por razões
práticas, nunca poderia ter acontecido. Reconhecidas, as
brutalidades do regime militar já entraram para a história
recente brasileira. Depois de 30 anos, o cineasta João Batista
de Andrade retoma o episódio em um documentário a
ser lançado em outubro deste ano. O objetivo, segundo o diretor,
é não deixar o fato transformar-se em apenas uma história
do período sombrio: "Vlado foi o símbolo da luta
contra a ditadura e muitas vezes corre-se o risco do mito sufocar
a verdade", afirma Andrade.
Essa verdade, no longametragem, tem sido recontada por amigos e
parentes de Herzog. Ao todo, 30 depoimentos foram co-letados, entre
eles os de D. Paulo Evaristo Arns, José Mindin, Clarice Herzog,
mulher de Vlado, os advogados que abraçaram o caso, jorna-listas
e amigos que compar-tilharam a tensão dos anos 70 e a perda
de Herzog. "São histórias das vivências
de cada um deles e a partir delas chegaremos à história
coletiva. Foi duro para mim e para todos os envolvidos neste projeto
relembrar o que aconteceu", relembra o diretor.
Andrade que também era amigo e colega de trabalho de Herzog
lamentou, durante as últimas três décadas, não
ter filmado nada naquele momento. "É o resgate do que
eu não filmei na época", afirma, "eu nunca
me recu-perei do impacto dessa perda. Eu me sentia desarvorado,
assustado, sem saber o que fa-zer. Eu que filmava tudo, por que
não fiz nada naquele momento? O clima político era
qua-se irrespirável, me sentia impotente, vendo, mais uma
vez, a história desabar sobre nós com a sua força
destruidora".
O documentário, sob o título "30 anos depois",
é o desdobramento de um projeto de Andrade que nunca saiu
do papel, a produção de um longa [metragem] que reconstruísse,
a partir da dramaturgia, aquele momento e a morte de Herzog. O projeto
foi estrangulado com o Plano Collor, mas o sonho de recontar o legado
de Herzog permaneceu. Para lançar o filme sobre Vlado em
outubro, mês em que foi assassinado, Andrade resolveu rodar
o documentário e adiar o filme de ficção sobre
o episódio.
O diretor
O mineiro João Batista de Andrade dirigiu 11 longa-metragens
e um episódio no longa "Em Cada Coração
um Punhal", além de 49 curtas e médias metragens
para cinema e TV. Na televisão, começou na TV Cultura,
ao lado de Vladi-mir Herzog e Fernando Pacheco Jordão. Depois,
no Globo Repórter, sob o comando do cineasta Paulo Gil Soares,
renovou o documentário neste veí-culo. Entre seus
trabalhos estão "Gamal, Delírio do Sexo",
seu primeiro longa oficial, "Doramundo", "A Próxima
Víti-ma", "O País dos Tenentes" e "O
Homem que Virou Suco", medalha de Ouro no Festival de Moscou
em 1981.
Com o jornalista Vlado, a ligação foi sempre muito
forte, inclusive a paixão pelo cinema. Vlado fez roteiros
e o documentário "Marimbás", sobre pescadores
de uma praia do Rio. O jornalista seria o roteirista de "Doramundo",
mas o convite da TV Cultura afastou-o do caminho do cinema.
Reencontram-se agora, Andrade e Herzog, nos caminhos da memória.
E nas telas do cinema.
©
Jornal Contato 2005
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