Ele não existiria, seria um jeito de ver, um
olhar desconfiado, um passo perigoso que os sensatos
não dão. Mas é inegável
que esse sexto sentido, existindo ou não, teria
tudo a ver com a intuição, essa sim uma
verdadeira entidade, de caráter mais feminino.
Foi a intuição quem instruiu o “sexto
sentido” da mulher de um amigo e a remeteu para
o bolso do paletó, onde estava uma nota fiscal
de hotel.
O resto foi de um pragmatismo cruel e inapelável,
levando o desprevenido a todas as labaredas do Inferno.
Intuição e sexto sentido dos homens não
indicaram um sinal vermelho para o desesperado dono
do bolso e da notinha mortífera, mais letal que
cicuta ou formicida. “Morreu” ali, embora
tenha sido enterrado só cinco anos e uma cirrose
depois. Um “sexto sentido”, digamos mais
erudito, capta informações capazes de
evitar catástrofes, antecipando eventos e danos
reparáveis, se visto e provido de medidas aparentemente
absurdas. Uma amiga de minha mais próxima estima
costuma fazer previsões tidas como inaceitáveis,
logo depois confirmadas: “Não é,
mas está a caminho. Seis meses”, vaticina
como quem não erra. E não tem errado em
suas visões sobre os que, em breve, sairão
do armário. Ela é fatal. Houve, como sabemos,
noivos que abandonaram o altar, invadidos por uma superstição
que merece melhor nome, em homenagem à outra
forma mais razoável de premonição,
outro departamento da intuição, quase
sempre a serviços das mulheres.
Quem somos nós, sem tato, olho e ouvido, para
nos compararmos com elas? A intuição,
que é auxiliar desse sentido, nem sempre está
a serviço do amor e, depois, da felicidade. É
que há intuitivas que não “sacaram”
o pilantra que se avizinhava de seu coração,
levando-o de roldão, passando pelo altar, rumando
casa adentro, ocupando camas e banheiros, algumas economias
saídas de torturante dedicação
ao trabalho, para servir ao amor.
Como dizem os espíritas, certas faculdades e
privilégios não podem servir a causas
próprias, sob pena de perdê-los, o que
ensina na direção do uso do poder com
a moderação e sabedoria que têm
faltado aos afoitos, a quem tem cabido o castigo de
comer cru. Sem ser um apaixonado pela cozinha japonesa,
tem sido essa a refeição mais à
minha mesa de pouca iguaria e nenhuma medida dionisíaca
que acalme minha alma e refrigere meu corpo cansado
de incorrigível trabalhador.
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