LEILA
RAMOS E AMÍRIA VENÂNCIO SECRETÁRIA E PRESIDENTE
DO CONSELHO DA MULHER |
Na
sessão da Câmara Municipal na terça-feira, 10,
um anunciado debate tomou conta do plenário: quem é
a favor e que é contra a chamada “Pílula do
Dia Seguinte”? Essa discussão não surgiu por
acaso, apesar de alguns mais ingênuos alardearem que não
passa de “macaquice de vereadores ligados à igreja
Católica que querem imitar seus pares da vizinha São
José dos Campos”, segundo atento observador da política
local que prefere o anonimato.
Na galeria do Legislativo, um pequeno, mas combativo grupo de mulheres
procurava pressionar os vereadores com a exibição
de cartazes em defesa ao uso da tal pílula (ver fotos). As
mulheres fazem parte do Conselho Municipal de Política para
a Mulher, criado em maio de 2004 pelo então prefeito José
Bernardo Ortiz. O Conselho é formado por 40 mulheres eleitas
em assembléia ordinária sendo 20 titulares entres
as quais 13 são indicadas pela sociedade civil (sindicato,
ongs etc) e as outras 7 são indicadas pela prefeitura. Uma
das primeiras promessas do prefeito Roberto Peixoto (PSDB) foi o
compromisso sancionar rapidamente a lei criada no ano passado.
Diante do acomodado e usual silêncio do alcide, da pressão
ostensiva dos grupos ligados à Renovação Carismática
da igreja Católica e do anúncio de que o vereador
Carlos Peixoto (PSC), líder do governo e representante dos
setores católicos contrários à pílula,
entraria com projeto de lei para sua distribuição
em Taubaté, a discussão tomou força e extrapolou
os limites da Câmara.
Tudo indica que Taubaté poderá passar pelos mesmos
problemas enfrentados pelo prefeito Eduardo Cury (PSDB) de São
José dos Campos.
A
crise joseense
Como
aconteceu em todo o território nacional, as prefeituras de
Taubaté e São José, no dia 11 de março,
receberam respectivamente 930 e 1.080 cartelas da Pílula
do Dia Seguinte, contraceptivo de emergência usado em programa
federal de planejamento familiar e que impede a gravidez em até
95% dos casos caso seja ingerido pela mulher até 72 horas
após a relação sexual desprotegida, ou seja,
sem utilizar outros métodos como camisinha, por exemplo.
A militância católica que já elegeu a petista
Ângela Guadagnin para prefeita (1993/1996) entrou em cena
com o apoio da hoje deputada federal. Era o primeiro sinal de que
o tema dividiria famílias, partidos políticos, movimentos
sociais e até mesmo a própria igreja Católica.
No dia 31 de março, sob aplausos de religiosos e vaias de
sindicalistas, a Câmara de São José aprova por
18 votos a 1 o projeto da bancada católica que proíbe
a distribuição da pílula por considerá-la
abortivo e prejudicial à saúde da mulher. De nada
adiantou os pareceres da assessoria parlamentar que apontava a inconstitucionalidade
do projeto de lei apresentado por que contrariava uma legislação
federal.
Duas semanas depois, no dia 15 de abril, o prefeito Eduardo Cury,
com base em parecer da Secretaria de
VEREADOR
LUIZINHO DA FARMÁCIA (PP) |
Assuntos
Jurídicos, veta o projeto por considerá-lo inconstitucional.
Tudo indicava que não haveria maiores problemas. Dono de
um excelente cacife eleitoral e da maioria no Legislativo, o prefeito
nunca imaginou que a Câmara poderia derrubar seu veto depois
de transcorridos os 30 dias que teria para derrubar ou manter o
posicionamento do Executivo.
A leitura do veto realizada na sessão do dia 28 de maio,
por exemplo, foi pressionada por comissão de padres que compareceram
em massa na Câmara. A igreja Católica, por ordem do
bispo diocesano Moacir Silva, fez abaixo-assinados nas missas para
que os vereadores derrubassem o veto do prefeito e ainda pediu que
os padres se mobilizassem para convencer os vereadores a manter
a proibição. Era o sinal mais que explícito
de que a “briga” ainda estava longe de seu fim.
No dia 5 de maio, Cury teve a surpresa anunciada de ver seu veto
derrubado por 12 votos e apenas 7 a favor do veto. Os católicos,
especialmente os carismáticos, comemoram efusivamente enquanto
sindicalistas, católicos ou não, movimmentos sociais
e ongs lastimam e prometem levar o caso para a Ministério
Público. Colocado contra a parede, o prefeito tem 48 horas
para promulgar a lei. Caso contrário, essa função
fica a cargo do presidente do Legislativo.
Questão
Nacional
Na
sua edição do dia 7, sábado, o conservador
jornal O Estado de São Paulo publicou que nossa vizinha São
José dos Campos, “é a única cidade do
país, que o Ministério da Saúde tem conhecimento,
que não cumpre a determinação do Governo Federal
de distribuir, gratuitamente, a pílula do dia seguinte na
rede pública de saúde.” Uma iniciativa que parecia
consensual, de repente, passou a sofre uma oposição
nacional capitaneada pela igreja Católica, através
da Renovação Carismática, um segmento conservador
criado para se contrapor à Teologia da Libertação
dos setores considerados mais progressistas.
Jacareí, governada pelo Partido dos Trabalhadores responsável
pela implantação dessa política pública,
foi a próxima peça do dominó político
no Vale a se mover em direção contrária à
política federal elaborada por tucanos e executada por petistas.
Sinal de uma futura aliança? Que nada. Os dois partidos estão
divididos quanto ao uso e distribuição da pílula
do dia seguinte.
A divisão nacional dos maiores partidos políticos
não é a única parte visível da fratura
provocada.
Reflexos
em Taubaté
Vereador
Carlos Peixoto parte para São José para acompanhar
de perto os acontecimentos. Por isso mesmo, a sessão de terça-feira,
10, tinha um tempero muito especial: avaliar o clima e medir as
forças de cada corrente.
Na terra de Lobato, as divisões começaram a aparecer.
Na edição 214 de CONTATO, dr. Pedro Henrique, diretor
da Saúde de Taubaté explicou que: “A distribuição
é feita somente na maternidade do Hospital Universitário.
Nós não queremos que a ignorância da população
possa confundir isso com um anticoncepcional normal. Queremos esclarecer
a população que essa pílula deve ser usada
em situações emergenciais. Não queremos que
as pessoas carreguem esse remédio no bolso”. E avança:
“A pílula só será dada após uma
consulta médica. Uma menina de 15 anos só vai receber
o medicamento se estiver acompanhada do pai ou responsável.
Para que ele seja informado do acontecimento”. E concluiu
com uma opinião que não deixa dúvidas sobre
sua posição: “O Estado é laico, ele não
governa para o católico, evangélico, mulçumano
ou budista. Governa para todas as religiões. Quem deve decidir
pelo uso da pílula é a própria mulher”.
TEREZA
PAOLICCHI, ÂNGELO FILLIPINI E ARY KARA FILHO TRÊS
CABEÇAS COM A MESMA SENTENÇA |
No
governo, portanto, já se observa o conflito entre o líder
do prefeito na Câmara e diretor do departamento da Saúde.
Os conflitos se estendem.
Doutor Xenofonte Mazzini, coordenador da área da Saúde
da Mulher do Departamento de Saúde de Taubaté, conta
que: “Recebemos 930 lotes do Ministério da Saúde,
mas até o momento foram utilizados apenas 15. Tivemos uma
surpresa positiva. Pois a baixa procura pela pílula mostra
que o medicamento está sendo utilizado somente em casos de
emergência”, afirma Mazzini. Porém, ele destaca
que o ponto negativo fica por conta das farmácias. “Nesses
locais, é possível comprar a pílula sem receita
médica, o que é errado”, ressaltou.
Nesse caso, enquanto a ciência se posicionava a favor, Padre
Marlon muito identificado com os setores mais conservadores da igreja
Católica fugia da raia. Procurado, o padre pop, como ele
mesmo se qualificou na TV Vangurada, só aceitou responder
por email. Confira:
CONTATO: Qual é a sua posição a respeito da
pílula do dia seguinte? E por que?
O senhor considera louvável a atitude do Legislativo de São
José dos Campos?
Ao se posicionar contra o medicamento a Igreja Católica acabou
dando maior visibilidade ao assunto. Qual sua opinião sobre
isso?
Padre Marlon: Jorge, minha opinião está sendo externada
nas Missas que celebro. Terei o imenso prazer em recebê-los
para participarem da Missa.
A
pílula será aprovada
Enquanto
partidos, movimentos sociais, religiões batem cabeça,
a lei que tentará barrar a distribuição gratuita
em Taubaté não devera ser aprovada. O levantamento
preliminar realizado por CONTATO registra o placar de 7 votos a
favor da pílula e 6 votos contra. Confira os prováveis
votos:
Veradores a favor da pílula: Henrique Nunes (PPS), professora
Pollyana (PPS), Chico Saad (PMDB), Luizinho da Farmácia (PP),
Rodson Lima (PP), professor Jeferson (PT) e o surpreendente voto
do pasto Valdomiror (PL).
Vereadores contra a pílula: Carlos Peixoto (PSC), Tereza
Paolicchi (PSC), Ângelo Fillipini (PSDB), Maria Gorete (PMB),
Maria das Graças (PTC) e o surpreendente voto de Ary Kara
Filho (PTB), o mais jovem edil.
Opinião
PASTOR
VALDOMIRO (PL) SURPREENDEU SEUS PARES COM SUA POSIÇÃO
FAVORÁVEL À PÍLULA |
Orestes
Vanone (PSDB) não vota mais regstrou sua opinião:
“Vetar a pílula é uma hipocrisia. Se a Câmara
aprovar a lei que permite a distribuição gratuita
com assistência médica não haverá como
proibir que as farmácias continuem vendendo. O pobre continuará
sendo o maior prejudicado”.
Carlos Peixoto tenta fugir do aspecto religioso quando afirma que
os cientistas estão divididos. “Metade afirma que a
pílula é abortiva e a outra metade diz que não.
Enquanto a ciência estiver dividida eu serei contra”.
Ary Kara Filho, cujo voto contrariou todas as expectativas, afirma:
“Sou contra qualquer coisa que afete o organismo humano”.
Tereza Paolicchi, católica, contra o aborto, argumenta: “Temo
que haja uma explosão de promiscuidade com a liberação
da pílula. Como reagirá o organismo damulher? Por
isso votarei contra.”
Ângelo Fillipini assume que votará contra por convicções
científicas e religiosas. E resum: “Na dúvida,
próvida”.
Maria Gorete não vacila: “Sou a favor da vida. Por
isso voto contra.”
Maria da Graças (PTC) é outro voto convicto: “Sou
contra porque antes da distribuição tem que realizar
um trabalho de conscientização. A distribuição
gratuita pode ocasionar aumento de Doenças Sexualmente Transmissíveis
-DST”.
Pastor Valdomiro, que muitos afirmava que votaria contra a pílula,
mostrou-se um dos mais ardorosos defensores: “Sou a favor
porque conheço o problema social que é muito grande
entre jovens adolescente grávidas”. O pastor resumiu
a opinião daqueles que se posicionam a favor da distribuição
gratuita da pílula com assistência necessária
por parte do servíco de saúde público.
Depois de toda a confusão, tudo parece indicar que a opinião
de Amíria Venâncio, presidente do Conselho Municipal
da Política para a Mulher: “A melhor coisa que podia
acontecer foi a reação da igreja Católica.
Conseguiu dar visibilidade para um programa que vem sendo executado
desde 1996. Daqui pra frente, tenho certeza de muito maisa gente
deverá procurar a saúde pública em busca de
orientação. A pílula é apenas uma das
soluções.”
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Ficha
técnica
22 de março de 05 – Ministério
da Saúde lança a Política
Nacional de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos.
O programa tem três eixos: ampliação
da oferta de métodos anticoncepcionais
reversíveis; ampliação ao
acesso de esterilização cirúrgica
voluntária; introdução de
reprodução humana assistida no Sistema
Único de Saúde (SUS).
Dados
• A distribuição da pílula
começou em fevereiro para 1.388 municípios
com mais de 100 mil habitantes e/ou que contam
com pelo menos cinco equipes de Saúde da
Família, de todos os estados brasileiros;
• Estimado em torno de R$ 40 milhões,
por ano, deverá contemplar um público-alvo
de 40 milhões de pessoas;
• 50% de nascimentos não são
planejados de acordo com a última Pesquisa
Nacional de Demografia e Saúde (PNDS).
• Só em 2003, ainda segundo o levantamento
do PNDS, 584.223 crianças nasceram vivas
de partos de mães adolescente realizados
no SUS.
• Organização Mundial de Saúde
(OMS) afirma que 31% das gravidezes terminam em
abortamento. São cerca de 1,4 milhão
de abortamentos. Ou seja, 3,7 abortos para 100
mulheres de 15 a 49 anos.
• Em 2004, a rede SUS registrou 246.998
internações provocadas por complicações
decorrentes de abortos inseguros e espontâneo. |
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