O
mordomo (mais uma vez) é o culpado
Pode parecer exagero, mas a história contada pelo ex-mordomo
de Paulo Coelho, confirmada integralmente até agora, leva
para uma (velha) conclusão: o mordomo é sempre o culpado.
Tudo começou com um telefonema. Na outra ponta da linha,
uma voz jovem contava que havia sido mordomo do escritor, em Paris,
França. Inconformado com a demissão, o ex-mordomo
dizia possuir documentos que poderiam incriminar a respeitada e
venerada figura de um guru que tem seguidores em todo o mundo.
Respeitadíssimo internacionalmente, sinônimo de bondade,
compaixão e do amor, o escritor Paulo Coelho também
teria outras facetas menos nobres. Pelo menos é o que afirma
Eduardo dos Santos Alves, mordomo do escritor, em Paris, até
fevereiro de 2005. Ao retornar de uma viagem de férias ao
Brasil, Alves, conforme suas próprias palavras, não
conseguiu mais entrar no apartamento do escritor, no sofisticado
bairro de Trocadero, na capital parisiense. As fechaduras haviam
sido trocadas e o mineiro, que também trabalhava na cantina
da embaixada brasileira na França, viu-se no olho da rua
em pleno inverno europeu. Ali começava seu inferno astral.
Na França, essa atitude pode ser classificada como crime
porque o frio intenso pode provocar a morte. Paulo Coelho, o Mago,
viu-se, de repente, acusado de dois crimes: ter deixado sem teto
um cidadão e ter desaparecido com seus pertences que se encontravam
nas dependências de empregados no apartamento. Acusações
que podem soar como absurdas para os padrões brasileiros
de justiça. Não é o caso da França.
A vítima |
O
mordomo
Alves é um aventureiro internacional. Sua trajetória
tem passagens muito parecidas com a dos personagens da novela América,
levada ao ar no horário nobre da TV Globo. A diferença
é que Alves não teve de passar pelo sufoco da fronteira
mexicana. Bons tempos aquele em que o atentado de 11 de setembro
de 2001 ainda não passava de obra de ficção.
Sua primeira estadia nos Estados Unidos foi entre 1995 e 1998. Conseguiu
trabalhar legalmente na loja Sachs da 5ª. Avenida, na sessão
de perfumes da Christian Dior. Em fevereiro de 2002, não
conseguiu renovar seu contrato com a Sachs depois de retornar de
uma viagem de férias. O atentado no ano anterior mudara a
rotina norte-americana.
Decidido a não voltar a residir no Brasil, Alves segue para
Paris em 1º de março de 2002. Um amigo, o maranhense
Rogério Soares Silva, o convidou para fazer alguns bicos
na feijoada que servia toda semana na embaixada do Brasil, em Paris,
então dirigida pelo embaixador Marcos Azambuja. A cantina,
que serve algumas receitas da exótica comida brasileira,
fica dentro da própria embaixada.
Naquele momento, segundo Alves, o titular permitiu que a cantina
fosse frequentada por pessoas não vinculadas à embaixada
nacional. Aos poucos, a demanda aumentou e os bicos de Alves se
transformaram em um trabalho regular, mesmo sem os documentos exigidos
pelas autoridades francesas.
O
emprego
Rizoletta Górdula é funcionária da embaixada
responsável pela suas atividades culturais. Paulo Coelho
é uma das inúmeras personalidades ligadas à
cultura que por lá circulam. Foi assim que ela ficou sabendo
que Cristina Oiticica, esposa do escritor, procurava por um empregado
para atender o grande número de amigos e autoridades que
frequentavam o belo apartamento localizado em Trocadero, uma das
regiões mais nobres de Paris.
O casal Coelho, apesar de magnifica residência que possui
em San Martin, no sul da França, nunca dispensou o conforto
do apartamento. Segundo Alves, todo fim de semana ou no máximo
de 15 em 15 dias o casal ocupa o apartamento. Diante da intensa
vida social, um mordomo seria a solução.
Eduardo dos Santos Alves preenchia todas as qualidades: brasileiro,
educado, viajado e muito jovem, com apenas 25 anos de idade. Logo
começa a trabalhar no apartamento de Paulo Coelho. Devidamente
apresentado por Górdula, amiga de Cristina, o mordomo passou
a acumular as duas tarefas. O trabalho na embaixada brasileira servia
como um aval para o novo emprego. Fechado o negócio, Alves
mudou-se para o apartamento de empregados. Todos os dias, por volta
das 14h, o garçon deixava seu trabalho na embaixada e assumia
o papel de mordomo no apartamento onde passou a residir.
Sua atividade era servir as recepções freqüentemente
oferecidas à imprensa, amigos e muitos artistas brasileiros.
“Paulo recebe muita gente influente em Paris”, conta
Alves.
Demissão
sumária
O
clima de festa que parecia não ter fim desabou em fevereiro
de 2005. No final de 2004, Alves conta que viajou de férias
para o Brasil. Até então, afirma, nunca teria havido
qualquer desentendimento entre ele e seus patrões. Porém,
quando retornou de viagem não mais conseguiu entrar no apartamento.
Todas as fechaduras haviam sido trocadas.
Alves nunca conseguiu entender as razões de Coelho e sua
esposa. Reconhece que houve um único problema que considera
irrelevante. Sua viagem de volta deveria ter ocorrido no dia 29
de janeiro. Porém, a alta temporada de verão no Brasil,
o carnaval e a baixa cotação do dólar teriam
impedido que conseguisse um vôo dentro do prazo combinado.
Desembarcou em Paris só no dia 10 de fevereiro.
O ex-mordomo afirma que telefonou para dona Rizoletta e pediu que
avisasse sua patroa. Pouco adiantou. No dia 10 de fevereiro encontrou
as portas com fechaduras trocadas. Imediatamente, teria ligado para
seus patrões que se encontravam na residência de San
Martin. Eis como o ex-mordomo detalha sua versão:
“[Dona Cristina] me disse que infelizmente não precisava
mais do meu serviço, que já tinha contratado outra
pessoa para fazer outros serviços e que todas as minhas coisas
estariam na cave do prédio. No Brasil, a gente chama de depósito.
Então, eu disse que ela não poderia fazer aquilo,
pois não tinha lugar para dormir e ficaria na rua. Paulo
Coelho pegou o telefone e disse que não poderia fazer mais
nada e que no dia seguinte eu deveria pegar meus pertences. Então,
fui procurar a polícia para ver o que poderia ser feito.
Eu não poderia dormir na rua, já eram quase duas horas
da manhã. A polícia me abrigou por três dias.
Depois disso, [...] um amigo foi ao prédio pegar minhas coisas
onde ela disse que tinha deixado. Mas, minhas coisas não
estariam mais lá porque ela afirmou [para o pessoal do prédio]
que não me conhecia e nunca tinha me visto. (...) Ela falou
isso, justamente, para não ter nenhum problema com a Justiça.
Eu trabalhava ilegalmente para eles. Procurei meus advogados e consegui
provar com cheques recebidos em pagamento, bilhetes deixados para
mim e declarações de pessoas que visitavam o apartamento
que eu trabalhava para eles. (...) Tenho conta bancária na
França. Registrei queixa com toda a documentação”
Toda essa movimentação só foi possível
graças a advogada Claudine Fromentin, de um escritório
que aceitou defender a causa. CONTATO ligou para Fromentin que confirmou
ter assumido o caso, mas que não podia dar qualquer informação
sobre seus clientes, seja por telefone ou por e-mail.
Segundo Alves, a advogada lhe informou que Paulo Coelho teria de
pagar uma indenização porque, na França, é
crime deixar uma pessoa na rua em pleno inverno, sem ter dado qualquer
aviso. Lá “existe uma lei que obriga você dar
um aviso prévio de 30 ou 60 dias para a pessoa se retirar.
Isso sendo em locação ou trabalho. (...) Ele [Paulo
Coelho] teria de pagar um hotel ou mesmo não retirar minhas
coisas do quarto porque isso [lá] é considerado furto.”
CONTATO teve acesso a queixa (Proces Verbal) registrada na Direction
Generale de la Police Nationale com destino ao Parquet de Paris.
O carimbo indica tratar-se da Prefecture de Police – Direction
de la Police Urbaine de Proximate, nº 85, no dia 9 de março
de 2005. (ver reprodução)
Embaixada
Outro
problema apontado pelo ex-mordomo de Paulo Coelho diz respeito a
embaixada brasileira em Paris. Alves considera ilegal a existência
da cantina na representação diplomática. Porém,
ele mesmo afirma que Sérgio Amaral, atual embaixador e ex-porta
voz do governo FHC, frequenta a cantina e que Alves já lhe
atendeu inúmeras vezes juntamente “com a ministra Maria
Laura, vários diplomatas e pessoas importantes do Brasil.”
O
acusado, Paulo Coelho |
Paulo
Coelho
Alves
recorda que já foi leitor assíduo de Paulo Coelho.
“Eu era seu fã. [Não entendo como que] um homem
que diz ser um pessoa generosa, do perdão, teve uma atitude
totalmente contrária [ao que escreve].”
Apesar da surpresa, o ex-mordomo afirma que não tem ódio,
mas quer que a justiça seja feita. “Sei que no Brasil
não existe Justiça, mas na França há.
(...) E o fato de ser uma pessoa conhecida internacionalmente não
vai interferi em nada”.
Perguntado se o perdoaria, Alves não vacilou: “Sim.
Sem problema algum, mas ele deve pagar por aquilo que fez. Você
não imagina o que eu passei.”
Procurado
pela redação de CONTATO e da revista Imprensa, Paulo
Coelho não retornou as ligações e os e-mails
enviados.
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Paulo
Coelho: Rápida Biografia
•
Nasce em 1947 na cidade do Rio de Janeiro.
• Nos anos 1960, conhece Raul Seixas, um
parceiro em mais de 60 composições;
• Em 1973, é preso pela ditadura
militar;
• Em 1982, edita seu primeiro livro “Arquivos
do Inferno” e em 1985 “O Manual Prático
do Vampirismo”;
• Percorre o caminho de Santiago em 1986;
• Em 1987, lança “O diário
de um mago” e um ano depois “O Alquimista”;
• Outros livros: “Brida” (1990);
“As Valkírias” (1992); “Na
Margem do Rio Piedra eu Sentei e Chorei”
(1994); “O Monte Cinco” (1996); “Manual
do Guerreiro da Luz” (1996); “Veronika
Decide Morrer” (1998); “O Demônio
e a Srta. Prym” (2000); “Histórias
para Pais, Filhos e Netos” (2001);
• Em 2000, o governo francês concede
a Paulo Coelho sua mais prestigiosa distinção,
"Chevalier de L'Ordre National de la Legion
d'Honneur";
• Em 2002, é eleito para a Academia
Brasileira de Letras (ABL);
• Em 2005 , lança “O Zahir”.
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