Por Paulo de Tarso Venceslau

Não tem o porte e a dimensão de O Estado de São Paulo, da Folha, de O Globo ou do que já foi o Jornal do Brasil. Porém, no estra-tégico Vale do Paraíba situado no eixo Rio-São Paulo, existe um jornal diário que é leitura obrigatória para quem reside na sua parte paulista. Trata-se do jornal ValeParai-bano, editado e impresso em seu próprio par-que gráfico, em São José dos Campos, desde que foi adquirido pelos amigos Ferdinando Salerno e Aquilino Lovato. Antes, o jornal estava sediado em Caçapava.
Se dependesse dos dois amigos, a paz reinaria eternamente na sociedade que conse-guiu transformar um pequeno jornal num influente império no mundo das comunica-ções da região. Porém, logo após o faleci-mento de Aquilino Lovato, em 1991, uma maldição parece ter tomado o lugar da enorme e profunda amizade que unia os dois amigos. Foi deflagrada uma luta que só agora parece estar chegando ao fim depois de tragédias e enfrentamentos jurídicos que nada ficam a dever às tragédias gregas.

Breve história
Em 1977, o pequeno grande império lan-çou as bases mais sólidas do que viria a ser a atual empresa responsável pela publicação diária do jornal Valeparaibano. No dia 3 de dezembro, o jornal inaugurou suas novas ins-talações e equipamentos com um coquetel pa-ra cerca de 1.500 convidados. Na ocasião, a empresa era presidida por Ferdinando que possuia 60% do controle acionário da empresa.
A edição do dia seguinte informava, na primeira página, que o jornal devidamente modernizado passaria a circular em 39 cida-des que formam a região formada pelo Vale do Paraíba, Litoral e Região Serrana. Empre-sários, autoridades civis, militares e religiosas se acotovelaram para conhecer as novas máquinas e instalações.
Em uma das fotos estampadas na primeira página, Ednardo de Paula Santos, último prefeito nomeado de São José dos Campos, Ferdinando Salerno, Cerqueira Lima, depu-tado federal Vicente Bevilacqua que seria eleito prefeito e Aquilino Lovato é uma pequena amostra do poder civil local. Em outra, outras monsenhor Luiz, Severo Gomes, então vivo e dono da Tecelagem Paraiba, e militares de alta patente completam o arco de apoio que existia em torno daquele empreendimento.
Desde então, nenhum outro jornal conse-guiria manter uma disputa competitiva com o novo Valeparaibano. Uma das vítimas foi o jornal Agora, do jornalista Roberto Wagner de Almeida. Embora dispusesse de um parque gráfico razoavelmente moderno, o jornal, com o passar dos anos, não resistiu ao poder de fogo do novo concorrente capitaneado pelos amigos Ferdinando e Aquilino.
Desde a morte do pai Aquilino, em 1991, porém, os filhos Raul e Aquilino Júnior pas-saram a viver momentos de atrito com os Salerno. Em 1996, a empresa adquiriu im-pressoras coloridas e muito mais velozes do que as que imprimiam em preto e branco, um investimemento superior a US$ 2 milhões. Nossa reportagem apurou que os Lovato te-riam se recusado a assinar o aval junto exigido por um banco de Nova Iorque. Ferdinando Salerno teria assinado sozinho, através de uma negociação junto ao então BCN. A con-fiança deixara de existir entre as duas famílias.
Mas os grandes confrontos só teriam início em 1998 quando o STJ Superior Tribunal de Justiça acolheu uma queixa a respeito de des-vios de numerários da conta bancária do Vale-paraibano para a conta pessoal de Aquilino Lovato. Segundo apurou nossa reportagem, Fernando Salerno, nessa ocasião, teria entra-do com uma ação de dissolução da sociedade.
A gota d'água que saturou o nível das relações atritosas entre as famílias Salerno e Lovato teria sido a doação de 5% das ações do patriarca Ferdinado Salerno para seu filho Fernando, que há mais dez anos, já exercia o cargo de diretor.
Inconformados com a doação de pai para filho, os irmãos Raul e Aquilino Lovato entra-ram com uma ação para exigir que os mesmos tivessem direito a 50% dos 5% das cotas doadas. Caso fossem vencedores, a família Lovato passaria a controlar a empresa. Foi o fim de uma amizade construída ao longo de décadas.
Segundo nossa reportagem pôde apurar, a força da amizade que marcava o relacio-namento entre os dois patriarcas fez com que Ferdinando doasse 10% para seu amigo Aqui-lino, acometido por um câncer que provocaria sua morte prematura. A divisão salomônica teria sido a pior solução para um problem até hoje não solucionado.
A solidez do Valeparaibano era tão forte que foi capaz de passar ao largo até mesmo de um crime que abalou a região mas não o empreendimento.



Fernando Salerno e Luiz Gonzaga Pinheiro, nosso colaborador, durante debate eleitoral em 29 de setembro de 2004

O crime
No dia 28 de janeiro de 1992, foi assas-sinada Sandra Regina Brito, funcionária da empresa e amante de Aquilino. Uma notícia que poderia ficar restrita às páginas policiais foi parar nas manchetes dos jornais da região e da capital. Motivo: Aquilino Lovato Júnior seria o mandante do crime. A DIG Delegacia de Investigações Gerais de São José, no dia 16 de abril de 1993 informava que conside-rava esclarecido o assassinato de Sandra Brito. O Diário Popular do dia 18 de abril de 1993 publicou a manchete “Diretor do Vale-Paraibano foge para evitar sua prisão”. Henri-que Ferro, advogado de Aquilino Júnior na época, informava que seu cliente iria “perma-necer em local incerto e não sabido, até que seja relaxado o pedido de prisão temporária expedido contra ele”.
Reginaldo de Brito, preso por assalto a um posto de gasolina, havia confessado que fora contratado por Nelson Rodrigues e pelo ex-funcionário do jornal Rodolfo José de Afonso para matar Sandra com um tiro na cabeça. O primeiro encontra-se condenado a 16 anos de prisão e o outro a 15. A causa do crime, segundo a polícia, seria a chantagem pela qual Aquilino Júnior estaria sofrendo por parte de Sandra, que afirmava ser mãe de um filho seu.

Solução à vista?
A desgraça de um pode ser a saída para outro. A condenação de Aquilino Júnior po-derá promover o desfecho a um drama que parece não ter mais fim. Por uma razão muito simples. Ao longo desse período, várias ações foram movidas e ganhas pelos Salerno contra os irmãos Aquilino Júnior e Raul Lovato.
Uma delas refere-se aos 5% do controle acionário da empresa que Ferdinando Salerno doou a seu filho Fernando. Outra diz respeito a uma alteração contratual que foi julgada falsa. Uma terceira foi a respeito de um terreno que pertencia a uma empresa controlada pelos mesmos sócios do jornal e teria sido vendido por Raul que não repassou o dinheiro para a sociedade.
Esses antecedentes poderão contribuir para que a Justiça dê um parecer favorável aos Salerno depois que for confirmada a condenação de Aquilino pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. No dia 1º de junho, o processo 450.195.3/.00 foi classificado como concluso e remetido para o desembargador Carlos Bueno. O próximo passo será a publicação da sentença que poderá conduzir Aquilino Júnior para a cadeia para cumprir pena em regime fechado, apesar de dispor do direito de recorrer da sentença

 


Repercução da crise

O embate travado entre as famílias Sa-lerno e Lovato desde a morte do pai Aqui-lino gerou um clima de instabilidade e criou um clima desfavorável para a empre-sa controladora do jornal Valeparaibano junto a funcionários, leitores e clientes.
O clima de instabilidade, por sua vez, contribuiu para um movimento especula-tivo que despertou enorme interesse de grandes empresas de comunicação que passaram a assediar o jornal. Todos busca-vam, e ainda buscam, adquirir a preço de banana o pequeno grande império construído em torno do jornal Valeparai-bano.
Nossa reportagem pôde constatar que até mesmo grandes empresas do ramo das telecomunicações fizeram consultas para saber se havia chegado ou não o momento de fazer propostas de compras junto às famílias proprietárias. Diante da possibili-dade de um desfecho a curto prazo, esses aglomerados puxaram o freio de mão à espera de uma nova oportunidade.

Opinião

Empresário do setor que acompanhou passo a passo essa odisséia inacabada, mas que prefere manter-se no anonimato, fez várias considerações a respeito desse epi-sódio. Resumidamente, “os irmãos Lovato nunca se preocuparam com a profissiona-lização da empresa tanto em termo comerciais quanto jornalísticos. No limite, podem ser classificados como investido-res preocupados única e exclusivamente com os lucros financeiros. Mas, embora sem qualquer vínculo com o jornalismo, Aquilino Júnior faz questão de impor um editor chefe de sua confiança em detri-mento de um profissional fantástico como Joaquim Maria Guimarães Botelho, que dedicou grande parte de sua vida ao Valeparaibano.

 

 


Aquilino Lovato Junior

Ficha Técnica

Fundação - 6 de janeiro de 1952;
Tiragens - terça a sábado 20 mil exempla-res; domingo 32 mil exemplares;
Distribuição - Vale do Paraíba, Serra da Mantiqueira e Litoral Norte;
350 funcionários entre administração, in-dustrial e redação;
Sucursais - Taubaté, Jacareí, Guaranti-guetá, Caraguatatuba e São Paulo;
O ValeParaibano atinge 81,7% dos leitores de jornais diários.

 

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