Presidente
Lula |
Não estava no Brasil
quando estourou a crise desaguada na CPI dos correios. Lendo
no México, não conseguia ter uma visão
minimamente clara. Voltei, procedi à leitura de tudo
que pude e optei pelo prudente silêncio momentâneo.
Mas, como a maioria absoluta dos brasileiros, fiquei perplexo
ao saber dos detalhes sórdidos dos envolvidos em outro
escândalo que esbarra nos limites do medonho. Diferentemente
de muitos, porém, resolvi antes de qualquer opinião
aprender o beabá desta profunda ferida aberta no coração
de petistas convictos e enfileirados desde os primeiros momentos
do Partido que desenhou o mais bonito percurso da história
republicana recente.
Resisti com espantosa paciência a todas as provocações
e reclamos de posicionamentos imediatos. Não respondi
aos instigantes e-mails – inclusive de meus filhos –
cobrando de mim o que deveria ser dirigido ao Partido. Aceitei,
ainda que não exatamente resignado, a repetição
das cobranças que traziam sempre de maneira compreensível,
mas estranha a palavra lama. Senti-me meio alvo de pedradas.
Justificava, no entanto, os atiradores, pois, afinal eram
pessoas que de certa forma dialogaram comigo no processo da
eleição presidencial e, tenho certeza, definiram
seus votos titubeantes sob minha influência. Refiro-me
a uma pequena legião de parentes, amigos, alunos. Não
faltaram funcionários do prédio onde vivo, gerente
do banco que uso, o padeiro da esquina, a faxineira... Mas,
perguntava-me: teria eu culpa alguma? Seria justo manter-me
silente como se a confusão não me dissesse respeito?
Perdi o sono. Fiquei de luto. Mas conclui alguma coisa.
Antes de continuar, devo dizer que meu propósito mor
ao aceitar escrever para este jornal era fiar um tecido generoso
no qual bordasse com linhas da literatura, música e
cinema, um manto capaz de abrigar um relacionamento fino,
elegante, coisa de amigos. Firmei propósito de não
discutir superficialmente e de maneira unilateral temas que
deveriam merecer cuidados específicos e profundos.
Sem supor traições às metas iniciais,
contudo, aventuro-me nesta investida como quem precisa desabafar.
Faço-o com o respeito e delicadeza que o momento requer.
Também com a pureza de quem acredita que estamos em
um processo e que sairemos bem desta situação.
Afinal, sou convicto ao acreditar que o melhor do Brasil é
mesmo o brasileiro.
Historiador, não posso deixar de lado o passado. Então,
em primeiro lugar recordo os escândalos do governo anterior,
o mesmo que promoveu o projeto Sivam, banco Marka e Fonte-Cidan,
os acordos da CEMIG, Tele-gang, as vergonhosas e conseqüentes
privatizações (Vale do Rio Doce e CSN como as
mais chamativas), as contas do CC5, os depósitos secretos
nas Ilhas Caymman, a compra de deputados e senadores para
aprovar a reeleição de FHC e outros tantos.
Seria inútil rememorar o elenco desses atos se não
houvesse uma causa por trás: trazer a público
o que de bom acontece: a lavagem da estrada que nos conduz
a uma democracia mais sólida. E para isto precisamos
sim passar o país a limpo. E doa a quem doer. E custe
o que custar.
Desde meus verdes anos de combate à ditadura, não
sou radical. Mais do que professar o diálogo, pretendi
sempre dar exemplo e discretamente, estar presente. É
com estas armas que enfrento o debate atual e assim expresso
minha opinião: o governo errou como um todo e precisa
mostrar isto. É fato que desde as indicações
do nosso confrade Paulo de Tarso sobre os eventos de São
José dos Campos em 1993 (revelados em 1997) e depois
mais objetivamente com o caso Waldomiro Diniz, Jucá,
Meireles e outros, tudo deveria ser esclarecido. Mas não
foi. Então que seja agora. O mesmo PT que foi capaz
de crescer com seus erros tem que mostrar que a tribo é
maior do que seus caciques. E neste cenário, nós
partidários, eleitores, temos que atuar. Que sejam
feitas as pressões necessárias para que a verdade,
toda, apareça. Só assim – e não
há outro jeito – poderemos continuar no processo
de crescimento.
“Para não dizer que não falei de flores”
evoco o esforço de negar a proposta de George |Orwell
na “Revolução dos Bichos”. Verdadeiramente,
não acredito que um revolucionário ao chegar
ao poder se transmute no ditador passado. E evoco também
o hilário Luis Fernando Veríssimo para recusar
a pecha de “Velhinho de Taubaté”. Ainda
acredito no Lula e no movimento que o elegeu. Sei que tudo
vai se esclarecer.
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