Tráfico:
dinheiro, armas e drogas |
O
comando dos principais pontos de venda de drogas nos bairros de
Taubaté está dividido nas mãos de seis principais
traficantes. De acordo com o chefe de investigação
da DISE (Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes),
José Carlos Salles, eles representam as principais fontes
de abastecimento desse tipo de comércio na cidade: “são
eles quem fornecem para os traficantes com menor potencial de comércio;
são os ‘atacadistas’, e os menores, são
os ‘varejistas’; é assim que funciona”.
Investigações concluíram que cada um deles,
em poucos anos, conseguiu montar uma estrutura particular que conta
com equipamentos de comunicação, câmeras de
monitoramento e veículos possantes. Ao todo, a polícia
calcula que o negócio movimente cerca de 60 quilos de maconha
por mês na cidade. Salles considera elevado o volume para
Taubaté.
O faturamento mensal nesse tipo de comércio pode ultrapassar
a casa do milhar. “Fácil, fácil; cada uma das
‘bocas’ vende, no mínimo, 5 quilos [de maconha]
no mês”, calculou o investigador, ao admitir que o esquema
é organizado: “mas sabemos onde encontrá-los
e como agir”.
Problemas?
Estatísticas da DISE apontam que todos os meses pelo menos
10 pessoas são presas por envolvimento com o tráfico.
O problema, entretanto, não pára por aí. O
tráfico nas ruas continua a receber ordens vindas de dentro
dos presídios. Atualmente, segundo a DISE, dois dos seis
principais nomes do alto escalão do tráfico em Taubaté
estão presos. Para evitar algum tipo de problema, a DISE
divulgou apenas a iniciais dos irmãos N.R., 20, e E.R., 21.
Ambos permanecem no P-1 de Tremembé desde 2003. Com um deles,
a polícia também teria localizado uma pistola e uma
metralhadora. ‘E.’ foi condenado a seis anos de prisão,
e ‘N.’ aguarda julgamento. A polícia diz ter
fortes indícios para acreditar que, embora presos, ambos
mantêm o controle do tráfico nas ruas. “Todos
começam ‘pé-de-chinelo’, vão se
estruturando; hoje, mesmo presos, continuam no controle [do tráfico]”,
afirma Salles.
Delegado
da DISE, Paulo Procópio: 41 anos de polícia |
A
assessoria de imprensa da Secretaria de Administração
Penitenciária (SAP) informou que não tinha conhecimento
de que esse fato estivesse ocorrendo em presídios da região.
“A secretaria está tomando as medidas que estão
ao seu alcance para coibir a entrada de celulares nos presídios.
Não é uma tarefa fácil. Primeiro porque nos
deparamos com duas situações distintas: a evolução
tecnológica dos equipamentos; agora não são
somente celulares que os presos tentam introduzir nas unidades prisionais.
Muitas vezes, são apenas os chips minúsculos; em segundo
lugar, a SAP trabalha com elemento humano e embora a maioria de
seus servidores seja honesta e cumpridora de seus deveres, não
há como descartar a possibilidade de que funcionários
possam estar colaborando para a entrada desses equipamentos”.
Casos de irregularidades praticadas por funcionários são
encaminhados à corregedoria administrativa da SAP para abertura
de um Procedimento Administrativo Disciplinar que irá julgar
o fato.
Intensificação de revistas nas celas e aperfeiçoamento
de revistas nos visitantes, que via de regra são os responsáveis
pela entrada de celulares, são outras medidas que a SAP tem
adotado para evitar a comunicação entre criminosos.
Bloqueadores de celulares que estavam sendo instalados nas unidades
não foram tão eficientes. A SAP suspendeu temporariamente
a aquisição desses equipamentos e passou a instalar
aparelhos raios-x. Já foram instalados 44 equipamentos e
outras 27 unidades estão em fase de aquisição,
segundo a assessoria.
Para o chefe de investigação da DISE, uma ação
conjunta entre as secretarias estaduais de Segurança Pública
(SSP) e Administração Penitenciária (SAP) seria
uma das saídas para barrar o uso de celulares dentro das
penitenciárias. “Mas isso não ocorre”,
reclama.
Dentro da polícia, as opiniões nem sempre são
semelhantes. Para o delegado seccional, Roberto Martins de Barros,
a comunicação entre a SAP e a PM tem contribuído
para impedir que vendedores de drogas controlem o tráfico
de dentro das prisões. “Essa é uma ação
preventiva; agora, sobre o uso de celulares dentro das prisões,
o sistema de bloqueio ainda não está definido”,
afirma o delegado.
A opinião do delegado da DISE, Paulo Procópio, é
menos ponderada. “São vários os casos de traficantes
presos que continuam a comandar a venda de drogas. Isso é
uma falha do próprio regime carcerário que permite
a comunicação via celular dentro das prisões.
Acredito que haja conivência de funcionários [para
facilitar a entrada de celulares]. O problema está na revista,
mas resolver isso foge da alçada da polícia. Nossa
missão é prender”.
Em 2001, o Ministério Público passou a contar com
o GAECO (Grupo de Atuação Especial e Repressão
ao Crime Organizado) criado com o objetivo de reforçar o
trabalho de investigação contra o crime organizado
no Vale. O promotor da 2ª Vara de Justiça, Luis Marcelo
Negrini de Oliveira Mattos, 36 anos, é um dos cinco integrantes
do GAECO. Para ele é quase impossível combater o tráfico
na região com uma estrutura reduzida. “Estamos engatinhando;
surgimos com pouca estrutura”.
Mattos comparou o tráfico a um formigueiro e apontou problemas
que envolvem a polícia e o sistema judicial: “você
não consegue ver o fim [do tráfico]; por outro lado,
a polícia está totalmente desestruturada e sem condições
adequadas de trabalho. Muitos [policiais] saem da academia sem preparo
algum. Os [policiais] que estão na rua, são obrigados
a aprender sozinhos. A própria Justiça acaba criando
dificuldades quando permite um certo excesso de formalismo no Tribunal
em relação a obtenção de provas; isso
muitas vezes põe a perder toda a investigação
da polícia. Para que haja condenação, a polícia
precisa se esforçar muito para encontrar provas que convençam
o Tribunal”.
Violência: cadáver é conduzido
ao IML |
Rota
Caipira
O Vale do Paraíba é um dos caminhos por onde passam
carretas recheadas com toneladas de drogas. O esquema da ‘rota
caipira’, como é conhecido dentro da polícia,
funciona na região em quase todas as cidades por onde passa,
inclusive, Taubaté. “De São José dos
Campos a Lorena”, afirmou Salles. Parte da carga é
descarregada ao longo da rota. Lorena, por exemplo, é um
caso típico. Sua localização geográfica
é uma ligação estratégica para o escoamento
de drogas entre São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Lorena também é uma das cidades com maior índice
de violência.
A polícia não tem dúvidas da proximidade entre
o tráfico e os casos de assassinato. Na opinião do
delegado Paulo Procópio, em Taubaté, boa parte dos
homicídios tem ligação direta com o tráfico
e o consumo de drogas. Essa conclusão levou a DISE a buscar,
na troca de informações com a DIG (Delegacia de Investigações
Gerais) e a Polícia Militar, uma saída para superar
dificuldades no trabalho de investigação e prisões
em flagrante.
Crime
organizado
Na DISE, pelo menos uma arma é apreendida uma vez por mês.
No ranking de apreensões, aparecem principalmente pistolas
e revólveres. “Fora as [armas] que a PM encontra com
traficantes”, comentou Procópio.
Para a polícia, o número de mortes são sinais
de disputa entre quadrilhas rivais. Esse fato pode apontar para
o surgimento de conflitos entre traficantes que estariam chegando
para se instalar na cidade. Em novembro de 2004, a DISE prendeu
F.B., em Taubaté, acusado por tráfico e assalto. A
polícia também tenta comprovar a participação
dele em seqüestros. Ligado a quadrilhas de São José
dos Campos e Guarulhos, ‘F.’, condenado a seis anos
de prisão, foi acusado de pertencer ao PCC (Primeiro Comando
da Capital). Com ele, foram encontrados computadores, telefones
e vários comprovantes de depósito bancário
que, segundo a polícia, não foram explicados, equivalentes
a R$ 7 mil, R$ 10 mil e R$ 15 mil. “Ele seria uma ‘cabeça-de-ponta’
da organização na cidade”, disse Salles.
Na
balança
Há cerca de dois anos, a DISE apreendeu 70 quilos de maconha
no bairro Flor do Vale, em Taubaté. Recentemente, em Guaratinguetá,
a polícia localizou meia tonelada de cocaína. Uma
das maiores apreensões na região ocorreu num sítio
em Tremembé no ano 2000. Sete toneladas de maconha foram
aprendidas pela Polícia Federal que investigou a quadrilha
durante meses. Depois disso, várias outras apreensões
voltaram a ocorrer.
Na
fogueira
Uma vez por ano, acompanhada por representantes do Ministério
Público e da vigilância sanitária, a polícia
civil realiza uma operação para incinerar o volume
total de drogas apreendidas em 12 meses. Em 2004, por exemplo, foram
destruídos, em Taubaté, aproximadamente 40 quilos
de drogas como maconha, cocaína e crack –volume equivalente
ao das incinerações em anos anteriores. Esse ano,
a DISE acredita que a média será mantida. “Para
os padrões de Taubaté, é um volume alto”,
segundo o investigador.
Estrutura
A organização do tráfico exige a existência
de uma rede ampla de influências para que o negócio
prospere. Num dos extremos está o fornecedor, a pessoa que
geralmente financia o esquema. Na outra ponta, a mais frágil
e não menos importante, está o revendedor que se expõe
aos riscos da rua no contato direto com o comprador; são
os chamados ‘vapores’. Boa parte deles, composta por
crianças e adolescentes, menores explorados pelo tráfico
e utilizados como escudo dos traficantes.
Salles acredita que enquadrar menores infratores nos rigores da
lei possa inibir o tráfico. “Mas não é
assim que acontece. Se a polícia pegar, ele [o menor] sabe
que não vai preso; [porque] a legislação permite”,
lamentou.
Caso
Na manhã da última terça-feira, 12, uma denúncia
levou os policiais da DISE até a casa, na Chácara
do Visconde, onde estavam W.A.S., 15, e T.O.A., 15. Nove pedras
de crack foram encontradas. Os menores foram levados à delegacia
para prestar esclarecimentos e liberados em seguida. E a polícia
registrou apenas um Ato Infracional – uma espécie de
boletim de ocorrência que obriga pais ou responsáveis
a apresentarem o menor ao Juizado.
Menores
do crack
Todos os meses, cerca de dez menores são levados à
delegacia pelos mesmos motivos: tráfico e consumo de crack.
Entre os casos de reincidência, há menores que retornam
até quatro vezes à delegacia num mesmo mês.
“O menor passa a ser um traficante em potencial a partir do
momento em que se torna viciado”, frisou o investigador. Na
polícia desde 84, Salles é considerado um dos braços
fortes do delegado Paulo Procópio, que dirige a delegacia
especializada do alto dos seus 41 anos de experiência na polícia
(ver edição 188, setembro de 2004).
Para a polícia civil, a redução no volume apreendido
de cocaína e maconha é outro aspecto importante registrado
nos últimos meses que, segundo Salles, estaria relacionado
com a chegada do crack na cidade. “O crack dominou as ‘bocas’
por ser altamente viciante”.
Paulo Procópio admite que as apreensões de crack aumentaram
expressivamente: “90% das apreensões são de
crack”. Recentemente, numa operação das polícias
Civil e Militar, no bairro Cidade de Deus, foram apreendidos um
tablete de 1 kg de cocaína pura, pistolas e farta munição.
A droga, segundo a polícia, seria transformada em crack.
Quatro pessoas foram presas, entre elas um menor.
Maconha está entre as drogas mais consumidas |
Por
todos os lados
Não seria exagero afirmar que o tráfico está
infiltrado em todos os lugares. “Em todo local onde há
muita concentração de pessoas, principalmente, de
jovens, existe tráfico e consumo de drogas. E com elevado
potencial. É um terreno fértil”, afirma Salles.
Na lista dos bairros invadidos pelo tráfico estão
Parque Aeroporto, Água Quente, Três Marias, Esplanada
Santa Terezinha, CECAP, Parque São Luis, Gurilândia,
Imaculada, Belém e região central. Em São Gonçalo,
Baronesa, Cidade de Deus, também considerados pontos de tráfico
intenso, a venda de drogas, segundo a DISE, teria diminuído
após a prisão de cinco pessoas.
Para o chefe de investigação, a situação
vai além: “o tráfico está instalado em
todos os núcleos habitacionais construídos pela prefeitura.
São lugares onde vivem pessoas pobres, facilmente cooptadas
pelo tráfico”.
CONTATO apurou que 6 entre 10 casas entregues pelo programa habitacional
da prefeitura são destinadas às famílias vindas
de outras cidades. Os conjuntos populares localizados principalmente
em regiões próximas ao complexo penitenciário
estariam entre os mais procurados. “Elas mudam-se para cá,
geralmente, porque têm algum parente preso. Aí, acontece
que essas pessoas acabam entrando para o mundo do tráfico
visando exclusivamente sustentar familiares dentro e fora das prisões”,
considerou Barros.
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