“De tudo fica
um pouco, não muito”, receita Carlos Drummond
de Andra-de. Segue o poeta: “E de tudo fica um
pouco. Oh abre os vidros de loção/ e abafa/
o insuportável mau cheiro da memória”.
O poeta não conheceu o Festival de Inverno de
Campos do Jordão. Tives-se conhecido, teria feito
novos ver-sos, lamentando que de Campos do Jordão
não ficasse nada que não fosse comercial,
financeiro, nada restando, além disso.
O jordanense não participa do e-vento paulistano
que ocorre todo ano naquela cidade. Não freqüenta
os concertos caros e os baratos, tam-bém não
indo aos eventos que nada cobram.
Por que? Este festival que estamos vendo e ouvindo diariamente
não conta com ninguém de Campos por-que
sua estrutura é de espetáculos e de ensino
para os iniciados que mos-trem maior nível de
conhecimento, sendo, nesse caso premiados com bolsas.
Em Campos ninguém mostrou ter condições
de se candidatar a uma bolsa, porque os festivais não
deixam resíduo na cidade.
O festival, que meus leitores, se os tenho, agora vêem
completar sua 36a jornada, não deixou sobrar
“um pou-co” ou mesmo “muito pouco”
do que vem acontecendo no mais alto nível. Em
Campos não fica nada, o que justifica a ausência
de seus morado-res nos concertos de todos os dias.
Nada fica porque Campos que recebe o festival, não
fica com nada, a não ser os parcos caraminguás
que seus hotéis e restaurantes amealham na temporada.
Mas não vê crescer sua cultura, não
enriquece sua Edu-cação. O festival é
como um bonito astro que passa sobre a cidade, não
deixando um conjunto-coral de vozes locais, não
instiga à formação de um violinista,
não sorri pela voz de um clarinete, não
sonha pela voz pratea-da de uma flauta, não chora
pelos gemidos de um bandolim. Campos é muda,
silenciosa, porque o festival vai-se todo ano, não
fica nada, nem muito de lembrança exibida no
sopro do oboé, a voz do amor, nem nos conselhos
graves e sérios dos cellos que por lá
passam, enchendo de lágrimas sentenciosas as
salas onde tocam.
Por que o festival não permanece na cidade, usando
seus equipamen-tos por todo o ano? O festival é
feito para paulistano. Poderia ser realizado em Pinheiros,
São Paulo, onde está a platéia.
Em Campos, o Estado e sua prefei-tura não se
movem na direção da formação
de platéias porque não ensinam seu povo
a amar a música, ter com ela uma doce relação
de dependência, esse estado em que o homem se
vê sem nada, quando fica sem música, preferindo
a fome à ausência de música. Em
Campos, ela ainda não faz falta a seus jovens,
porque não ensinaram a eles fazer amor com ela,
a música.
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