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Em janeiro de 1998, a Revista
Raça publicava uma entrevista importante, com Joãzinho
Trinta, sobre vários aspectos de sua atividade como
carnavalesco. Lembrei-me disto ao refletir sobre frases célebres
que ganharam a consciência nacional impactando-a. Algumas
são decantadas e, expressão senso de oportunidade,
espantam pela ironia, agudeza ou humor debochado. Há
certas, porém, que merecem consideração
dada a resistência conseguida através dos tempos,
e, mais do que isto, pela inscrição em debates
públicos relevantes.
Quem não se lembra de Joãozinho Trinta quando
ele pontificou que “pobre gosta de luxo e quem gosta
de miséria é intelectual”? O ano era 1975,
o enredo do GRES Salgueiro versava sobre “As minas do
Rei Salomão”. Nos tempos de ditadura política,
exatamente em um momento em que o carnaval servia de propaganda
para exibir um povo disciplinado, alegre, ordeiro, a frase
famosa deu o que pensar. Aliás, a conjugação
desta com outra menção feita por Pelé,
em 1972, dizendo que “povo não sabe votar”,
expressava a lógica autoritária que desprezava
o povo e consagrava o regime militar como salvador da pátria.
Juntas, as duas “pérolas” atualizavam o
pressuposto romano do “pão e circo”, pois
sem capacidade de escolha, ao povo seria dado o carnaval.
E aos intelectuais o gozo da miséria alheia.
Sabe-se que Joãzinho Trinta se redimiu e a certeza
disto veio em 1989 quando colocou – já no GRES
Beija-Flor – o polêmico enredo “Ratos e
Urubus, Larguem a Minha Fantasia”. Pelé não.
Continuou com frases célebres e celebradas (ainda que
lhe faltasse celebro), sempre depreciativas do povo. Um bom
exemplo disto pode ser marcado quando ainda no Santos Futebol
Clube, em 1979, disparou “é difícil brasileiro
de sucesso ser bem tratado no Brasil”. Incrível,
logo ele que é dos mais bem amados cidadãos
deste país. Mas como se diz, “Pelé é
Pelé” e pode falar o que queira.
Pensando na relação negritude X classe social,
tangenciando o eterno dilema do problema racial brasileiro
nas visões dos personagens “populares”,
voltei à aludida entrevista do carnavalesco onde aborda
o assunto da seguinte forma: “a discriminação
existe, não apenas contra o negro mas também
contra o índio, o caboclo. Há o problema de
classe. Um negro bem situado deixa de ser discriminado. Aqui,
as relações sociais são dificultadas
pela situação econômica”.
Outra vez, veio-me à mente um diálogo que tem
acompanhado a carreira brilhante do nosso Ronaldinho, o fenômeno.
Quando visitava a Cidade de Deus, no Rio, ainda no mês
de junho último, foi perguntado ao rapper MV Bill sobre
a declaração do ídolo do nosso futebol
que se disse “branco” ao que o vivo performático,
diplomaticamente, como que defendendo o jogador afirmou “O
IBGE acostumou o brasileiro a responder o que quer. O preto
não tem referência. Acaba achando que ser preto
é ruim”.
Culturalmente, no momento em que se discute a validade das
cotas universitárias para negros, índios e minorias
historicamente discriminadas, vale lembrar a importância
deste debate. Isto tudo torna-se até paradoxal quando
se compara os critérios de acesso às tais cotas.
Luta-se muito contra a auto definição, mas quando
reponta fora dos esquemas de competição acadêmica
não faltam pessoas que ironizam o critério e
sua justiça.
Toda esta polêmica sobre cor e raça no Brasil,
merece consideração na medida em que exibe duas
verdades: uma dos critérios ideológicos e de
classe social onde os privilegiados economicamente se sentem
no direito de opinar sobre o direito dos demais; outra, dos
pobres que quando investidos de dinheiro vêem obliquamente
os que não conseguiram sucesso. Isto convida a retraçar
a frase de Pelé, pois com certeza, “é
difícil brasileiro sem sucesso ser bem tratado no Brasil”.
Se branco, Ronaldinho (e similares raciais) não teriam
lugar nas escolas superiores. Pode?
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