Há tempos li um
artigo que me impressionou deveras, mas foi uma destas ocasiões
em que não dava para guardar a referência. Estava
em um consultório dentário e sequer ousei pedir
cópia da revista que deve ter acabado no lixo sem nenhum
cuidado maior. Ah! Se arrependimento matasse!... Pois bem,
tratava-se de um comentário sobre os “resíduos
de memória”, i.e., sobre o que fica no registro
inconsciente e volta sempre à nossa cabeça.
Os exemplos apelavam para musiquinhas que cantarolamos de
quando em vez, aquelas que remetem aos acontecimentos que
se encaixam nas letras das canções como se fossem
trilhas sonoras. O mesmo ocorre com frases famosas ou com
o falar popularesco. Aliás, sobre os “ditos”
tenho histórias de pessoas que as colecionam e ficam
como que rezando para que apareçam oportunidades para
pontificar algo extraído da sabedoria geral. E convém
levar a sério o caso, pois filósofos importantes
como o Bertrand Russel registrou que “ditos populares
são a piada de um e a sabedoria de todos” ou
como se diz “Vox populi...”.
Existem casos engraçados, sem dúvida. Lembro-me
sempre do impagável Barão de Itararé
que aperfeiçoando o dito “Dize-me com quem andas,
dir-te-ei quem és” saiu com esta “diga-me
com quem andas que te direi se vou também”. Outra
saída do mesmo personagem apela para o conhecido “ladrão
que rouba ladrão tem cem anos de perdão”
e retruca com “ladrão que rouba ladrão
tem cem anos de perdão e muitos outros benefícios:
reputação, posição social, casa
comida e roupa lavada além de amigos”. Dele também
é a famosa “quem inventou o trabalho não
tinha o que fazer”. De toda forma, o bom humor faz parte
deste tipo de discurso engenhoso. E sempre são propostas
lógicas, inteligentes e engraçadas. O desafio
ao bom senso é um dos segredos destes discursos que,
invariavelmente, apelam para o politicamente (in)correto.
Sempre na base do risível, alguns temas acabam por
explorar determinadas situações que servem como
justificativa para tudo. Recentemente, li uma frase que me
chamou a atenção pela picardia “nunca
fiz amigos bebendo leite”. Talvez o álcool seja
o mais comum dos vícios celebrados por frases e canções
populares. Quem não se lembra, por exemplo, do “eu
bebo sim, estou vivendo, tem gente que não bebe está
morrendo”? Outra vez a questão da bebida se desdobra
da matriz romana que rezava “in vino, veritas”
que produziu o delicioso desdobramento “como Deus quer
a verdade e a verdade está no vinho, vivo bebendo e
sou abençoado”. Entre nós, creio que o
auge deste tipo de discurso se deu em 1991, no carnaval carioca
quando o GRES União da Ilha cantou “De bar em
bar, Didi um poeta”. Vejamos: “Hoje eu vou tomar
um porre, não me socorre que eu tô feliz/Nessa
eu vou de bar em bar beber a vida que eu sempre quis/E no
bar da ilusão eu chego, é pura paixão
que eu bebo/Amor me deseja, me dá um chamego, me beija
e faz um cafuné/Bebo vem e bebo vai que nem maré,
balança mas não cai, boêmio é/Garçom,
garçom, bota uma cerveja bem gelada aqui na mesa/ Que
bom, que bom, minha alegria deu um porre na tristeza/ Poeta
enredo da canção, cartilha que aprendi/ Canta
a Ilha a emoção , saudade de você Didi/
Amor, amor, eu vou é nessa aqui que eu vou/ O sol vai
renascer do meu astral!/ Amor, amor, eu vou ô esquindô,
esquindô/ Num gole eu faço um Carnaval!”.
É! Sabemos que é errado, mas não é
também irresistível?
Mas leitor, permita-me perguntar: quais as musiquinhas ou
as frases que têm freqüentado seu imaginário
recente? Não precisa responder, mas pense no porquê.
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