Por: Pedro Venceslau
pedrovenceslau@portalimprensa.com.br
Fotos: Maurício Camargo/Obrito News

Franklin Martins
jornalista da Globo e CBN

"Lula não entende, não gosta e não percebe o que está acontecendo"

 

Filho de um ex-senador da República - Mário Martins -, Franklin e seus nove irmãos cresceram debatendo política. Aos 20 anos, como estudante de Ciências Econômicas da UFRJ, Franklin foi eleito presidente do DCE da Universidade e, logo depois, vice presidente da União Metropolitana dos Estudantes, do Rio de Janeiro. Foi nessa condição que liderou a antológica "Passeata dos 100 mil", ao lado de Vladmir Palmeira, Luiz Travassos, presidenete da UNE, e José Dirceu, então presidente da UEE de São Paulo, com quem anos mais tarde seria preso e treinaria guerilha em Cuba. Em 1969, na clandestinidade, como militante de uma dissidência do Partido Comunista, integrou, com a ALN (Ação Libertadora Nacional), o grupo que sequestrou o embaixador americano Charles Elbrick e forçou o governo a libertar 15 presos políticos. Entre eles, José Dirceu. Em 1982, Franklin tentou uma vaga na Câmara dos Deputados, mas teve uma votação pífia. Só então decidiu entrar de cabeça no jornalismo. "Não quero mais viver em um mundo filtrado. Cansei das seitas", pensou. Atualmente, ocupando o cargo de diretor de jornalismo da Globo em Brasília, Franklin Martins é uma das vozes mais respeitadas quando o assunto é crise. Nesta entrevista para o Jornal CONTATO e a Revista IMPRENSA, Franklin passa a limpo a crise do petismo e do governo sob o olhar de quem conhece melhor do que ninguém seus personagens e dilemas. Acompanhe:

CONTATO: Depois do seqüestro do embaixador americano, uma carta escrita por você, que era do MR-8, foi lida no Jornal Nacional. Segundo o livro e o filme de O que é isso companheiro?, do Fernando Gabeira, a carta foi escrita por ele...
Franklin Martins: Não entendo porque o Gabeira quis dar a entender, durante tanto tempo, que foi ele quem escreveu a carta. Fui eu que escrevi o texto básico e depois submeti à direção da Dissidência. Depois submeti ao Toledo, que era o dirigente da ALN. Ele gostou muito e sugeriu apenas que eu fizesse uma advertência aos torturadores. O Gabeira, que estava dentro do aparelho, fez algumas sugestões. Deu uma copidescada.

CONTATO: Se tivesse vencido as eleições para deputado, em 1982, acha que estaria hoje do outro lado do balcão?
Franklin Martins: Eu não teria vencido nunca. Tive uma votação ridícula. Naquela época, no fim da ditadura, eu achava que era uma missão disputar as eleições e abrir espaço político para as forças de esquerda. Um dia, durante a campanha, um cara chegou perto de mim e disse: "eu queria que o senhor me desse uma carta de recomendação para eu poder internar a minha sogra no hospital Souza Aguiar". Eu respondi: "Não conheço ninguém no hospital Souza Aguiar". O sujeito, então, saiu furioso, achando que era má vontade. Se fosse um candidato escolado no sistema, diria: "mas é claro...vou falar com o diretor do hospital e mandar a sua carta". Eu não sabia mentir. Acho que não sabia fazer campanha Nosso sistema é absolutamente surrealista. Só sobrevive no Brasil e na Finlândia.

CONTATO: Você chegou a fazer oposição ao Lula no movimento sindical, quando ainda era do MR-8...
Franklin Martins: O Lula convive muito mal com todos que parecem estar querendo comandá-lo. Todas as pessoas que acharam que o controlariam, levaram o tombo. O Zé Dirceu agora. O Wefort lá atrás, depois o Frei Betto... No movimento sindical foi a mesma coisa. Havia três grandes lideranças: Lula, Alemão e Osmarzinho. Os dois últimos eram comunistas. Qual foi a primeira providência do Lula? Montar uma chapa onde eles não estivessem. Por quê? Porque ele queria afastar todo mundo que podia cantar de galo no pedaço dele. Isso é complicado.

CONTATO: Chegou a se aproximar do PT, em 82, durante a campanha de filiação?
Franklin Martins: Não. Eu nunca fui próximo do PT. Sempre achei o partido importante na vida política nacional, mas nunca fui filiado. Pelo contrário, quando o PT foi formado, eu julgava que ainda não era o momento de fundar novos partidos. E que deveríamos todos permanecer no PMDB, terminar com a ditadura e só depois criar novos partidos.
De qualquer forma, eu sempre tive uma certa resistência ao PT – um projeto que nasce com um vigor extraordinário, mas também com uma marca sectária muito forte.

CONTATO: Essa história de "mensalão" não é uma pauta conhecida há muito tempo em Brasília?
Franklin Martins: Não. Eu nunca tinha ouvido esse termo "mensalão". Desafio alguém a dizer que já tinha ouvido esse termo antes. O que havia era um bochcicho que surgiu em 2004, a partir do momento em que candidatura do João Paulo (Cunha) começou a naufragar, quando não foi aprovada a emenda para a reeleição do presidente da Câmara. A Câmara parou. Houve um tremendo mal estar. E começaram a surgir histórias aqui e ali: "Fulano trocou de partido, sicrano levou uma vantagem".

CONTATO: As pesquisas dizem que o presidente Lula saiu intacto dessa história. Se houvesse uma eleição, ele ganharia no primeiro turno. Conseguiram descolar o PT do Lula?
Franklin: Ainda é cedo para dizer isso. Não sei se as pesquisas daqui a seis meses dirão a mesma coisa. Nos formadores de opinião não existe essa separação entre o PT e o Lula. O desgaste do presidente é muito forte, mas isso ainda não chegou no resto da sociedade. É aquela teoria da pedra no lago: você joga a pedra e ela vai por ondas se aproximando das margens. Nós ainda estamos muito perto da pedra. Eu acho que daqui a cinco ou seis meses, vamos saber de que modo a crise atingiu – ou não – o presidente Lula.

CONTATO: Você se decepcionou com o PT?
Franklin: Nunca achei que não existia corrupção nenhuma no PT. É muito fácil ser honesto na oposição, quando você não tem poder para nada. Mas quando se chega nas prefeituras, nos governos estaduais, começam a aparecer oportunidades... A tentação faz o ladrão. O PT tem uma formação moral um pouco mais rígida, mas não é diferente dos outros.

CONTATO: Você acha que o Lula e o Genoino não sabiam de nada?
Franklin Martins: É espantoso que o Genoino não sabia de nada. Ele se comportou como um presidente (do PT) que era apenas um porta voz do partido, que não cuidava do cotidiano. Conheço o Genoino há 40 anos. Ele é um cara íntegro do ponto de vista pessoal. Um cara que não lida com dinheiro. Quanto ao Lula, ele é um gênio na percepção do Brasil profundo, mas um desastre na política institucional. Ele não entende, não gosta e não percebe o que está acontecendo. Então, acaba delegando para terceiros, porque acha que isso deve ser driblado.

"Se o Lula for derrotado, será pela direita"

CONTATO: Militantes que conhecem bem o Zé Dirceu dizem que ele nunca foi apegado a dinheiro, mas muito a poder...
Franklin Martins: Quando o sujeito cai em desgraça, a tendência é contarem a história dele de trás para frente. É como se o passado resumisse tudo. Não é bem assim. Militei no movimento estudantil em São Paulo e no Rio e fui da mesma corrente do Zé Dirceu. Treinamos guerrilha durante oito meses em Cuba, no mesmo acampamento. Estivemos presos juntos. Ele tem grandes qualidades. O Dirceu sempre teve, a meu ver, uma concepção de que o aparato é um veículo crucial para a luta política. Por exemplo: a UME (União Municipal dos Estudantes, do Rio de Janeiro), da qual eu era vice-presidente, era muito mais forte politicamente do que a UEE (União Estadual dos Estudantes, de São Paulo, presidida por Dirceu). Só que a gente não tinha organização nenhuma. Não tinha gráfica, nada. Já a UEE era uma potência. Tinha cursinho preparatório, jornal, produzia disco. Era, enfim, uma máquina. Só que as correntes políticas não trabalhavam bem. Havia uma disputa. O Dirceu fez isso no PT, montou um aparato. Só que o partido, por mais importante que seja, não é tudo. É só uma parte.

"A Heloisa Helena, se for candidata a deputada, corre o risco de não se eleger em Alagoas"


CONTATO: Quem deve herdar o vácuo político deixado pelo PT, sobretudo no campo da esquerda?
Franklin Martins: Essa é uma das interrogações mais interessantes do momento. Converso com outros jornalistas e políticos e faço a mesma pergunta. O PT tem hoje 90 deputados. Dizem que o PT não elege 60 na próxima Câmara. Ok, concordo. Mas quem é que vai ficar com esses 30 deputados do PT? Para onde eles vão? Para o PFL, PSDB ou PSOL? O PSOL vai eleger no máximo 5 deputados. Eu me surpreenderia se eles se elegessem mais que isso. A Heloisa Helena se for candidata a deputada - e não a presidente - corre o risco de não se eleger em Alagoas. Ela precisa de 12,5% dos votos do estado para eleger um deputado. É voto que não acaba mais. Também acredito que o Baba não se eleja no Pará. A Luciana Genro pode ser que se eleja no RS. Vamos deixar claro o seguinte: o eventual fracasso do governo Lula fortalece as correntes conservadoras do país, a direita, e não as correntes e partidos a esquerda do PT. Se o Lula for derrotado, será pela direita. E vai surgir muito tempo para surgir um novo governo de esquerda.

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