Por: Luiz Gonzaga Pinheiro - espesspei@uol.com.br

Calças vincadas

Seria solidão? Não deixo de me perguntar, abatido por uma saudade pouco digna desse enorme substanti-vo, com a consciência que não des-conhece que a “solidão é o fim de quem ama”, aprendi, já não sei onde.
Dias destes, precisado de roupa menos rural do que as que uso, fui atrás dos vincos corretos de um pas-sado recente e encontrei calças chei-as de meandros, enrugamentos, coi-sas indignas de um homem de gosto regular e roupas decentes.
As camisas não mostraram figura melhor, exibindo corrugamentos dig-nos de embalagem de papelão. As meias emboladas, ainda por separar, davam a idéia de uma babel de cores e formas, muito distantes da disciplina separadora e arrumadora de poucos anos atrás, quando me sentia coberto por atenções que me vestiam de zelo e ternura.
Embora viva no melhor dos mun-dos, meus pés já não calçam os sa-patos mais engraxados, livres do pó e, algumas vezes, do próprio barro. São referências novas para meu con-forto de calças de brim e camisa mo-le, domada pelo uso e pelas conveni-ências de uma não-roupa, sem as arestas duras de peças novas, demo-radas em seu destino de se vestir do corpo.
Se falo sobre isso é porque não me senti bem vestido no cenário para quem procurei meus melhores panos, sapatos e minha indissociável água-lavanda Puig, uma espanhola de quem me enamorei e de quem procu-ro furtar um odor que pretendo como meu.
Sim, se falo sobre estas pequenas e irrelevantes questões de nenhum significado social, menos ainda esté-tico, é porque me senti desigual entre os milhares de iguais que freqüentei, com penosa diferença em meu desfa-vor. A todo instante surpreendia um olhar que me fitava as calças de vinco sem rumo, serpenteando perna abai-xo, já na direção dos sapatos de ne-nhum brilho. Se é certo que me com-punha bem nas cuecas, é também verdade que elas nada podiam, dian-te de seu forçado anonimato.
Foram tempos difíceis para o novo caipira que abjurou as roupas urba-nas e, de repente, se viu necessitado delas, não contando com a vingança que preparavam no recôndito de onde vieram esses tempos sem festa e sem luz.
Acabava me esquecendo de mim, como homem mal trajado, enquanto duravam as peças que as orquestras iam executando, mas me voltava para a realidade, depois do último com-passo, recuperando o eu social de que não me esqueço.
Verdade é que sentia saudades de mim próprio. Daria tudo para fugir do ambiente dos bem vestidos, mas não fazia nada para isso. No fundo, agar-rando-me como uma amante rejeita-da, a música me reconduzia maltrapi-lho para dentro de seus acordes, pausas, adágios, doçuras e enlevos, de onde não gostaria de sair jamais.


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