Seria solidão?
Não deixo de me perguntar, abatido por uma saudade
pouco digna desse enorme substanti-vo, com a consciência
que não des-conhece que a “solidão
é o fim de quem ama”, aprendi, já
não sei onde.
Dias destes, precisado de roupa menos rural do que as
que uso, fui atrás dos vincos corretos de um
pas-sado recente e encontrei calças chei-as de
meandros, enrugamentos, coi-sas indignas de um homem
de gosto regular e roupas decentes.
As camisas não mostraram figura melhor, exibindo
corrugamentos dig-nos de embalagem de papelão.
As meias emboladas, ainda por separar, davam a idéia
de uma babel de cores e formas, muito distantes da disciplina
separadora e arrumadora de poucos anos atrás,
quando me sentia coberto por atenções
que me vestiam de zelo e ternura.
Embora viva no melhor dos mun-dos, meus pés já
não calçam os sa-patos mais engraxados,
livres do pó e, algumas vezes, do próprio
barro. São referências novas para meu con-forto
de calças de brim e camisa mo-le, domada pelo
uso e pelas conveni-ências de uma não-roupa,
sem as arestas duras de peças novas, demo-radas
em seu destino de se vestir do corpo.
Se falo sobre isso é porque não me senti
bem vestido no cenário para quem procurei meus
melhores panos, sapatos e minha indissociável
água-lavanda Puig, uma espanhola de quem me enamorei
e de quem procu-ro furtar um odor que pretendo como
meu.
Sim, se falo sobre estas pequenas e irrelevantes questões
de nenhum significado social, menos ainda esté-tico,
é porque me senti desigual entre os milhares
de iguais que freqüentei, com penosa diferença
em meu desfa-vor. A todo instante surpreendia um olhar
que me fitava as calças de vinco sem rumo, serpenteando
perna abai-xo, já na direção dos
sapatos de ne-nhum brilho. Se é certo que me
com-punha bem nas cuecas, é também verdade
que elas nada podiam, dian-te de seu forçado
anonimato.
Foram tempos difíceis para o novo caipira que
abjurou as roupas urba-nas e, de repente, se viu necessitado
delas, não contando com a vingança que
preparavam no recôndito de onde vieram esses tempos
sem festa e sem luz.
Acabava me esquecendo de mim, como homem mal trajado,
enquanto duravam as peças que as orquestras iam
executando, mas me voltava para a realidade, depois
do último com-passo, recuperando o eu social
de que não me esqueço.
Verdade é que sentia saudades de mim próprio.
Daria tudo para fugir do ambiente dos bem vestidos,
mas não fazia nada para isso. No fundo, agar-rando-me
como uma amante rejeita-da, a música me reconduzia
maltrapi-lho para dentro de seus acordes, pausas, adágios,
doçuras e enlevos, de onde não gostaria
de sair jamais.
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