A meu lado, sim,
ao meu lado tenho toda a grande Orquestra Filarmônica
de Berlim tocando o que reputo como o ponto mais alto
da música, esse adágio molto e, além
disso, cantabile.
Flui, nada menos que isso, flui o adágio, esse
longo discurso sobre a paz, profundo discurso sobre
a paz do mundo, a paz interior das gentes,a paz da paz,
paz essencial, muita e grande paz, ademais de paz, cantabile.
Sempre que minhas aflições me pedem calmante
ou outra providência da Medicina, vou atrás
da paz do adágio da nona sinfonia, ali encontrando
o clima e o socorro de que sempre pre-ciso. Ele me vem
como um anjo viria, se acreditasse em anjo e outros
duendes da magia religiosa. Não só vem
e me devolve ao melhor de mim, como vem presto, tão
ou mais rápido que uma viatura dos bombeiros,
com propósitos iguais, o de apagar meus incêndios
de alma, que são muitos e constantes, como obriga
a vida de quem vive no jornalismo e do jornalismo.
Sei que não falo de providências que têm
a ver com o receituário mais comum de nossa farmacologia
científica ou mesmo da “medicina rural”,
da qual também sou próximo, por viver
entre os meus, os caipiras, meus vizinhos. Eles tomam
água com açúcar e outras mesinhas
de igual simplicidade e poder. Eu, por mim, derivo para
o luxo de poder me tratar com Beethoven, em seu melhor
momento.
Tem sido assim. Assaltado pela doença da tensão
emocional, embarco com toda minha bagagem, carregada
de esperança e é certo que, além
da cura, terei dezesseis minutos e vinte e oito segundos
de uma terapia musical que faria a inveja dos doutos
no as-sunto.
Depois de já curado, ainda posso deixar correr
a gravação e gozar do supremo prazer de
ouvir a “Ode à Alegria”, escrita
por Schiller e musicada pelo mestre de Bonn. Assim,
com esta gigantesca proclamação, ela começa:
“Amigos, não sejamos ape-nas vozes/ mas,
sim, entoemos nosso canto/ com mais prazer e mais alegri-a./Alegria,
centelha divina..."
Sei que a musicoterapia faz milagres, curando os doentes
de aflições de amor e outras de igual
gravidade. A música faz mais do que curar. Ela,
por “ser o barulho que pensa”, vai até
onde pede a conveniência humana: ela “absorve
o caos e o ordena”, como raciocinou Nogueira Moutinho.
Mediquem-se, curem-se, ouçam música.
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