Por: Luiz Gonzaga Pinheiro - espesspei@uol.com.br

Carências
(de uma notícia de jornal)

Verdade é que se sentia mal. Uma angústia permanente mostrava que seus dias caminhavam quentes e lentos, como convém às coisas que incomodam e não an-dam. O marido nunca havia sido pontual, mas sempre havia chegado com pouco atraso e muitas explicações. Agora, atrasava-se muito e não dizia nada, jogando-se sobre a poltrona que era a sua, como quem morria. E morria toda noite, só acor-dando para o banho matinal, quando mostrava disposição e uma alegria aparente-mente sem razão de ser.
Ao sair, deixava a esposa com os olhos grandes de choro, espanto e uma carência a cada dia maior. Carência de amor. Acumulativa, insuportável. Verdade seja logo dita, ela amava seu marido e amava o amor. De preferência aquele tipo furioso de amor e de amar dos primeiros tempos de casada. Depois, o fogo foi se apagando e as brasas primeiro receberam o nome de paixão, quando, raro em raro, se permiti-am formar um fogo azul e breve, mais breve que azul.
Um dia, já cansada de ruminar sua tristeza e frustração, teve uma idéia, uma idéia que nasceu indecente, transitou por inoportuna, chegando a aceitável e, depois, a essencial. Seu jeito de indispensável vestiu a escolha com as roupas da necessi-dade vital, adornou-a com lenços e adereços de uma urgência honesta e terminou por umas jóias que conferiam classe justificadora ao projeto.
Anunciou trabalho para um “personal husband”, explicando que gostaria de uma companhia inteligente, amante de teatro, cinema, restaurantes. Melhor se falasse duas línguas, uma delas o inglês e soubesse andar em cidade grande, como a que vivia.
Selecionou o melhor dos candidatos e os serviços mostraram uma pessoa superi-ormente educada, gentil, boa conversa, ótimos palpites e opiniões críticas irrepre-ensíveis. Alguns dias depois, já se tomava de interesse sexual pelo companheiro, o que, colocado, implicou taxa extra na remuneração.
Os tempos levaram a uma forma estranha de amor e ciúme. Daí à perseguição desconfiada foi um pulo. Uma amiga terminou por empurrá-la para a rua onde ele morava. A cena não lhe era estranha. Acompanhava sua (dele) mulher. Assistiam a um filme. Minutos depois, bocejando, deixou a sala, onde a mulher continuou vendo tv. Sozinha, levantou-se muito tempo depois, indo para o quarto, onde seu marido dormia, exausto do dia e do trabalho.


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