Verdade
é que se sentia mal. Uma angústia permanente
mostrava que seus dias caminhavam quentes e lentos,
como convém às coisas que incomodam e
não an-dam. O marido nunca havia sido pontual,
mas sempre havia chegado com pouco atraso e muitas explicações.
Agora, atrasava-se muito e não dizia nada, jogando-se
sobre a poltrona que era a sua, como quem morria. E
morria toda noite, só acor-dando para o banho
matinal, quando mostrava disposição e
uma alegria aparente-mente sem razão de ser.
Ao sair, deixava a esposa com os olhos grandes de choro,
espanto e uma carência a cada dia maior. Carência
de amor. Acumulativa, insuportável. Verdade seja
logo dita, ela amava seu marido e amava o amor. De preferência
aquele tipo furioso de amor e de amar dos primeiros
tempos de casada. Depois, o fogo foi se apagando e as
brasas primeiro receberam o nome de paixão, quando,
raro em raro, se permiti-am formar um fogo azul e breve,
mais breve que azul.
Um dia, já cansada de ruminar sua tristeza e
frustração, teve uma idéia, uma
idéia que nasceu indecente, transitou por inoportuna,
chegando a aceitável e, depois, a essencial.
Seu jeito de indispensável vestiu a escolha com
as roupas da necessi-dade vital, adornou-a com lenços
e adereços de uma urgência honesta e terminou
por umas jóias que conferiam classe justificadora
ao projeto.
Anunciou trabalho para um “personal husband”,
explicando que gostaria de uma companhia inteligente,
amante de teatro, cinema, restaurantes. Melhor se falasse
duas línguas, uma delas o inglês e soubesse
andar em cidade grande, como a que vivia.
Selecionou o melhor dos candidatos e os serviços
mostraram uma pessoa superi-ormente educada, gentil,
boa conversa, ótimos palpites e opiniões
críticas irrepre-ensíveis. Alguns dias
depois, já se tomava de interesse sexual pelo
companheiro, o que, colocado, implicou taxa extra na
remuneração.
Os tempos levaram a uma forma estranha de amor e ciúme.
Daí à perseguição desconfiada
foi um pulo. Uma amiga terminou por empurrá-la
para a rua onde ele morava. A cena não lhe era
estranha. Acompanhava sua (dele) mulher. Assistiam a
um filme. Minutos depois, bocejando, deixou a sala,
onde a mulher continuou vendo tv. Sozinha, levantou-se
muito tempo depois, indo para o quarto, onde seu marido
dormia, exausto do dia e do trabalho.
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