Outro
dia me surpreendi pensando nos momentos de “passagens”.
Falo de tempo, calendário, idade. Tentava lembrar-me
de quando me senti rapaz, depois do período de adulto
e finalmente quando percebi que já era alguém
da “terceira idade”. Antes, devo dizer que tenho
enorme orgulho de minha história e gosto imenso de
me sentir com sessenta e dois anos de idade. Acho que não
deixei de experimentar nada que me fizesse voltar atrás
para viver diferentemente. Mesmo meus erros, que não
foram poucos, ajudaram-me tanto.
Creio que ainda jovem, senti que não
era mais garoto quando comecei a pagar ingresso completo
no cinema. Logicamente, as transformações
biológicas e a revolução dos hormônios
contribuíram para tudo, mas o fato determinante mesmo
foi o fim da “meia” entrada. Adulto, senti-me,
de verdade, quando fui convocado para ser júri em
um julgamento no Fórum. Não sei se sofri mais
frente à sentença ou por ter de assumir o
universo dos “responsáveis”. Alguma coisa
aconteceu também quando fui pai pela primeira vez,
pois um gosto de eternidade fez a vida diferente. “Senhor”
foi quando alguém gentilmente cedeu lugar para mim
em um ônibus lotado e acho que não soube recusar
educadamente. Faço estas reflexões à
luz de uma série de recordações que
me assumem nos últimos tempos.
Imaginem que outro dia fiquei lembrando
dos “colchões dragoflex”. Creio que ninguém
mais se recorda daquelas camas dobráveis que existiam
“antigamente”. Pois bem, para mim as camas “dragoflex”
foram uma revolução, porque quando ia ao Rio,
de férias, era nelas que minha tia deixava eu dormir
(e sonhar). Mas não pensem que só as “dragoflex”
freqüentam minha saudade. Não. Lembro-me sempre,
sei lá porque, do “emplastro sabiá”
e também do “óleo de fígado de
bacalhau” (com o desenho de um homem carregando um
peixe enorme) e tenho saudade do “grapete” (quem
bebe grapete, repete), do “crush”, do “caçulinha”
e até do guaraná Jati (que era mais barato
por ser da cidade). O melhor, porém, era a “Groselha
Milani”, um luxo...
Mas, engraçado, acho que a maioria
das lembranças que me assumem agora poderia ser comprada
em farmácias. Minha mente é invadida por produtos
e refrãos de remédios como “um minuto”
para dor de dente; “colírio Moura Brasil”
(duas gotas, dois minutos, dois olhos claros e bonitos);
Iparema (o amargo que cura); “pílulas de vida
do doutor Ross” (fazem bem ao fígado de todos
nós); Alivene (não se coce, é feio
coçar). E os xaropes? Em casa sempre tinha um que
me intrigava pelo nome “Alcatrão de São
João” e lembro-me que mamãe usava uma
coisa que se não me falha a memória tinha
o nome de “Creme de Alface Brilhante Bromil”
e também o “Creme Rugol” (as rosas desabrocham
com a luz do sol, e a beleza das mulheres com o creme Rugol).
Meu pai usava uma brilhantina chamada Glostora e eu me penteava
com Gumex e meu irmão com “Brill cream”.
Tenho certeza que quando as espinhas lotearam meu rosto,
apliquei uma pasta chamada “Sardalina” (ou era
“Antisardalina”?) e também gastei rios
de “Minâncora”.
Tenho até vergonha de contar, mas
achava distinto ficar doente. Quando precisava usar “Vick
Vaporub” fazia questão de exagerar para ser
notado e sempre deixava um bigodinho branco ladeando meus
lábios quando sorvia “Leite de Magnésia
Phillips”. O “Vinho Reconstituinte Silva Araújo”
parecia algo para adultos e nunca tomei. Mas achava a palavra
“Cafiaspirina” linda e ao pronunciar o “Sal
de Fructa Eno” assentuava o “C” do “Fructa”.
Ah!, não posso me esquecer das “Pastilhas Valda”
e nem das “Balas de Cevada” que nunca entendi
porque eram vendidas em farmácias. E lógico,
acima de tudo, registro o “Memorex”, pois sem
ele minha cabeça não poderia lembrar nada
disso.