Por César Tralli

Anatomia de um furo
O repórter que registrou com exclusividade a prisão de Paulo Maluf e seu filho Flávio não se conforma com as críticas recebidas e desabafa: “Esse furo é meu. Este, ninguém me tira.”


Há mais de cinco anos, cubro as denúncias contra o ex-prefeito Paulo Maluf. Tenho orgulho dos furos que dei durante essa cobertura tão longa. Foram o resultado de investigações sempre demoradas, de madrugadas passadas em claro, da leitura de pilhas de documentos, da procura de testemunhas que pudessem dar alguma informação, da conversa com os policiais e promotores que há anos trabalham no caso.
No momento em que ficou claro que a prisão do ex-prefeito Maluf e do filho dele era questão de horas, dediquei-me integralmente ao assunto. Foi minha a reportagem de oito minutos no Jornal Nacional que, na segunda-feira, 5 de setembro, revelava as gravações telefônicas que provavam que o ex-prefeito e o filho tentavam impedir que o doleiro da família prestasse depoimento. Estas gravações foram a base para o pedido de prisão preventiva. Nos dias seguintes, continuei no assunto.
Na sexta-feira, dia da prisão, acordei às seis da manhã, porque tinha conseguido convencer o doleiro a me dar uma entrevista. Fiz a entrevista e fui à Polícia Federal saber se havia novidades sobre os pedidos de prisão. Fui também ao Ministério Público. No fim da tarde, voltei à emissora para fechar a matéria com o doleiro. No meio do Jornal Nacional, chegou-nos a notícia de que a denúncia contra o ex-prefeito e o filho tinha sido acolhida pela Justiça. Faltava o pedido de prisão.
Corri para a PF. À meia noite e vinte, Paulo Maluf se entregou. Registrei aquele momento histórico. À uma e meia da manhã, voltei à emissora para pegar o meu carro. Quando saía para jantar, uma fonte me avisou que o ex-prefeito estava sendo levado para o IML, para o exame de corpo de delito. Corri para lá, registrei tudo. Levo comigo uma câmera portátil: notícias não têm hora para acontecer e nem sempre se pode ter um cinegrafista por perto. Às três da manhã, saí do IML e corri para o centro de São Paulo: eu tinha obtido a informação exclusiva de que uma equipe da PF estava ali preparando a prisão de Flávio Maluf. Quando cheguei lá, encontrei uma equipe da PF reunida, e fiquei de plantão, como fazem os jornalistas, esperando o que iria acontecer. Estava sozinho, eu tinha sido o único jornalista a obter aquela informação.
Às seis horas da manhã, descobri que Flávio tinha sido preso em Dourados e estava vindo de helicóptero para o hangar onde ele acabaria sendo preso. Corri para lá, no meu carro. Quando cheguei, o lugar estava apinhado de policiais. Circulei livremente. Quando Flávio desembarcou, eu estava lá, registrando tudo. Era minha obrigação. Na saída, me vi diante do impasse. Ou seguia no meu carro, e perdia as cenas, porque não se pode dirigir e filmar ao mesmo tempo, ou tentava entrar em um dos muitos carros do comboio da PF e seguia para o lugar onde Flávio finalmente entraria na prisão. Fiz a segunda opção, e dela não me arrependo. Creio que todo jornalista faria o mesmo, diante do mesmo dilema: perder o ápice da reportagem ou entrar no carro da polícia.
Em nenhum momento me disfarcei de policial. Usava uma camiseta branca e uma jaqueta bege, uma indumentária muito longe de um uniforme policial. Sim, usava um boné. Sempre uso um boné quando estou na rua, em reportagens desse tipo. Sempre gravo depois as “passagens”, as cenas em que o repórter aparece, já usando terno e gravata. Essa é uma das poucas desvantagens de um repórter de TV: ter um rosto conhecido e, por isso, ser abordado por pessoas em busca de autógrafos, o que, todos hão de concordar, dificulta muito o trabalho numa reportagem investigativa. Isso se tornou um hábito. Flávio Maluf e seu advogado, porém, reconheceram-me na hora, e me cumprimentaram.
Na PF, com o consentimento do seu advogado, Flávio me deu uma entrevista. Ao fim, rumei para a redação, almocei, tomei um banho e comecei o longo processo de edição do material. Após o Jornal Nacional, discuti a reportagem que iria ao ar no Fantástico e, finalmente, fui para casa depois mais de 36 horas de trabalho.
Por tudo isso, não posso hoje aceitar que alguns críticos desmereçam o meu trabalho, dizendo que me disfarcei de agente policial. Que outros jornais não tenham conseguido ter, dessa vez, aquele furo é algo rotineiro no jornalismo: quem dá o furo hoje se arrisca a levar um furo amanhã. Eu sempre pautei a minha vida profissional por uma verdade: o sucesso de um jornalista é do tamanho das fontes que ele venha a ter e do estrito cumprimento dos preceitos éticos da profissão. Ao longo de todos esses anos, fontes não me faltaram e nunca, em nenhum momento, fui criticado por faltar com a ética profissional. O resultado são os furos que dou, o mais recente deles a prisão de Paulo Maluf e de seu filho Flávio. Esse furo é meu. Este, ninguém me tira.


 

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