Por
Paulo de Tarso Venceslau
Apolônio de Carvalho, uma perda
irreparável
A história
de vida desse incansável defensor da democracia e da justiça
social merece todo o respeito. Qualquer país do planeta teria
muito orgulho de ter gerado um Apolônio de Carvalho, um Brasileiro
de corpo e alma, reverenciado por franceses e espanhóis pela
sua luta sem fronteiras contra a tirania nazista e fascista que
pôs em risco a própria humanidade.
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Em
1970, quase o conheci nas masmorras do DOI-CODI, na rua Barão
de Mesquita, onde funcionava o comando militar do 3º Exército,
no Rio de Janeiro. Os presos políticos contavam que apesar
dos cabelos já branco, Apolônio não se curvou
diante dos seus algozes. Teve um comportamento tão digno
que passou a ser respeitado até pelos próprios torturadores.
Poucos meses depois, o velho combatente foi libertado em troca do
embaixador alemão seqüestrado por guerrilheiros que
combatiam a ditadura.
Em 1989, tive a honra de fazer uma longa entrevista com essa figura
legendária, cuja trajetória de vida se confunde com
o roteiro de um romance épico. Com 78 anos, Apolônio
parecia um jovem entusiasmado com o Brasil que consolidava um Estado
democrático depois de 21 anos de ditadura militar. Os gestos
delicados e a singeleza de seus argumentos pareciam destoar da sua
história para quem o conhecia apenas através de livros
e relatos. Bastaram poucos minutos de conversa para eu descobrir
que Apolônio era o modelo de homem novo que eu idealizava.
Creio que um breve resumo de sua história seja o suficiente
para despertar em nossos leitores a vontade de saber mais a respeito
desse herói respeitado internacionalmente.
Oficial do Exército brasileiro, engaja-se na luta democrática
contra a ditadura getulista. Preso em 1935 como membro da Aliança
Nacional Libertadora (ANL), vive, com centenas de outros presos
políticos, o drama retratado por Graciliano Ramos, em Memórias
do Cárcere.
Libertado, filia-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e segue
para a Espanha juntamente com outros milhares de revolucionários
internacionalistas de todas as partes do mundo para lutar contra
as tropas nazi-fascistas de Franco, em defesa da República
popular; como os personagens de Por quem os sinos dobram, de Ernest
Hemingway.
Derrotado na Espanha, Apolônio, o "Apolinário"
de Jorge Amado em Subterrâneos da liberdade, asila-se na França,
junta-se à Resistência e participa da guerrilha dos
maquis, responsável por importantes e decisivas derrotas
das tropas de ocupação alemãs.
Apaixona-se por Renée, sua mulher por toda a vida, na época
adolescente de uma família de comunistas franceses. Na companhia
dela, retorna ao Brasil em 1947, participando da militância
clandestina do PCB. Mais tarde, os "rachas" do PCB o levaram
a fundar o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).
Enfrentando a ditadura militar, sofre torturas na prisão,
até ser resgatado por um comando guerrilheiro em troca do
embaixador alemão.
Exila-se na Europa onde reflete, reexaminando criticamente a trajetória
das esquerdas brasileiras. Vem desta época a decisão
de luta pela formação de um partido de massas, democrático
e revolucionário, sem os ranços da esquerda tradicional.
Em 1980, é o primeiro a assinar sua filiação
na fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), uma
esperança de muitos que acreditavam nos mesmos valores que
levaram Apolônio para a Espanha e França na primeira
metade do século passado.
Faleceu no Rio de Janeiro aos 93 anos de idade, na sexta-feira,
23. No seu velório, Renée, sua viúva, proibiu
que a bandeira do PT cobrisse a urna funerária de seu marido
e eterno companheiro.
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serviço |
“Vale
a pena sonhar”, livro de 1999, com autobiografia
de Apolônio editado pela Rocco e DVD com
o mesmo nome, lançado em 2004, baseado
em depoimentos e um excepcional acervo iconográfico,
dirigido por Stella Frisotti e Rudi Böhm
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