Era
um sábado! Ou seria domingo? Também não
sei se a luz indecisa entre o claro e o escuro era da manhã
ou do entardecer. Tenho certeza do verão. Nu, sentia
meu corpo livre na inércia do nada. Vazio solene.
Lembro-me também que havia brisa, leve, mas estava
além de minha pele e longe arrepiava as folhas da
única palmeira que insistia em olhar a praia. Eu
andava. De vagar, andava. Entre o molhado e o quase seco
me permitia perder na insegurança do sal e areia.
Seguia para cima, não para o norte ou para seu avesso,
era para o lado de lá que eu caminhava. Engraçado,
recordo-me de que carregava uma sandália, um só
pé, na mão esquerda. Não, não
estava bêbado. Nem era o costumeiro êxtase de
quem reza sem crer em deuses. Estava assim... só
assim... só.
Quando
me avistei vindo de tão longe não tive surpresa.
Nada. Afinal eu estava sim... e assim continuei; sempre
na minha direção. Teria descido de alguma
nuvem fugidia? Ou fora o mar que me trouxe? Seria o espírito
da mata decepada? Mas nem tinha importância: era eu
que me vinha vindo sem espelhos, sem fotografia, sem retoque,
sem roupa. Nem foi estranho, acredita? O meu igual-contrário
veio até mim em passos simétricos aos meus.
Vimos/fomos e indo/vindo. De vagar e respeitosamente encostamo-nos
um ao outro. É preciso dizer que não havia
música e nem se invertia cotidiano algum. Natural
como a natureza, nus, nos tocamos. Houve um abraço
longo, terno, algo sensual. Era bom me envolver em meus
braços mesmos. Sabe, ainda sinto dedos contornando
meu eu duplo. Completamente.
Estou
convicto de que não nos falamos. Nem existiriam palavras
cabíveis. O nada é silencioso, já se
sabe. Mas costuramos vazios, afinamos propostas e resolvemos
continuar a viver. Eu e eu, meu outro eu em mim. E mais,
seria possível desistir depois de um abraço
improvável? Confesso: experimentei o gosto pretérito
do meu futuro.
Quanto
tempo durou? Também não sei. Pouco importa,
aliás. Guardo apenas a memória do tato e isso
basta para saber que apesar de tudo o meu outro eu ainda
me permite.
Não.
Não me pergunte mais nada. Espirei o passado e volto
para minha matéria. Simples matéria remoçada
por ter tido coragem.