CONTATO
– Do jeito que as coisas estão no país, seria
esta a hora para se começar uma nova reflexão?
Fabio Ricci – Existe a política imediata, de curto
prazo, que facilmente se transforma em escândalo, e que
faz a opinião do eleitor mais leigo. Outra coisa é
a política de longo prazo e que pode ser passível
de uma outra análise. Quando se tem uma política
carente de instituições sólidas, conseqüentemente,
a cultura também será de extrema dependência.
A população fica totalmente refém e as pessoas
que chegam ao poder político acabam lutando para se manter
lá, conciliando o bom relacionamento com o grande capital
para exercer seu domínio sobre a população.
|
CONTATO
– Tem acompanhado o caso dos 70 mil livros comprados sem
licitação pela prefeitura?
Ricci – O estudo local para crianças do ensino fundamental
é muito importante. Porém, deve ser feita de uma
forma muito séria, criteriosa. De preferência, por
um colegiado de pessoas que conheçam a história
da cidade. Um assunto tão amplo como a história
de Taubaté não dá para ser feito a toque
de caixa. Isso é mais para tirar o dinheiro público
e destiná-lo, de acordo com alguns regulamentos, do que
visualizar o interesse da criança que vai receber essa
educação. O problema hoje não é os
prefeitos cumprirem a lei. Hoje, eles querem saber como é
que podem fazer o governo deles sem ferir a Lei de Responsabilidade
Fiscal.
“Um
assunto tão amplo como a história de Taubaté
não dá para ser feito a toque de caixa”
CONTATO – O livro “Taubaté: Cidade
Ciência...” foi editado sob a coordenação
do diretor do DECE, professor Benedito Prado, com a colaboração
de servidores. CONTATO comparou a obra e constatou que parte do
conteúdo foi transferido de outros materiais...
Ricci – Plágio...
CONTATO
– O trabalho de pesquisa foi dispensado. Foram gastos um
milhão e meio de reais, sem licitação, e
o prefeito Roberto Peixoto afirma que é normal, que não
houve exigência para abertura de concorrência pública.
Isso é normal?
Ricci – Não questiono se o Prado tem condições
de coordenar um trabalho desse. Agora, existem muitas pessoas
que pesquisaram sobre Taubaté. O professor Jose Carlos
Sebe tem uma tese sobre a pobreza, a professora Maria Crécia
di Lorenzo sobre a colônia italiana em Quiririm. Fazer um
trabalho assim, agregar novas informações é
uma tarefa acadêmica árdua. Talvez uma parceria com
a Universidade de Taubaté fosse um caminho mais aberto.
Agora, o caminho de se fazer dentro de um gabinete é uma
opção política.
CONTATO
- Como avalia essa administração?
Ricci - Não tem nada de espetacular. Teve um conflito com
o Bernardo [Ortiz] no começo, mas parece que apaziguou
a situação. Governa tranqüilo com a Câmara
inteira apoiando. Não tem oposição. Sumiu,
foi liquidada no processo eleitoral anterior. A UNITAU também
não está dando problema porque geralmente a escolha
do reitor gera alguma confusão, mas dessa vez parece que
não vai haver problema algum. Em termos de impacto dos
serviços sobre a cidade, não vi muitas mudanças.
Até agora, está voando em céu de brigadeiro.
CONTATO
– Está mais fácil governar com essa Câmara?
Ricci – Essa Câmara me parece ser mais local, mais
facilitadora das questões da população. Não
é uma Câmara do debate político. Existem uns
mais ligados à comunidade, mais ligadas ao sacerdócio
da população. Parece que a [Maria] Gorete é
assim, o Rodson [Lima] é assim, e o próprio Carlos
Peixoto também. Cada um com seu bairro, sua comunidade
de igreja, comunidade carente. Tem um que é da igreja Universal,
outro da Católica.
CONTATO
– Isso não é bom? Não diversifica a
discussão?
Ricci – Não, torna o trabalho do Executivo mais fácil
porque não discute a grande política, se discute
a facilitação da sobrevivência individual.
E o debate político fica em segundo plano. Isso é
característica de Câmara Municipal, exceto nas grandes
cidades porque não dá para atender todo mundo. Mas
nos municípios menores isso acaba sendo a marca. O [Bernardo]
Ortiz tem essa característica e assim ele consegue força
política. Agora, me parece, que o Roberto Peixoto também
é outro fenômeno político da cidade.
“Parece que o Roberto Peixoto também
é outro fenômeno político”
CONTATO – E o que te dá essa impressão?
Ricci – O Peixoto foi construído de uma forma diferente
do Salvador [Khuriyeh], do Antonio Mário, que foram pessoas
que se alavancaram dentro de um espaço do poder executivo
do município. O Peixoto vem de outra tradição.
Nessa história, ele acabou construindo uma representatividade
junto à população carente que, portanto,
valoriza mais essa representação. De todos esses
prefeitos que estiveram aí, os opositores do Bernardo,
o Peixoto me parece ser o que mais penetrou na legitimidade da
população taubateana. Se o Bernardo sair rachado
com Peixoto, cada um num palanque, acho que vai ser muito mais
difícil para o Bernardo, dependendo da aliança e
das forças ao redor de Peixoto, do que foi a disputa entre
Bernardo e Salvador ou Antônio Mário.
|
CONTATO
– O que mais marcou o trabalho deles?
Ricci – Peixoto é visto como um homem humilde que
ajuda a população, e que tem contato direto com
o povo. Hoje, o Bernardo não precisa mais andar de porta
em porta. Basta ele chegar num lugar, aparecer numa esquina e
todo mundo vai falar que “ele andou de porta em porta”.
Quero dizer, o mito foi construído. E o Peixoto também
tem esse mito, só que ele está se construindo num
momento diferente. O Bernardo apareceu no fim da ditadura. Um
regime de força precisava de uma pessoa de força.
Hoje me parece que boa parcela do eleitor já não
é mais da época da ditadura. E o Peixoto entra nesse
momento como um cara que não briga, que gosta de resolver,
que quer o bem, que é honesto.
CONTATO
– E o Antônio Mário?
Ricci – Ele e o Salvador acabaram indo por outro caminho.
Viraram políticos profissionais, distantes do povo, que
aparecem na época da eleição, que fazem aliança
para pegar muito dinheiro para fazer campanha milionária.
A população os vê dessa forma. Há resistência
a nomes como o do Ary Kara, por exemplo. Um homem rejeitado, repelido,
que não abre mão de estar na política de
Taubaté, e que acabou ficando com o Antonio Mario, com
o Salvador, e essa história queimou ele.
“Antonio Mario e Salvador acabaram indo por
outro caminho: viraram políticos profissionais, distantes
do povo, que aparecem na época da eleição”
CONTATO – Mas e as novas lideranças?
Ricci – Não vejo novas lideranças. Não
há espaço. Existe uma separação social
e econômica muito grande na sociedade taubateana. Tem uma
elite mediana que está em torno da universidade, dos melhores
empregos públicos, que é um grande eleitorado de
oposição ao Peixoto e ao Bernardo, e que não
consegue ganhar porque não é a maioria. Essa elite
esta totalmente desconectada de uma outra parcela da população,
que é a maioria, e que está hoje com o Bernardo
e com o Peixoto.
“Não vejo novas lideranças.
Não há espaço”
CONTATO – E a ida de Peixoto para o PMDB?
Ricci – O PMDB é um grande partido, mas é
acéfalo. Nunca teve candidato para as cabeças. Nem
para presidente, nem para governador, mas sempre fez a maioria
dos prefeitos, dos deputados federais, estaduais e senadores.
Agora, com os desgastes do PSDB e do PT talvez vá se lançar
na aventura de ser cabeça.
“O PMDB
é um grande partido, mas é acéfalo”
CONTATO – E o PT de Taubaté?
Ricci – Esse sempre foi partido de um vereador. O problema
do PT de Taubaté é o problema dos grandes partidos
de classe. Os partidos que assumem um discurso mais internacional.
Acontece que você transfere para a realidade um discurso
que não pertence àquela realidade. O PT, quando
se assumiu mais de classe média em Taubaté, fez
dois vereadores, teve uma representatividade maior, em 1988.
CONTATO
- O ex-prefeito Bernardo Ortiz tem adiantado que seu filho será
candidato a prefeito. É possível visualizar esse
acontecimento em quanto tempo?
Ricci – O mais rápido possível porque se o
tempo passar, Bernardo perde o poder de transferência de
voto. Na medida em que ele for ficando fora do poder, o mito também
vai caindo. Então, o filho dele tem que conseguir se projetar.
Com certeza ele já nasce um candidato forte. Ninguém
sabe quem é, mas o filho do Ortiz é candidato. O
fato de ser filho do Bernardo já dá uma força
muito grande para ele.
“Com certeza ele já nasce um candidato forte. Ninguém
sabe quem é, mas o filho do Ortiz é candidato”
CONTATO – Qual seria a pauta de prioridades na discussão
política de Taubaté?
Ricci – O Legislativo não cria fatos políticos.
Quem cria é o Executivo, o Legislativo anda na rabeira.
Vota a Lei de Diretrizes Orçamentárias, o orçamento
municipal, aprova as contas, vota todos os projetos que o Executivo
manda. O Legislativo poderia chamar pra si a democratização
das relações sociais. Acho que esse seria um modo
do Legislativo criar mais fatos políticos. Resta saber
se o Legislativo quer.
CONTATO
– E o governo Lula?
Ricci – Fui um dos fundadores do PT. Me desfiliei faz três
anos. Na campanha de 2002, eu entrava na sala de aula e dizia
“não esperem nada de extraordinário do governo
Lula. Ele vai continuar a mesma linha econômica que está
aí, porque senão tiram ele [de lá]”.