Por Marlon Maciel Leme

Fábio Ricci, historiador e professor de Teoria Política

Ex-petista passa a limpo a história recente de Taubaté e do Brasil

Por volta das 21h da última segunda-feira 3, o professor Fabio Ricci cancelou outros compromissos e recebeu CONTATO em sua casa para uma conversa sem aquele habitual ‘lero-lero’, quando o assunto é Política. Nessa entrevista, o historiador e analista político colocou na balança a administração municipal, a atuação dos vereadores e a própria UNITAU. Direto ao assunto, alinhavou opiniões sobre fatos que movimentam a vida política em Taubaté. “O problema hoje não é os prefeitos cumprirem a lei. Hoje, eles querem saber como é que podem fazer o governo deles sem ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal”. Ricci nasceu e foi criado em Santo André, no ABC paulista. Ligado a movimentos sindicais e ex-militante do PT – filiado desde 1979 -, passou parte da vida convivendo com a realidade das fábricas. Mas foi a academia que o fez trilhar novos caminhos. Formado pela USP, de onde saiu doutor em História Econômica, Ricci, hoje, ocupa a cadeira nº 1 da disciplina de Teoria Política pela Universidade de Taubaté. Aqui, ele esmiúça preciosos detalhes da cena política e partidária taubateana.

CONTATO – Do jeito que as coisas estão no país, seria esta a hora para se começar uma nova reflexão?
Fabio Ricci – Existe a política imediata, de curto prazo, que facilmente se transforma em escândalo, e que faz a opinião do eleitor mais leigo. Outra coisa é a política de longo prazo e que pode ser passível de uma outra análise. Quando se tem uma política carente de instituições sólidas, conseqüentemente, a cultura também será de extrema dependência. A população fica totalmente refém e as pessoas que chegam ao poder político acabam lutando para se manter lá, conciliando o bom relacionamento com o grande capital para exercer seu domínio sobre a população.

CONTATO – Tem acompanhado o caso dos 70 mil livros comprados sem licitação pela prefeitura?
Ricci – O estudo local para crianças do ensino fundamental é muito importante. Porém, deve ser feita de uma forma muito séria, criteriosa. De preferência, por um colegiado de pessoas que conheçam a história da cidade. Um assunto tão amplo como a história de Taubaté não dá para ser feito a toque de caixa. Isso é mais para tirar o dinheiro público e destiná-lo, de acordo com alguns regulamentos, do que visualizar o interesse da criança que vai receber essa educação. O problema hoje não é os prefeitos cumprirem a lei. Hoje, eles querem saber como é que podem fazer o governo deles sem ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal.


“Um assunto tão amplo como a história de Taubaté não dá para ser feito a toque de caixa”


CONTATO – O livro “Taubaté: Cidade Ciência...” foi editado sob a coordenação do diretor do DECE, professor Benedito Prado, com a colaboração de servidores. CONTATO comparou a obra e constatou que parte do conteúdo foi transferido de outros materiais...
Ricci – Plágio...

CONTATO – O trabalho de pesquisa foi dispensado. Foram gastos um milhão e meio de reais, sem licitação, e o prefeito Roberto Peixoto afirma que é normal, que não houve exigência para abertura de concorrência pública. Isso é normal?
Ricci – Não questiono se o Prado tem condições de coordenar um trabalho desse. Agora, existem muitas pessoas que pesquisaram sobre Taubaté. O professor Jose Carlos Sebe tem uma tese sobre a pobreza, a professora Maria Crécia di Lorenzo sobre a colônia italiana em Quiririm. Fazer um trabalho assim, agregar novas informações é uma tarefa acadêmica árdua. Talvez uma parceria com a Universidade de Taubaté fosse um caminho mais aberto. Agora, o caminho de se fazer dentro de um gabinete é uma opção política.

CONTATO - Como avalia essa administração?
Ricci - Não tem nada de espetacular. Teve um conflito com o Bernardo [Ortiz] no começo, mas parece que apaziguou a situação. Governa tranqüilo com a Câmara inteira apoiando. Não tem oposição. Sumiu, foi liquidada no processo eleitoral anterior. A UNITAU também não está dando problema porque geralmente a escolha do reitor gera alguma confusão, mas dessa vez parece que não vai haver problema algum. Em termos de impacto dos serviços sobre a cidade, não vi muitas mudanças. Até agora, está voando em céu de brigadeiro.

CONTATO – Está mais fácil governar com essa Câmara?
Ricci – Essa Câmara me parece ser mais local, mais facilitadora das questões da população. Não é uma Câmara do debate político. Existem uns mais ligados à comunidade, mais ligadas ao sacerdócio da população. Parece que a [Maria] Gorete é assim, o Rodson [Lima] é assim, e o próprio Carlos Peixoto também. Cada um com seu bairro, sua comunidade de igreja, comunidade carente. Tem um que é da igreja Universal, outro da Católica.

CONTATO – Isso não é bom? Não diversifica a discussão?
Ricci – Não, torna o trabalho do Executivo mais fácil porque não discute a grande política, se discute a facilitação da sobrevivência individual. E o debate político fica em segundo plano. Isso é característica de Câmara Municipal, exceto nas grandes cidades porque não dá para atender todo mundo. Mas nos municípios menores isso acaba sendo a marca. O [Bernardo] Ortiz tem essa característica e assim ele consegue força política. Agora, me parece, que o Roberto Peixoto também é outro fenômeno político da cidade.


“Parece que o Roberto Peixoto também é outro fenômeno político”


CONTATO – E o que te dá essa impressão?
Ricci – O Peixoto foi construído de uma forma diferente do Salvador [Khuriyeh], do Antonio Mário, que foram pessoas que se alavancaram dentro de um espaço do poder executivo do município. O Peixoto vem de outra tradição. Nessa história, ele acabou construindo uma representatividade junto à população carente que, portanto, valoriza mais essa representação. De todos esses prefeitos que estiveram aí, os opositores do Bernardo, o Peixoto me parece ser o que mais penetrou na legitimidade da população taubateana. Se o Bernardo sair rachado com Peixoto, cada um num palanque, acho que vai ser muito mais difícil para o Bernardo, dependendo da aliança e das forças ao redor de Peixoto, do que foi a disputa entre Bernardo e Salvador ou Antônio Mário.

CONTATO – O que mais marcou o trabalho deles?
Ricci – Peixoto é visto como um homem humilde que ajuda a população, e que tem contato direto com o povo. Hoje, o Bernardo não precisa mais andar de porta em porta. Basta ele chegar num lugar, aparecer numa esquina e todo mundo vai falar que “ele andou de porta em porta”. Quero dizer, o mito foi construído. E o Peixoto também tem esse mito, só que ele está se construindo num momento diferente. O Bernardo apareceu no fim da ditadura. Um regime de força precisava de uma pessoa de força. Hoje me parece que boa parcela do eleitor já não é mais da época da ditadura. E o Peixoto entra nesse momento como um cara que não briga, que gosta de resolver, que quer o bem, que é honesto.

CONTATO – E o Antônio Mário?
Ricci – Ele e o Salvador acabaram indo por outro caminho. Viraram políticos profissionais, distantes do povo, que aparecem na época da eleição, que fazem aliança para pegar muito dinheiro para fazer campanha milionária. A população os vê dessa forma. Há resistência a nomes como o do Ary Kara, por exemplo. Um homem rejeitado, repelido, que não abre mão de estar na política de Taubaté, e que acabou ficando com o Antonio Mario, com o Salvador, e essa história queimou ele.


“Antonio Mario e Salvador acabaram indo por outro caminho: viraram políticos profissionais, distantes do povo, que aparecem na época da eleição”


CONTATO – Mas e as novas lideranças?
Ricci – Não vejo novas lideranças. Não há espaço. Existe uma separação social e econômica muito grande na sociedade taubateana. Tem uma elite mediana que está em torno da universidade, dos melhores empregos públicos, que é um grande eleitorado de oposição ao Peixoto e ao Bernardo, e que não consegue ganhar porque não é a maioria. Essa elite esta totalmente desconectada de uma outra parcela da população, que é a maioria, e que está hoje com o Bernardo e com o Peixoto.


“Não vejo novas lideranças. Não há espaço”


CONTATO – E a ida de Peixoto para o PMDB?
Ricci – O PMDB é um grande partido, mas é acéfalo. Nunca teve candidato para as cabeças. Nem para presidente, nem para governador, mas sempre fez a maioria dos prefeitos, dos deputados federais, estaduais e senadores. Agora, com os desgastes do PSDB e do PT talvez vá se lançar na aventura de ser cabeça.


“O PMDB é um grande partido, mas é acéfalo”


CONTATO – E o PT de Taubaté?
Ricci – Esse sempre foi partido de um vereador. O problema do PT de Taubaté é o problema dos grandes partidos de classe. Os partidos que assumem um discurso mais internacional. Acontece que você transfere para a realidade um discurso que não pertence àquela realidade. O PT, quando se assumiu mais de classe média em Taubaté, fez dois vereadores, teve uma representatividade maior, em 1988.

CONTATO - O ex-prefeito Bernardo Ortiz tem adiantado que seu filho será candidato a prefeito. É possível visualizar esse acontecimento em quanto tempo?
Ricci – O mais rápido possível porque se o tempo passar, Bernardo perde o poder de transferência de voto. Na medida em que ele for ficando fora do poder, o mito também vai caindo. Então, o filho dele tem que conseguir se projetar. Com certeza ele já nasce um candidato forte. Ninguém sabe quem é, mas o filho do Ortiz é candidato. O fato de ser filho do Bernardo já dá uma força muito grande para ele.


“Com certeza ele já nasce um candidato forte. Ninguém sabe quem é, mas o filho do Ortiz é candidato”


CONTATO – Qual seria a pauta de prioridades na discussão política de Taubaté?
Ricci – O Legislativo não cria fatos políticos. Quem cria é o Executivo, o Legislativo anda na rabeira. Vota a Lei de Diretrizes Orçamentárias, o orçamento municipal, aprova as contas, vota todos os projetos que o Executivo manda. O Legislativo poderia chamar pra si a democratização das relações sociais. Acho que esse seria um modo do Legislativo criar mais fatos políticos. Resta saber se o Legislativo quer.

CONTATO – E o governo Lula?
Ricci – Fui um dos fundadores do PT. Me desfiliei faz três anos. Na campanha de 2002, eu entrava na sala de aula e dizia “não esperem nada de extraordinário do governo Lula. Ele vai continuar a mesma linha econômica que está aí, porque senão tiram ele [de lá]”.


 


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