É
como a mais estrelada das noites; uma aurora boreal; tal
a movimentação de areias mudando a paisagem
sempre igual de algum deserto silente. É tudo de
bom. Falo do livro “Lições dos mestres”,
de George Steiner, publicado pela Editora Record, neste
ano. E não teria melhor forma para coroar a data
profissional mais importante de qualquer calendário:
o dia dos professores. E o faço com toda a solenidade
possível. E com emoção incontida.
Este
livro nasceu de uma série de conferência que
Steiner – um dos mais provocantes e autorizados pensadores
da atualidade – apresentou em curso oferecido em Harvard.
Ao longo de densas 242 páginas, redesenhou o papel
dos professores em suas relações com alunos
ao longo de 25 séculos. É importante dizer
que este livro não é um acúmulo de
notas biográficas colocadas em seqüência
temporal, nem um tratado aborrecido de correntes educacionais
ou pretensas aulas de filosofia da educação.
Trata, antes de tudo, de uma organização sutil
em que se colocam em perspectivas alguns dos mais importantes
dilemas da prática entre mestres e discípulos.
Sob três alternativas básicas, o autor identifica
as experiências de transmissão do conhecimento:
1- poder dos professores em submeter os educandos às
suas vontades; 2- necessidade do aluno em superar o mestre,
e, 3- troca afinada com a transmissão de saber. E,
à partir desta problematização, valoriza
sobremaneira o convívio. Aliás, a convivência
direta e a oralidade na transmissão dos ensinamentos
se compõem com outro fator essencial para o sucesso
da educação: o exemplo. Tratando de casos
específicos como Sócrates e Alcebíades;
Cristo e os discípulos; Virgilio e Dante; Abelardo
e Heloisa; Flaubert e Maupassant, Husserl e Heidegger e
depois deste e Annah Arent, o autor distingue o que é
ser professor de mestre, aluno de discípulo.
Sobremaneira,
vale destacar dois casos excepcionais valorizados de forma
brilhante por Steiner: Sócrates e Cristo. Entre os
argumentos escolhidos para exaltar a educação
como forma de convivência, é mostrada a trama
do “estar junto” como alternativa de entendimento
da matéria a ser transmitida. Ressaltando que ambos
eram analfabetos, que não freqüentavam, pois,
bibliotecas, os dois maiores mestres da história
do ocidente teriam apresentado aos seguidores apenas a coerência
e força íntima de suas propostas. E assim
mudaram o mundo. E com escrita para lá de poética,
Steiner pontifica que o fascínio do magistério
está na capacidade de “despertar em outro ser
humano poderes e sonhos além dos seus; induzir nos
outros um amor por aquilo que amamos; fazer do seu presente
interior o seu futuro: eis uma tripla aventura como nenhuma
outra”.
Mas
o livro de Steiner não deixa de ser polêmico.
Vendo a profissionalização do sistema educacional
como um mal, despreza sem cuidados os salários e
maldiz a institucionalização escolar que roubaria
dos professores o prazer de ensinar e as possibilidade de
escolha de meios, locais, situações propícias
à transmissão do conhecimento. Há também
mais um ponto a ser ponderado: o ponto de vista ampliadíssimo
a partir do emissor, ou seja do educador. O educando seria
um ser passivo, suscetível ao fascínio do
mestre.
Sim,
pode-se dizer que Steiner é conservador. Até
mesmo pode-se garantir que é um professor fora do
tempo e da lógica do mundo capitalista. É
válido mesmo aponta-lo como contraditório
na medida em que, de Harvard, ele fala mal das universidades.
Mas, nunca e jamais, pode-se dizer dele um desapaixonado,
criativo, crítico da educação moderna.
Caso não seja possível dar de presente este
livro ao seu mestre favorito, sugiro, com ênfase,
dê um grande abraço nele, pois, tenha certeza
que de alguma forma ele entende o que digo.