Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy


Sebe faz uma homenagem aos professores relembrando que, para Steiner, o fascínio do magistério está na capacidade de despertar em outro ser humano poderes e sonhos além dos seus

É como a mais estrelada das noites; uma aurora boreal; tal a movimentação de areias mudando a paisagem sempre igual de algum deserto silente. É tudo de bom. Falo do livro “Lições dos mestres”, de George Steiner, publicado pela Editora Record, neste ano. E não teria melhor forma para coroar a data profissional mais importante de qualquer calendário: o dia dos professores. E o faço com toda a solenidade possível. E com emoção incontida.

Este livro nasceu de uma série de conferência que Steiner – um dos mais provocantes e autorizados pensadores da atualidade – apresentou em curso oferecido em Harvard. Ao longo de densas 242 páginas, redesenhou o papel dos professores em suas relações com alunos ao longo de 25 séculos. É importante dizer que este livro não é um acúmulo de notas biográficas colocadas em seqüência temporal, nem um tratado aborrecido de correntes educacionais ou pretensas aulas de filosofia da educação. Trata, antes de tudo, de uma organização sutil em que se colocam em perspectivas alguns dos mais importantes dilemas da prática entre mestres e discípulos.
Sob três alternativas básicas, o autor identifica as experiências de transmissão do conhecimento: 1- poder dos professores em submeter os educandos às suas vontades; 2- necessidade do aluno em superar o mestre, e, 3- troca afinada com a transmissão de saber. E, à partir desta problematização, valoriza sobremaneira o convívio. Aliás, a convivência direta e a oralidade na transmissão dos ensinamentos se compõem com outro fator essencial para o sucesso da educação: o exemplo. Tratando de casos específicos como Sócrates e Alcebíades; Cristo e os discípulos; Virgilio e Dante; Abelardo e Heloisa; Flaubert e Maupassant, Husserl e Heidegger e depois deste e Annah Arent, o autor distingue o que é ser professor de mestre, aluno de discípulo.

Sobremaneira, vale destacar dois casos excepcionais valorizados de forma brilhante por Steiner: Sócrates e Cristo. Entre os argumentos escolhidos para exaltar a educação como forma de convivência, é mostrada a trama do “estar junto” como alternativa de entendimento da matéria a ser transmitida. Ressaltando que ambos eram analfabetos, que não freqüentavam, pois, bibliotecas, os dois maiores mestres da história do ocidente teriam apresentado aos seguidores apenas a coerência e força íntima de suas propostas. E assim mudaram o mundo. E com escrita para lá de poética, Steiner pontifica que o fascínio do magistério está na capacidade de “despertar em outro ser humano poderes e sonhos além dos seus; induzir nos outros um amor por aquilo que amamos; fazer do seu presente interior o seu futuro: eis uma tripla aventura como nenhuma outra”.

Mas o livro de Steiner não deixa de ser polêmico. Vendo a profissionalização do sistema educacional como um mal, despreza sem cuidados os salários e maldiz a institucionalização escolar que roubaria dos professores o prazer de ensinar e as possibilidade de escolha de meios, locais, situações propícias à transmissão do conhecimento. Há também mais um ponto a ser ponderado: o ponto de vista ampliadíssimo a partir do emissor, ou seja do educador. O educando seria um ser passivo, suscetível ao fascínio do mestre.

Sim, pode-se dizer que Steiner é conservador. Até mesmo pode-se garantir que é um professor fora do tempo e da lógica do mundo capitalista. É válido mesmo aponta-lo como contraditório na medida em que, de Harvard, ele fala mal das universidades. Mas, nunca e jamais, pode-se dizer dele um desapaixonado, criativo, crítico da educação moderna. Caso não seja possível dar de presente este livro ao seu mestre favorito, sugiro, com ênfase, dê um grande abraço nele, pois, tenha certeza que de alguma forma ele entende o que digo.




| home |

© Jornal Contato 2005