Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy


Existem datas fundamentais que mudam o curso da História. No século XX, seguramente 1929, dado o impacto na economia mundial, foi um ano de corte. O início da Segunda Guerra Mundial, no dia 1 de setembro de 1939, com a invasão da Polônia, foi outro momento marcante, pois abriu uma seqüência de anos difíceis e que produziram cerca de 103 milhões de vítimas. Mais recentemente, o ano de 1968 uniu o mundo definindo a contracultura como um movimento de rebeldia cultural.

Na História do Brasil, porém, há um ano que merece destaque ainda que nem sempre seja lembrado: 1958. Como poucos outros, esse tempo marcou significativamente um antes e um depois. Para falar do impacto de “58” convém supor as mudanças operadas no país desde o suicídio de Vargas em 1954. Sobretudo, cabe lembrar que, em dois anos, se definia politicamente nova figura no cenário nacional. Juscelino Kubitschek , o nosso JK, numa vertiginosa carreira passava de figura de realce na política mineira a Presidente da República (1956-60). Sobre esse ano, aliás, existe um livro que é bastante recomendável por arrolar fatos pitorescos: “Feliz 1958, o ano que não devia terminar” de Joaquim Ferreira dos Santos, publicado pela Editora Record, no Rio de Janeiro ,em 1998.
Uma das marcas mais cintilantes no céu desse tempo foi a definição de figuras e movimentos populares no Brasil. Em termos históricos, falamos dos chamados “anos dourados” no qual o “presidente bossa nova” dava sentido a um Brasil novo culturalmente. Tempo de traços quase revolucionários esse em que, em conjunto, uma combinação de manifestações se colocava como divisora entre o antigo e o moderno. Estamos falando de um ano que gerou, por exemplo: bossa nova, cinema novo, o teatro de Gianfrancesco Guarnieri, a construção de Brasília, os resultados da industrialização acelerada que valia como metáfora do slogam “cinqüenta anos em cinco”. Falamos também da Seleção Brasileira de Futebol ganhando, pela primeira vez, a Copa do Mundo e mais: “misses”, esportistas, mulheres aparecendo no cenário artístico. Até para nós taubateanos 1958 foi pródigo, pois Celly Campelo foi lançada nesta época e no ano seguinte estourava com “estúpido cupido”.
Sobretudo, porém, interessa pensar no movimento negro brasileiro que nesse espaço alçava destaque com a participação de figuras que mais tarde iriam ser referências. Atores como Grande Otelo, Elza Soares, Elizete Cardoso. Jogadores de futebol como o estreante Pelé ou os veteranos Didi e Garrincha, mães de santo como Menininha do Gantois foram alguns dos personagens emergentes neste mundo que ganhava contorno a partir do conjunto. Estamos falando de um momento em que os negros apareciam isoladamente ou em conjunto. Sem esta respeitabilidade deste grupo que anos mais tarde Joãosinho Trinta chamou de “a grande constelação de estrelas negras” (1983) não seria possível entender um momento que fez Carolina Maria de Jesus passar de catadora de papel à escritora famosa.
Mas, outra vez, apelo para a MPB para lembrar que a memória popular é mesmo sensível e capaz de medir o nível da democracia nacional. Lembro-me, por exemplo, que o maior sucesso carnavalesco daquele tempo foi uma marchinha, de José Batista e Antônio Almeida, que dizia assim “vai tudo bem/pelo lado de cá/pelo lado cá/o que há/não há água/nem leite, nem pão/carne não se come/faz baixar a pressão/o café vai de marcha à ré/em compensação/o Brasil foi campeão”.
Ai que saudade de 1958! Será que teremos outro momento como aquele?

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