Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy


Sebe mostra, com maestria, que por trás das críticas à iniciativa do deputado Aldo Rebelo (PC do B), autor da lei que comemora o 31 de outubro como o dia do Saci, pode estar camuflado um sentimento preconceituoso que se calou quando a mesma crítica foi feita por um repórter da TV Globo.

Dia destes, estava pensando nas “coisas” que não faria. Motorista jamais, porque detesto guiar, não aprecio carro, moto. Caixa de banco não seria a profissão de meus sonhos e sequer de pesadelos: não gosto de controlar dinheiro nem mesmo meu. Dentista? nem pensar, não me imagino em pé, parado o dia todo, vendo bocas em busca de melhoria. Guarda-noturno não daria certo porque durmo cedo; salva-vidas seria fatal, pois nado mal.
Mas também não queria ser o Aldo Rebelo empurrado à Presidência da Câmara por dever de militância. Aliás, ri muito ao vê-lo pedindo “pelo amor de Deus” para que deputados não se agredissem em plenário... “pelo amor de Deus”, logo ele que é comunista, legítimo tipo do PC do B? Mas há algo mais neste cidadão que me faz pensar na complexidade da personalidade humana.
Suas atitudes, como parlamentar, têm uma certa lógica apreciável: em 2003, relatou com segurança e bom senso o projeto de Lei de Biossegurança. Sob a mesma orientação, cuidou da inclusão de adolescentes na faixa dos 12 aos 18 anos no Programa de Proteção à Testemunha e também conseguiu obrigatoriedade do Exame prévio do material genético para a cremação de cadáveres.
Recentemente, para mostrar que é bem mandado, pelo Partido, aceitou encarnar o papel dificílimo de chefe da Casa Legislativa. Até aí tudo bem, mas sua proposta, triunfante, de instituir a data de 31 de outubro como o Dia do Saci merece consideração maior, ainda que triunfados e intrépidos, as pessoas de São Luiz do Paraitinga soltem efusivos rojões nacionalistas pela conquista. Não fosse pelo respeito que tenho aos políticos convictos, perfilaria Aldo Rebelo entre os folclóricos representantes de nosso povo. E tenho minhas razões.
Antes de mim, Maurício Kubrusly se valeu da palavra “basbaque” para referir-se ao caso. E com graça apelou para o significado paginado no Houaiss para dizer que significa “aquele que se admira e se espanta por coisas triviais & aquele que diz ou pratica tolices”, referia-se, é claro, aos adeptos do holloween. Mas, tolice de quem? Vejamos a continuidade dos argumentos do repórter global: “enquanto os basbaques brincavam de ralouin, em São Luís do Paraitinga, São Paulo, o Saci dava mais um pulo certeiro. No próprio dia da festa que os americanos importaram da Irlanda, no século 19, tradição dos Celtas, com mais de dois mil anos... no último dia de outubro, aquela pequena cidade comemorou o primeiro Dia do Saci. E chutaram muita abóbora, entre outras molecagens”.
É aí que a brincadeira vira coisa séria. Convicto do teor nacionalista, recuperando as mais legítimas tradições defensivas da pureza cultural do Brasil, adepto de crenças quase românticas, Aldo embandeira uma campanha de rescaldo das nossas tradições legítimas. Perfilando entre os que querem a pureza da língua, a virgindade da herança autêntica dos valores urdidos na mistura que definiu nossa brasilidade, os defensores da “autêntica” honra nacional bradam contra ondas de “vendilhões” que importam modelos culturais de outros países. Negando qualquer valor inerente à capacidade de pensar o Brasil como um país “antropofágico” de verdade, Peris e Iracemas da autenticidade pensam em refratar a cultura como se ela fosse violentável além de sua dinâmica natural. E, sobretudo: abaixo a americanização.
Mas há, diga-se, uma graça pueril nessa atitude. Acho que Lima Barreto estaria dando loas e conclamando Ge e Tapuia para a alegre festa da pureza nacional. Mas vale terminar com as palavras do próprio autor do projeto: respeito quem comemora o ‘halloween’ no dia 31 de outubro. Mas um grupo de artistas de São Paulo resolveu protestar e escolheu a data para homenagear o grande Monteiro Lobato. Eles me pediram para criar o Dia do Saci. O resto é preconceito. E você é preconceituoso?

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