|
Em
1992, pela primeira vez fui a Luanda, capital de Angola.
Não era minha estréia em solo africano, mas,
foi a mais intensa e conseqüente experiência
de minha vida de pesquisador fora do Brasil. Mais mesmo
que a vivência nos Estados Unidos ou recentemente
no México. Sei que afirmações tão
peremptórias, como esta, são de alto risco
e tendem ao provisório, pois, trabalho de campo é
fatalmente surpreendente e outros despontam.
Confesso que Angola me fascinou. Sob todos os pontos de
vista, fui tomado pelo ambiente que me cercava. O convite
inicial havia partido do Arquivo Nacional Histórico
de Angola (ANHA) e da UNESCO que então estavam interessados
em propor alternativas ao modo tradicional de fazer a História
Nacional.
A honra de ter sido escolhido para propor modelo metodológico
alternativo se explicava por vários motivos combinados:
trabalho com história oral que, no caso angolano/africano,
é vital dado o papel da oralidade naquela cultura;
por ser brasileiro e gozarmos de especialíssimo apreço
naquele meio e pelo reconhecimento de meus trabalhos publicados
em favor de uma história de grupos desfavorecidos
nos parâmetros da cultura oficial.
Lembro-me em tempo de Copa do Mundo e mesmo havendo outros
países africanos (o simpático time de Camarões
e a Tunísia), o Brasil arrebatava torcedores que
conheciam a escalação, os dilemas provocados
pela firmeza de Felipão e a tabela dos jogos. E era
só o Brasil entrar em campo que o país parava.
Isso fascinava e comovia.
É lógico que notei outros pontos de aproximação
entre nossos países, mas nenhum foi mais eloqüente
do que a novela “O Clone”, de Glória
Perez. Aliás, era quase cômico ver como a grande
maioria das mulheres usava aqueles anéis propostos
pela personagem Jade e até insistiam no bordão
“inchalá”.
Repontava também a nossa música. Em verdade,
era mesmo como se estivesse no Brasil, pois a popularidade
de nossos intérpretes ajudava a anular a distância
e a programação televisiva e radiofônica
provavam continuidades. E como os angolanos se orgulhavam
de dizer que o nosso samba era mesmo, e sem dúvidas,
de raiz africana, originado do “semba”. Polêmicas
à parte, autores como Martinho da Vila, Jorge Aragão,
Jair Rodrigues têm status de figuras nacionais.
Em Luanda, às vezes, pensava que estava na Bahia,
tal era o jeito maroto das pessoas, os requebros das moças,
a comida e a forma de enfrentar a pobreza com certa resignação.
As comidas faziam lembrar minha infância e não
fosse o tempero na base do óleo de palma (aqui conhecido
como dendê) eu teria voltado com alguns quilos a mais.
Porém, como a qualquer pessoa que chega de fora,
a situação de pobreza convoca indignação.
Dos cerca de 11 milhões de habitantes, cerca de 82%
vivem abaixo da linha de pobreza e 38% da população
sobrevive com menos de dois dólares ao dia.
A agravar o quadro, é dramático o número
de pessoas mutiladas em conseqüência de terríveis
guerras: em 1975 contra os portugueses e depois, em 1992,
quando as eleições gerais democráticas
foram vencidas com pequena margem de votos pelo MPLA (Movimento
Popular de Libertação de Angola). Como a UNITA
(União Nacional para a Independência total
de Angola) contestou os resultados, reiniciou-se uma guerra
que apenas viu seu fim em 2003 depois de um balanço
de cerca de 25 mil mortos.
Mais difícil ainda é constatar as conseqüências
da aids que assola o país que hoje tem cerca de 20%
da população infectada. Não bastasse,
resta ainda lamentar a presença da malária
que lá atinge as marcas de endemia e é a primeira
causa de mortalidade dentre doenças transmissíveis.
Tal é a gravidade que as cifras chegam a assustar,
pois de uma média de 286.000 casos médios
anuais na década de 1970, houve a evolução
para 864.000 na de 1980 e nos últimos cinco anos
foram notificados mais de 679.000 casos médios anuais.
Voltarei a Angola este mês e preparo-me com emoção.
Para ser sincero, volto a Angola como quem vai abraçar
uma causa e reconhecer lá uma ancestralidade ainda
mal vista pelos nossos historiadores.