CONTATO – Que avaliação o senhor faz da crítica cultural?
Abujamra
– Eu tenho 74 anos de idade, 57 de profissão como diretor de teatro e uns 17 como ator. Nunca vi um crítico de teatro ajudar na evolução do teatro ou na formação do ator. O Bernard Shaw, com sua acidez e seu humor característico, dizia "Quem sabe faz, que não sabe, ensina. Quem não sabe ensinar, ensina a ensinar. Quem não sabe ensinar a ensinar, vira crítico". A pior coisa para um ator é o gosto artístico de um crítico. Quando eu estava nos Estados Unidos, um jornalista entrava para me entrevistar sabendo tudo de mim. Aqui no Brasil, ele pergunta : o que você faz? Os jornais literários de hoje são uma grande mediocridade

"Os jornais literários de hoje são uma grande mediocridade"


CONTATO – Existe muito patrulhamento ideológico no jornalismo brasileiro?
Abujamra
– Isso sempre existiu. O crítico, quando vai ver uma peça de teatro, quer ver a peça que ele queria dirigir, e não a que o diretor dirigiu. O jornalismo, em geral, faz mais ou menos isso. Eles (jornalistas) querem que a pessoa fale aquilo que o jornal quer que ele fale. Isso realmente é uma mediocridade espantosa.

CONTATO – Você se decepcionou com o governo Lula?
Abujamra
– Eu considero o Lula um personagem brasileiro. Ele é uma pessoa a ser compreendida. Achar que ele é desonesto é uma loucura. Mas eu acredito que o deslumbramento faz parte de qualquer pessoa popular que assuma tanto poder.
Todo poder corrompe. O poder absoluto corrompe absolutamente, já dizia Voltaire.

Achar que o Lula é desonesto é uma loucura

CONTATO – Você se considera uma pessoa de esquerda?
Abujamra
– Claro. É muito difícil um artista não ser ligado à esquerda. O que é a esquerda? Nós não queremos a pobreza, nem a infelicidade.

CONTATO – O colunista da Veja, Diogo Mainardi, disse que o dinheiro público para financiar cultura tolhe a liberdade criativa. O que você acha disso?
Abujamra
– O Diogo Mainardi é um autor polêmico, que quer lutar, discutir...Eu só não queria que ele tivesse tantas certezas. Seria melhor se ele começasse a ter dúvidas. Eu idolatro a dúvida. Não dá para dizer: "a cultura tem que ser privatizada, o cinema tem que ser privatizado". Meu Deus do céu...E quem não tem capacidade para conseguir dinheiro?
E quem tem só o talento? O que faz? Morre?



CONTATO – Então você defende as leis de incentivo?
Abujamra
– Eu odeio cineastas viu (risos). Eles fazem um filme de 5 em 5 anos. Não tenho paciência. Quero fazer teatro de 4 em 4 meses. Faço a minha peça e já fracasso de uma vez. Para mim, sucesso e fracasso são absolutamente iguais. Enfim... acho que o governo tem sim que ter um projeto cultural. Se o projeto cultural é ruim, nós temos que arrumá-lo. Quando a gente fazia teatro, há 50 anos, não precisava de tanto dinheiro. Hoje precisa. O Fagundes vai a 100 empresas para conseguir um auxílio. E ele ainda tem sucesso popular. Mas, e o resto?

Quando a gente fazia teatro há 50 anos atrás, não precisava de tanto dinheiro. Hoje precisa


CONTATO – Por que custa tão caro fazer e assistir teatro?
Abujamra
– Não é só o teatro que é caro. Viver no Brasil é muito caro.

CONTATO – Como uma peça que conta com patrocínio estatal e usa das leis de incentivo pode cobrar até R$ 70?
Abujamra
– Veja bem. A Petrobrás, agora, resolveu dar R$ 30 mil para 63 peças de teatro. Você não paga nem 5 dias de espetáculo com isso. Cada pessoa que consegue o auxílio eu morro de inveja. Não tenho talento nenhum para captar incentivos. É uma falha na minha profissão.

CONTATO – A TV Record gastou R$ 50milhões com teledramaturgia. Será que eles vão brigar de igual para igual com a Globo ou é difícil alcançar aquele padrão?
Abujamra
– Conversando com um alto dirigente da Globo, ele soltou uma frase que eu achei maravilhosa: "a sorte da Globo é a não inteligência das outras emissoras". A sorte da Globo é essa.

CONTATO – A Record pode não ter a "inteligência" da Globo, mas está com muito dinheiro...
Abujamra
– Eu nem sabia que estava rolando tanto dinheiro. A gente sempre ouve falar da compra de terrenos, disso, daquilo. A Bandeirantes já tentou tantas vezes e hoje está com "Floribela". O SBT faz novelas apenas da Televisa (TV Mexicana). Onde é que está a inteligência disso? Tem que transfigurar as coisas, tem que mudar. A cópia é a mais difícil das artes. Não dá para você copiar Picasso, Portinari. A TV Cultura é uma televisão que tem que ser imitada, e não imitar. Tem que descobrir as coisas e as outras imitarem. O que é a televisão brasileira hoje? Pra mim ela é ainda virgem. Ainda não foi descoberta. Quem é um diretor de estilo na televisão brasileira?

CONTATO – A TV Cultura hoje está passando por uma fase mais pop, está aceitando anúncios e querendo brigar pela audiência com a TV aberta.
Abujamra
–A Cultura, hoje, está aberta. Conseguiu esses comerciais assustadores (risos). Mas conseguiu comerciais que trazem dinheiro para eles contratarem pessoas e fazerem uma televisão Cultura com profundidade, beleza e a popularidade que a emissora exige. Vale a pena. É claro que todos os intelectuais dizem: "porra, as Casas Bahias... porra, não sei quem". O fato é que estão pagando mais gente, abrindo um campo de trabalho maravilhoso...

CONTATO – A estrutura melhorou para vocês?
Abujamra
– Eu nunca tive tanta liberdade na televisão como eu tenho na TV Cultura. Eu posso fazer o que eu quiser. Não me maltratam, não me machucam. Eles me dão tanta liberdade que me dá vontade até de me enforcar na corda da liberdade.


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