Tenho três filhos.
Dois são casados e um está prestes a se tornar
“homem sério”, por que será que
dizem assim, afinal, não há solteiros sérios
e todos os casados deixam de ser alegres? Bobagens à
parte, vale dizer que sempre gostei muito dos antropologicamente
chamados “rituais de passagens”, e, historiador,
tratei de exercer minhas funções fazendo para
cada noiva deles um álbum onde pudesse, de alguma forma,
apresentar nossa família e inscrever cada personagem
na vida parental de maneira a mostrar um projeto de vida com
o qual a pretendente deve dialogar. Emoções
à parte, trabalho hercúleo, garanto. Mas gratificante.
Além de fotos da trajetória dos avós,
reúno documentos como teste de gravidez, certidão
de nascimento, boletins escolares, desenhos, a primeira conta
bancária, multas de trânsito, enfim, tudo que
consigo. Com os dois primeiros obedeci ao mesmo método:
coleta de material, reprodução em xerox ou papel
fotográfico. Agora, porém, o mundo eletrônico
tanto avançou que me vejo perdido e mais, penalizado
com uma cobrança fatal: papai quero tudo igual aos
outros. Perplexo, me pergunto: mas, meu Deus, de que vale
tanto progresso na reprodução de CDs, fotos
digitais, cópias coloridas?
Ao buscar o farto material que guardei ao longo de anos vejo
que nem mesmo tantas mudanças de casas e mesmo de cidades
afetaram minha proposta de arquivista crônico. Tenho
um material enorme. E emocionante. Mas são tantos os
problemas para executar a tal tarefa que tenho como distrair
as lágrimas que sempre rondam minhas lembranças
ternas. E vou em frente vivendo histórias cheias de
detalhes que se evaporaram, tornam-se nuvens de um céu
claro e generoso.
Confesso que desta vez precisei de algumas pausas. Parei.
Tive que me controlar, pois o tempo curto e as pressões
pela realização de outras tarefas me assume
de maneira a impor uma racionalidade medida. Desviei minhas
leituras diárias, por exemplo, em busca de textos que
falassem de noivado, noivas e noivos. Precisava entender melhor
as práticas ritualísticas que ainda hoje presidem
tais eventos. Perdido na sondagem, lembrei-me de um velho
livro “A Cidade Antiga”, de Fustel de Coulanges,
escrito nos idos do século XIX sobre a antiguidade
clássica. Com voracidade achei um tesouro informativo.
Como estou preparando-me para o “pedido” foi por
ele que comecei e aprendi que, sob os preceitos gregos, o
cerimonial tinha que começar na casa da noiva. Ali,
o pai dela, em frente a testemunhas, dizia que dava a filha
ao noivo e que ela não mais pertencia àquela
família. Estava iniciado assim um processo sem volta.
Por sua vez, vestida de branco e com uma guirlanda de flores
de laranjeiras na cabeça, a noiva era conduzida até
o novo lar. Na nova casa, a noiva seria recebida pela família
do rapaz, mas de modo cerimonioso, pois supunha-se que o noivo
deveria mostrar um sacrifício para marcar o rompimento
dos pais dela. Então montava-se uma encenação
onde, teatralmente, o jovem representava o rapto da noiva
e para tanto deveria entrar com ela no colo em sua nova casa.
A fim de que não houvesse azar na união, outra
prática antiga repontava: o moço deveria entrar
com o pé direito e não pisar na soleira da casa.
Pensam que parou por aí? Ledo engano, pois dentro do
novo lar, os nubentes deveriam comer uma papa chamada panis
farreus, especialmente preparada para a ocasião. Pois
é, foi daí que surgiu a tradição
do bolo de noiva.
Fazendo um inventário disto tudo, concluo algumas coisas
óbvias e outras nem tanto: as tradições
são mais resistentes do que imaginamos, os cerimoniais
de matrimônio atravessam culturas, emocionam e impõem
valores que nos obrigam a respeitar o passado e propor futuros.
O que não é tão evidente é o desconhecimento
destas raízes que, afinal, governam nossas vidas com
pompas e circunstâncias.
|