Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy


Sebe Sebe faz uma profissão de fé: é possível sonhar com um mundo melhor, de igualdade, sem racismo e com solidariedade, na data em que se lamenta o cruel assassinato do Beatle que criou Imagine. É tempo de Natal.

Sim, acho chato citar coisas em línguas estrangeiras. Mas há algo em “So this is Christmas”, do insuperável John Lennon, que me faz ceder à tentação. Isto por dois motivos principais: a lembrança de sua morte dia 8 de dezembro de 1980 e a canção natalina que fez retomando a sua utópica esperança de um mundo melhor, de igualdade, sem racismo e com solidariedade.

Parece incrível, mas vinte e cinco anos se passaram desde o assassinato cruel do mais celebrado dos Beatles. Essa data foi chocante e para muitos significa um antes e um depois. Sempre me comovo com a recordação daquele dia e com as imagens trágicas estampadas em jornais do mundo todo.

Lembro-me também que, no ano 2000, eu estava em Nova York no dia 8 de dezembro e então vi, juntamente com uma multidão que não deixa de passar pelo local do crime nesse dia, na janela do apartamento, no Edifício Dakota em pleno Central Park, a viúva acendendo uma vela. Na mesma ocasião, a fim de reafirmar o sonho utópico de um mundo sem violência, Yoko Ono pagou por uma campanha contra o uso de armas de fogo. Os out-doors eram lindos, estampados com os dramáticos óculos do marido, lentes quebradas e sujas de sangue, e com o seguinte letreiro: “Mais de 676.000 pessoas foram mortas por armas nos Estados Unidos desde que John Lennon foi morto a tiros em 8 de dezembro de 1980”.

Confesso que um dos meus passeios favoritos sempre que volto a Nova York é visitar ainda que rapidamente o jardinzinho em sua memória no Strawberry Fields. Sabe, isto é como render homenagem ao grande sonhador que ousou verbalizar “Imagine”. Há mesmo algo de quase religioso nisto, posto ser um ato de memória e reflexão sobre a minha geração e o papel histórico de alguns de nossos ícones. Diga-se, tudo se justifica pela força da melodia utópica de Lennon, que sempre se mostrou mais resistente do que se esperava. E sua história pessoal prova isto. Abandonado primeiro pelo pai que nunca o reconheceu, depois pela mãe que o deixou com uma tia para trabalhar, ainda que ela o visitasse e fosse quem lhe ensinou as primeiras notas, Lennon nunca deixou de supor um mundo de harmonia.

Além do farto repertório solo ou em parceria, “So this is Christmas” é uma de suas canções que muito me enternece e que se mostra apropriada para os dias em que vivemos. Como uma prece, não se deixa corromper pelo tom comercial da celebração natalina esvaziada de espiritualidade. Claro apelo à paz, usando o calendário universal como motivo para a reciclagem de propostas afetuosas, assim declama: “So this is Christmas/And what have we done/Another year over/And a new one just begun/And so this is Christmas/I hope you'll have fun/The new dear one/The old and the young/A very merry Christmas/And a happy new year/Let's hope it's a good one/Without any tears/And so this is Christmas/For weak and for strong/For the rich and the poor ones/The world is so wrong/and so happy Christmas/For black and for white/For yellow and for red ones/Let's stop all the fight”.

Não vejo necessidade de traduzir a canção porque acho que todos entenderam. Mesmo os que não falam inglês. Também não tenho porque me alongar para dizer que outra vez é Natal e que devemos estar atentos à grandiosidade de pensar um mundo melhor, um mundo como sonhou John Lennon.

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© Jornal Contato 2005