CONTATO
– Poucas pessoas sabem que o sr. jantará com o presidente
Lula e a rainha Elisabeth II. Qual a razão do encontro?
Padre Fred - A visita oficial do presidente Lula, marcada
a convite da rainha, ocorre nos dias 7, 8 e 9 de março. Como
sou o capelão brasileiro em Londres recebi o convite oficial
do Palácio de Buckingham para um banquete de Estado na noite
do dia 7 e isso me deixou muito orgulhoso. Além disso, gosto
muito da rainha Elisabeth II porque ela é uma personalidade
marcante na Inglaterra.
CONTATO
- Essa admiração pela rainha influenciou sua ida pra
lá?
Fred - Acho que sim. Sempre quis aprender Inglês
por causa dela. Tenho impressão que essa semente, lançada
na minha juventude, pesou para que eu fosse à Inglaterra
quando precisaram de um padre que falasse Inglês. Fui escolhido
porque já tinha ligações com o país.
CONTATO
- Como surgiu a oportunidade?
Fred - Um padre jesuíta inglês que estudou
e morou no Brasil, ao voltar à Inglaterra, em 95, pediu às
autoridades [católicas] inglesas que fosse fundado lá
uma capelania para brasileiros católicos onde se rezasse
em Português. As primeiras missas foram realizadas por esse
padre. Porém, mais tarde, ele abandonou a batina. Daí,
os bispos ingleses mandaram ao Brasil um pedido e o meu bispo daqui
[Dom Carmo Rhoden] disse que eles estavam precisando de um padre.
Fui para lá em 2002. O fato de eu gostar da Inglaterra, da
rainha e já ter morado lá em 1970 pesou nessa decisão.
CONTATO
– Como vê casamentos “contratados” para
legalizar a situação de imigrantes?
Fred - Eu sou contra a palavra casamento nessas condições.
A palavra seria justamente “contrato”. Embora a igreja
tenha suas opiniões, acho válido porque dá
estabilidade à sociedade.
CONTATO
- Conduzir uma igreja católica num bairro mulçumano.
Isso muda algo?
Fred - Muda muito. Eu não posso sair de batina ou
colarinho para não ser hostilizado. Outro desafio é
conciliar a paróquia que agora voltou a ser freqüentada
pelos ingleses. Isso porque agora tem um padre que fala e celebra
missa em Inglês. A partir do meio-dia quem vai à missa
são os brasileiros que antes não freqüentavam.
Eles vêm atrás de emprego, de acomodação
e apoio. Seria interessante se houvesse um acordo entre a embaixada
brasileira e a igreja para atende-los.
“Não
posso sair de batina ou colarinho para não ser hostilizado”
CONTATO
- O sr. já sofreu alguma hostilidade?
Fred – Nunca. Mas meus antecessores sim. Desde cusparada
a socos nas costas. Fui avisado para andar incógnito, parecer
britânico, com chapeuzinho na cabeça. Só não
coloco cachimbo na boca porque não fumo.
CONTATO
- Como foi multiplicar o número de fiéis em 10 vezes?
Fred - Boca a boca. O que traz o fiel é a acolhida,
a simpatia. Além, é claro, da bondade dos brasileiros.
Comecei celebrar as missas e acolher, usando a linguagem deles.
Sem oferecer nada. Moro numa casa com 20 quartos onde não
posso colocar nenhuma pessoa para dormir uma noite sequer porque
ainda há o peso dessa infeliz realidade que é a pedofilia.
Por causa dos vários escândalos na igreja inglesa,
na igreja irlandesa, a respeito de padres pedófilos, a lei
proíbe que numa casa de padre inglês ou brasileiro
more qualquer pessoa que não seja da igreja. Se quiser se
hospedar lá na minha casa, antes, vai ter que mandar um dossiê
sobre seus antecedentes para que seja aprovado e more lá.
É uma exigência da coroa em cima de uma realidade triste
da igreja.
CONTATO
– Por que veio ao Brasil e quando volta à Londres?
Fred - Vim fazer tratamento dentário porque a terceira
dentição estava caindo. É impossível
você fazer tratamento dentário em Londres. Os dentistas
são todos particulares e caríssimos. Fiz orçamento
e ficou muito caro. Os bispos concederam-me férias extras
de 20 dias e passagens. Cheguei dia 8 de fevereiro e vou embora
no dia 5 de março.
CONTATO
- Quantas igrejas existem lá?
Fred – Brasileira só uma.
CONTATO
- E católicas?
Fred – Não sei. É uma Diocese bem grande.
Londres tem 7 milhões de habitantes. Existe um cálculo
de 400 mil católicos praticantes. A maioria ou é irlandesa
ou imigrante. O inglês é teoricamente anglicano, o
que é indiferente. A Inglaterra é um país ateu,
um país que não tem Deus. Ao voltar para Londres,
vou estar em processo de treinamento dos meus substitutos. Dois
padres irão me substituir. O meu contrato venceu e o meu
visto vence dia 22 de dezembro. É claro que pode ser renovado,
mas não há esse interesse uma vez que vão chegar
substitutos.
CONTATO
- Não estão cogitando a renovação do
contrato?
Fred - Estão. Eu obedeço dois bispo ingleses.
Um cuida de mim enquanto padre estrangeiro e outro cuida de mim
enquanto pároco da zona leste. Obedeço a esses dois
bispos. A sorte é que eles se entendem e não há
conflitos de autoridade. Os dois são muito bons para mim.
Eles querem que eu fique definitivamente. Mas não há
interesse porque eu gosto de Taubaté e eu tenho uma dívida
com meu bispo. Sou daqui e eu fui lá para prestar o serviço
que precisava ser feito. Cumpri minha missão e estou voltando.
“Fui
lá para prestar o serviço que precisava ser feito.
Cumpri minha missão e estou voltando”
CONTATO
- Pretende voltar quando?
Fred - O mais depressa possível. Assim que os dois
padres novos [Carlos Palácios e José Oswaldo] estiverem
com o treinamento completo e, por fim, dizer aos dois bispos ingleses
que eu preciso ir. Inclusive, vou pedir ao bispo Dom Carmo Rhoden
se ele pode me dar uma carta, um pedido para que eu possa chegar
lá entregar, me desligar e voltar. O bispo já tem
planos aqui em Taubaté para mim.
“O
bispo [Dom Carmo Rhoden] já tem planos aqui em Taubaté
para mim”
CONTATO
- É possível que o sr. volte antes do segundo semestre?
Fred - Acho que sim. O ideal seria no dia 1o de maio, dia
do aniversário da minha posse como pároco de lá.
Seria bem simbólico. Depois disso, quem sabe, uns dias de
férias. Mas a volta é imediata, se Deus quiser.
“Minha
volta é imediata, se Deus quiser”
CONTATO
– Quais seus planos futuros aqui em Taubaté?
Fred - O bispo quer que eu faça a parte artística
da Rádio Cultura. Lá tem dois padres que são
mais administrativos, mais teóricos. Então eles querem
que eu use toda minha “timidez” na parte artística,
para celebrar missas, entrevistar. Enfim, fazer a rádio mais
comunicativa, evangelizadora, atraente, mais atual. Estão
aumentando a potência e inaugurando uma torre. Embora seja
AM ela será mais abrangente. O bispo tem uma certa pressa
e por isso quero pedir essa carta.
CONTATO
– Padre, continuamos pedindo o essencial: pão para
quem tem fome, água para todos. Esse ano a Campanha da fraternidade
é pelos deficientes...
Fred - Bater no óbvio já é sinal de
sensibilidade. O que não funciona é que a campanha
é feita na Quaresma. Essa época é de via sacra,
confissão, é beijar o santo, acender vela, é
a tradição católica. Fiz uma missa ontem e
foi muito difícil pregar o evangelho da Quarta-feira de Cinzas,
quando abre a Quaresma, e encontrar algo sobre esmola, jejum, oração
e que coloca o deficiente físico no meio. Não sou
contra a campanha. Só acho que não funciona nessa
época. Nós, padres, acabamos ficando na via sacra,
que é importante, o tema da campanha se perde e o povo continua
sem pão.
“Não
sou contra a Campanha da Fraternidade. Só acho que não
funciona nessa época”
CONTATO
- Como repercutiu a morte do brasileiro Jean Charles lá na
igreja?
Fred - Só estando lá para explicar. Nenhum
brasileiro morreu, mas havia brasileiros no trem que acolhi na minha
casa e passei o dia cuidando. Vivemos um medo que não dá
para explicar. É como se estivéssemos em estado de
guerra. Cada turbante, cada vela é um inimigo em potencial.
Para me proteger eu ficava perto dos mulçumanos porque eles
não se atacam entre si. Duas semanas depois, quando a imprensa
disse “matamos um homem bomba”, nós vibramos.
Na tarde do mesmo dia a noticia de que era inocente. Ficamos com
dó do policial que fez aquilo. A policia inglesa não
está preparada para usar armas. No dia seguinte, um sábado,
os jornais anunciaram que o inocente era brasileiro. Estava todo
mundo com o nervo à flor da pele. O que nos irritou foi que,
dois ou três dias depois, o chefe da Policia Metropolitana
declarou que a vítima estava de jaqueta suspeita, pulou a
catraca, correu, não obedeceu a ordem para parar. Só
que o filme do circuito de televisão sumiu, todas as testemunhas
que estavam disseram que não aconteceu nada disso. Disseram
que ele pagou a entrada, que passou pela roleta, sentou do lado
de gente tão inocente quanto ele. E os policiais entraram
e o jogaram no chão e deram-lhe 9, 10, 15 tiros. A equipe
que pegou a defesa da família tem problemas, não é
uma equipe preocupada com o brasileiro. Jean Charles não
é uma bandeira. Eu conheci Jean Charles, ele freqüentava
a igreja. Escrevi para a rainha e ela foi muito gentil ao responder.
Ela mandou minha carta ao ministro do Interior que respondeu um
monte de blá-blá-blá. Isso me deixa triste
e, se terminar assim, o que vai ficar é a história
de que quem soltou a bomba em Londres foi um brasileiro.
CONTATO
– A visita de Lula pode contribuir com esse caso?
Fred – Não. Para mim essa visita vai ser um
tapinha nas costas para a situação não deteriorar.
Nem vão comentar, mas nas entrelinhas fica o recado: “você
comeu aqui em casa, olha como nós gostamos de você”.
Azar do Jean Charles.
CONTATO
- Como vê, principalmente em ano eleitoral, a utilização
da força da igreja por políticos para eleger candidatos?
Fred - Você está contando uma novidade. Força
da igreja católica? Não existe força alguma.
CONTATO
- Em Taubaté, por exemplo, há missas que reúnem
5 mil pessoas. Tem a Canção Nova, a Igreja Universal...
Fred - O dia em que a igreja católica, durante o
regime militar no Brasil, fez opção política
ela perdeu os fiéis. Quem engrossa a igreja evangélica
são os ex-católicos que se sentiram roubados da religiosidade
dentro da igreja católica. A igreja católica fez essa
opção. Essa esquerdização da igreja
durante o regime da repressão, que foi válido e oportuno,
fez com que muitos católicos debandassem para as igrejas
evangélicas. Elas são apolíticas, porém,
viraram partidos políticos. Existe a diferença de
fazer política e criar política. Você fala que
nós temos força, eu digo que não porque nós,
católicos, não temos a tradição de influenciar
o voto dos fiéis.
CONTATO
– Na sua opinião, a igreja se queimou quando setores
se declararam pró PT?
Fred - Sinto que a igreja se queimou quando fez a opção
partidária pelo PT porque muitos petistas não queriam
estar ligados a igreja. Mas, pós-eleição, todos
viram o que aconteceu, foi uma tremenda decepção.
O presidente, como não sabe nada, a gente não pode
culpá-lo, claro. É por isso que não dá
para ser padre e dizer que é desse ou daquele partido. Partido
é partido e a política é efêmera. A igreja,
quanto mais se cubanizava, mais os Estados Unidos influenciavam
para que houvesse igrejas americanas. Pode-se notar que a nossa
igreja evangélica tem o perfil americano, de paletó,
gravata e totalmente eletrônica. Só quem é cego
não vê. Eu digo que a igreja tem força, mas
é uma força não explicita. Não diria
força oculta, mas é uma força perigosa. Ela
tem que ser muito mais de influência das consciências
do que cabresto de decisão.
CONTATO
– A política permeou boa parte dessa conversa. A pergunta
que faço entao é a seguinte: é possível
ter fé na política?
Fred – Claro. É possível sim que a
gente tenha fé na política, não como se fosse
algo extrínseco, mas nos bons políticos. A política
é a arte de viver na cidade. Se não fizermos política
a gente não vive. É preciso que se faça a boa
política.
CONTATO
– O sr. foi colaborador de CONTATO entre 2003 e 2004. Qual
foi o motivo que o fez parar de escrever?
Fred – Depois que fui para Londres comecei a escrever
também para o Brazilian News, um jornal de circulação
local. Mas o bispo de Londres me disse que era perigoso emitir opiniões
sem antes ter um retorno e que isso poderia nos indispor com a comunidade.
O bispo pediu para que eu parasse de escrever. Começou pelo
CONTATO e, numa linha de coerência, parei de escrever nos
dois jornais.
CONTATO
– Gostaria de voltar a escrever para CONTATO?
Fred – Sim. Logo que estiver em Taubaté, escreverei
novamente. Aceito o convite, gosto muito do jornal e de escrever.
Podemos falar das “saudades de Londres”.
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