Por Paulo de Tarso Venceslau

30 metros de angústia sem fim
A indescritível tormenta diante de um grave acidente que pode envolver o filho e seus amigos. A eternidade de cada passo na direção dos carros que ardem em chamas.

Quarta-feira de cinzas. Praia de Itamambuca. A lua cheia reprime a maré e faz a areia dura e úmida invadir o mar. Cautelosos banhistas assediados pelos incautos de sempre buscam as ondulações próximas da zona de arrebentação, sem correr o risco de serem atropelados por uma prancha. O sol, as ondas para surfistas iniciantes e o reduzido número de banhistas indicam que o carnaval chegara ao fim. Até que enfim!!
O sol forte e direto espanta para os guarda-sóis os mais precavidos. Mães recolhem filhos menores. 10 horas é o limite para peles mais delicadas e pra quem não duvida que os buracos na camada de ozônio fazem dos raios solares uma perigosa ameaça para epidermes de qualquer idade.
Toca o celular; meu filho anuncia que está saindo de Paraty na companhia da noiva e mais um casal. Passariam por Itamambuca para um derradeiro banho de mar, antes de seguir para Sampa. Pelos meus cálculos, havia tempo para uma boa ducha antes de recebê-los. Vou ter de seguir a Paraty para recolher a tralha de viagem, inclusive o obediente Max, um cock spaniel cor de mel que fora deixado para trás.
Quase uma hora depois, tempo mais que suficiente para percorrer pouco mais de 60 quilômetros de rodovia Rio-Santos, não havia qualquer sinal dos jovens. A caixa-postal do celular indicava que eles se encontravam fora da área de cobertura. Por volta das 11h e 30m resolvi partir. Ir a Paraty, voltar a Ubatuba e seguir para São Paulo, na mesma tarde, e ainda sujeito a todos os desgastes provocados pelo excesso de veículos, não é o melhor programa para uma modorrenta quarta-feira de cinzas.
Saí com a certeza de que cruzaria com meu filho Pedro e seus amigos. Cruzei com carros muito parecidos de gente que fugia do sol quente. Outros queriam apenas assistir o último jogo antes da Copa da seleção canarinho.
Atento, não consegui localizar o carro. Cena que se repetiu na Rio-Santos até Ubatumirim, que fica pouco mais de 15 quilômetros de Itamambuca. Cena que se inverteu diante dos faróis que piscavam solidariamente para avisar, provavelmente, que havia um comando da Policia Rodoviária. A fumaça escura que subia no meio da estrada, porém, anunciava um grave acidente. Dois carros haviam se chocado de frente.
Parei a cerca de 30 metros dos carros que ardiam em fogo. Peguei o extintor e juntei-me aos voluntários que portavam garrafas metálicas vermelhas idênticas. Assim que coloquei os pés no asfalto uma pergunta tomou conta de mim: Será o carro do Pedro?
Mais alguns passos, o dilema aumentou. Um jovem loiro, muito jovem, com cabelos cortados a estilo punk, jazia desfalecido no acostamento. Não era conhecido. Um dos carros era de Divinópolis, MG. Mas o outro era preto, de São Paulo e do mesmo tipo do carro onde meu filho deveria estar. Ou seria um modelo parecido?
Alguém grita “Não tem mais ninguém dentro dos carros”. Outro voluntário emenda: “Os carros podem explodir!!” Ninguém se importa. A solidariedade fala mais forte. Ataco o fogo com a única arma que dispunha. Na segunda vez, o extintor já não tem mais carga. O mesmo acontece com os dez ou quinze outros que tentam debelar o incêndio. As chamas são enormes. O calor insuportável aumenta ainda mais o desespero e o sentimento de impotência. E eu, tomado também pelo medo, não quero ver os feridos (?). Prefiro apenas conferir o número da placa e convencer-me que não se trata do carro que procuro.
Com dificuldade, passo pelos veículos que ardem. Não conheço nenhum dos três jovens desacordados, muito feridos e queimados que aguardam um socorro que nunca chega. Os celulares não funcionam; estão fora da área de cobertura. Ninguém sabe o que fazer com os feridos que sangram desacordados. O jovem punk é retirado para mais longe. Uma explosão seria fatal.
Chega a Polícia Rodoviária Federal. Não há o que fazer até a chegada do resgate que rapidamente remove todos os feridos que mal dão sinais de vida. O tráfego se restabelece. Meu coração bate menos apressado. Celular na mão, encosto o carro assim que ele registra sinais (de vida?). Falo com Itamambuca. Pedro havia chegado e não sabia de nada.
Minha alegria dura pouco. Não consigo esquecer as imagens daqueles jovens, muito jovens, feridos e nem imaginar a dor dos seus pais ao receberem a notícia. Um sofrimento muito maior do que percorrer os 30 metros de eternidade que me separavam dos carros em chamas.

 

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