CONTATO – Por que o interesse pela Igreja Santa Terezinha?
Galvão Salles
– Sempre gostei dessa igreja. Mas quando entrei na faculdade de Arquitetura da UNITAU, achei interessante pesquisa-la, mas caí do cavalo porque na cidade não tinha informação sobre o assunto. Quase ninguém sabia de nada, nem o próprio padre da época. Colhi muitos dados em jornais antigos e entrevistas com pessoas da cidade que viveram naquela época. Apresentei esse trabalho, em 84, para concluir a faculdade. De lá para cá, não parei mais de pesquisar.

CONTATO – O senhor já tinha alguma relação com a igreja?
Salles
– Sim. Sou nascido e criado em Taubaté, batizado e crismado nessa igreja. Sempre morei próximo da igreja. Fiz primeira comunhão e fui coroinha da igreja. Ela é um marco de Taubaté, um marco turístico e religioso. Fiquei espantado quando fui saber detalhes da construção e ninguém sabia de nada. Foi ai que surgiu o desafio.

CONTATO – Onde foi buscar informações?
Salles
- Sai pesquisando o pessoal antigo e jornais da cidade. Procurei pessoas que tinham fotografias. Há 27 anos, quando comecei pesquisar, alguns ainda estavam vivos, mas hoje já morreram todos. Foi um trabalho espontâneo. Eu não estava preparado, não era um investigador de polícia para fazer aquilo, mas foi aí que despertou a curiosidade.

CONTATO - Na faculdade já havia algo do gênero?
Salles
- Não. Até hoje a única pesquisa que existe no Departamento de Arquitetura da UNITAU sobre a igreja Santa Terezinha é essa que fiz. Depois, ninguém mais se dedicou ao tema. Portanto, todos os dados estão comigo.


Camilo e Joaquim Quintilha, pai e filho , trabalharam na primeira fase da obra entre 1923-1941; e a reprodução da foto de 1925

“A única pesquisa que existe no Departamento de Arquitetura da UNITAU sobre a Igreja Santa Terezinha é essa que fiz”

CONTATO – O que os jornais da época noticiavam?
Salles
- A imprensa escrita sempre noticiava as coisas da igreja. Ela era um marco e, quando foi construída, foi considerado o maior prédio da época em comprimento e altura. Sempre teve notícia, mas as coisas estavam espalhadas. Também tinha notícia que não saía no jornal. Pequenas coisas como, por exemplo, aquisição de peças sacras, não eram noticiadas. A parte arquitetônica, móveis, banco, portas, janelas, essas coisas não saíam no jornal. Foi difícil colher esses dados inclusive com a igreja. Hoje, tudo o que os seus olhos alcançarem dentro e fora do santuário eu tenho catalogado.

CONTATO - De que ano é a construção?
Salles
- Em 7 de junho de 1923 foram feitos os primeiros alicerces. Tenho documentos que provam isso. Além disso, posso afirmar que a Igreja Santa Terezinha, em Taubaté, é a primeira construção do mundo, ou seja, é a primeira igreja do mundo feita para Santa Terezinha fora da França, seu país de origem. É um dado muito impressionante. O taubateano não tem noção disso. Imagine uma santa francesa que morreu em 1.897 e, em 1923, ou seja, 26 anos depois, um povo do outro lado mundo, aqui em Taubaté, construindo o maior prédio da cidade para essa santa numa época que não tinha internet.

“A igreja, em Taubaté, é a primeira construção do mundo feita para Santa Terezinha”

CONTATO – É uma réplica da igreja de Lisieux...
Salles
- Isso. Guardando as proporções, é uma réplica da igreja de Saint Pierre, na cidade de Lisieux, igreja que a Santa Terezinha freqüentava.

CONTATO - A de Taubaté é menor?
Salles
- É bem menor e é de tijolo. Lá na França, a igreja é de pedra. Mas, se comparar a parte interior da igreja de Saint Pierre com a daqui de Taubaté, você vai não vai saber qual é qual.

CONTATO - A construção deve ter sido bem complexa à época...
Salles
- Sem dúvida. A construção teve início em 1923 e foi aí até 1953. Foram 30 anos para ficar do jeito que está hoje. Só que a torre ficou bem menor, não está de acordo com o projeto original. Outro dado interessante é que a construção começou em 7 de junho de 1923 e, em dezembro, já tinha evento dentro da igreja. Mesmo sem o forro, sem o teto, sem piso, sem nada.

CONTATO – Quem teve a iniciativa de construir a igreja?
Salles
– Foi o primeiro bispo de Taubaté, Dom Epaminondas Nunes de Ávila e Silva. Ele ficou doente em 1916 e foi se tratar na capital que, na época, era o Rio de Janeiro. Lá, ele pediu ao seu secretário que comprasse um livro sobre Santa Tereza D’ávila. Só que o secretário se enganou e comprou o livro errado, que falava de Santa Tereza de Lisieux. Mesmo assim, Dom Epaminondas leu, gostou e pediu a graça da cura. Depois de se recuperar, ele voltou para Taubaté para divulgar a santa e teve a idéia de construir no Largo da Contagem, também conhecido na época como Largo da Forca, uma capela para essa freira que fazia muitos milagres. Ele divulgou tão bem que ao invés de sair uma capela saiu o maior prédio e a maior igreja da cidade.

CONTATO - Por que 30 anos para construir a igreja?
Salles
– Entre 1923 e 1926 havia muita ajuda da população e da prefeitura. Mas como a igreja era muito grande e rica em detalhes, depois de 1930 a construção continuou de maneira lenta, por ser grande e cheia de detalhes.

CONTATO - Quem construiu?
Salles
- Artur Afonso Guilherme pai e o filho dele que, acho, se chamava Afonso. Eles projetaram. Só que não houve acordo financeiro entre eles e a Cúria Diocesana. Então, a construção foi dada para o Camilo [Gomes Quintanilha], foi ele quem levantou a igreja. Foi o grande mestre de obras. Era um senhor humilde, muito simples. Não tinha estudo algum e construiu a Igreja Santa Terezinha maravilhosamente. Construiu bispados, ampliou o Hospital Santa Isabel, trabalhou em muitas cidades da região.

CONTATO – Ele não conseguiu terminar a igreja?
Salles
– Não, porque faleceu em 1941 após um enfarte. A construção da torre ficou 11 anos parada [quando] a Diocese contratou a Companhia Trivial para terminar. Só que, depois de 11 anos, já tinham perdido a planta original. Aí fizeram uma torre duas vezes menor, com bico de lata e não com alvenaria como estava no projeto. Na verdade, a igreja não está totalmente terminada.


interior da igreja em 1924 1925

CONTATO - A construção manteve o projeto original?
Salles
- Não. Pelo projeto, a torre teria 60 metros de altura. Só que ela tem cerca de 30 metros. Se for analisar, é um prédio de 20 andares. Era muita coisa para a época. Havia um certo medo. Dá para entender os construtores daquela época. Hoje um prédio de 20 andares já é algo de porte, imagine antigamente.

“Pelo projeto, a torre teria 60 metros de altura. Só que ela tem cerca de 30 metros”

CONTATO - Em quantas fases se dividiu a construção?
Salles
- A primeira fase foi de 1923 a 1940, com o seu Camilo Gomes Quintanilha. Depois, teve uma fase rápida de uns dois anos com o filho do seu Camilo que assumiu. A terceira fase foi com a Companhia Trivial, de 1943 a 1953.

CONTATO - A igreja de Taubaté é a primeira do mundo em homenagem à Santa Terezinha?
Salles
- Não era esse o objetivo principal, mas consegui documentos que provam o dia da abertura do alicerce da igreja, o inicio da construção, em 7 de junho de 1923. Nas pesquisas, com a vinda da internet, fiquei impressionado em saber que essa igreja é a mais antiga do mundo construída para Santa Terezinha. Não existe nada no mundo mais antigo. Foi catalogado, na França, que a primeira igreja de Santa Terezinha fica em Paris. Só que o início da construção é de 1924, ou seja, um ano depois da nossa. Importei livros e catálogos das primeiras igrejas de Santa Terezinha no mundo e consegui, com esses documentos e a pesquisa, a prova de que Taubaté possui a primeira igreja do mundo em honra a Santa Terezinha. É um dado importante que o povo de Taubaté não sabe valorizar, principalmente os prefeitos da cidade que nunca souberam valorizar o tesouro histórico, religioso e turístico que eles têm nas mãos. Se o prefeito da cidade soubesse explorar que Taubaté possui a primeira igreja do mundo em honra à Santa Terezinha, uma das santas mais conhecidas no mundo, imagine o turismo que isso geraria. É uma pena que até hoje não surgiu um prefeito que pudesse levar isso para frente.

“Foi catalogado, na França, que a primeira igreja de Santa Terezinha fica em Paris. Só que o início da construção é de 1924, ou seja, um ano depois da nossa (...) a primeira igreja do mundo em honra a Santa Terezinha”

CONTATO – O sr. procurou a Cúria para tentar oficializar isso?
Salles
- Mandei toda documentação para a França e não tive resposta. Isso foi há 10 anos. Para mim, foi até bom porque quem cala consente. Mandei para o Carmelo de Santa Terezinha, mandei para o bispo da cidade de Lisieux, mas eles simplesmente se calaram. Já mostrei à Cúria Diocesana, ao bispo Dom Carmo Rhoden e ele não levantou uma palha por isso. Acho que ele não é muito ligado nessa parte histórica e arquitetônica. Marquei um encontro e levei o trabalho, mas ele [Dom Carmo] não valorizou. Foi logo quando veio para Taubaté. O Dom Antonio, o bispo anterior, se interessou muito, mas na época era muito difícil imprimir porque tinha muita documentação e fotos e por isso não deu certo. Ainda me correspondo com o Carmelo lá da França, mas quando toco nesse assunto, não tenho resposta. Qualquer outro assunto tenho resposta, menos esse. O Carmo de Lisieux é o Carmelo que a Santa Terezinha freqüentou.


Vista aérea da Igreja Santa Terezinha

“Mandei a documentação para a França e não tive resposta. Mandei para o Carmelo de Santa Terezinha e para o bispo de Lisieux, mas eles simplesmente se calaram (...) mostrei ao bispo Dom Carmo Rhoden e ele não levantou uma palha por isso”

CONTATO - Procurou a prefeitura ou o Ministério da Cultura?
Salles
– A prefeitura, na gestão do Antônio Mário Ortiz, se interessou. A única coisa que foi feita foi o tombamento do prédio [como Patrimônio Histórico] pela prefeitura, obtido depois que usaram o trabalho que fiz.

CONTATO - Que interesse o sr. tem nisso?
Salles
- Já fui muito beneficiado pela santa. Não tenho interesse e sim gratidão. Desde quando comecei pesquisar já recebi muito da santa. Faço esse trabalho por devoção e gratidão. Não tenho interesse comercial algum.

CONTATO – Como foram levantados os recursos para a construção?
Salles
- Tudo por doação. O mais interessante é que, parte da doação em dinheiro, o Dom Epaminondas mandou para o Rio de Janeiro para ajudar na construção do Cristo Redentor. O cartão postal do Brasil teve ajuda financeira do povo de Taubaté e da Região que doou tanta grana para a construção da igreja da Santa Terezinha. Posso dizer que, pelo menos, um braço do Cristo Redentor foi construído com o dinheiro do povo de Taubaté.

“Parte da doação foi para o Rio de Janeiro para ajudar na construção do Cristo Redentor. Posso dizer que, pelo menos, um braço do Cristo foi construído com o dinheiro do povo de Taubaté”


CONTATO - Em que época aconteceu isso?
Salles
- Entre 1923 e 1925. A construção do Cristo Redentor também foi uma obra que teve muito trabalho, por isso teve muita campanha de arrecadação [de doações] e o povo de Taubaté ajudou. Dom Epaminondas tinha um amigo intimo no Rio de Janeiro, que era o Dom Sebastião Leme, arcebispo do Rio de Janeiro que, naquela época, era a capital do país.

CONTATO – Em que ano Taubaté recebeu a visita da urna com os restos mortais de Santa Terezinha?
Salles
– Foi em 1998. A urna rodou o país durante o ano todo. Em Taubaté, a urna ficou três dias, na Diocese. Isso foi um marco para a cidade.

CONTATO - Fez algum pedido à santa?
Salles
- Quando ela esteve em Taubaté fiz um pedido porque eu tinha muita pesquisa e pouca prova documental. Pedi apenas uma prova. Eu queria provas materiais para minha pesquisa, que era baseada em entrevistas. Ou seja, na base da fé do que a pessoa falava. Só que 10 dias depois que a urna veio para Taubaté descobri no interior de uma parede da igreja uma caixa com tudo registrado, catalogado, carimbado, tinha tudo sobre a construção da igreja. Tava tudo lá: piso, forro, parte sacra, parte arquitetônica, relíquias, bancos, janelas, portas, tijolos. Tudo catalogado direitinho. Hoje eu posso provar com esses documentos todos os dados arquitetônicos, históricos e religiosos da Igreja Santa Terezinha de Taubaté.


Professor Galvão Salles e, ao fundo, nave principal da Igreja Santa Terezinha Taubate

CONTATO – Que tipo de documento havia?
Salles
– [Havia] notas fiscais de compra, de pagamentos de pedreiros, pagamento de empresas. Toda a transação de compra, por exemplo, quando o sino veio da Alemanha. Quanto custou o sino, em que navio ele veio, o pagamento, as notas e recibos. Tenho toda essa documentação. Foi um presente que Santa Terezinha me deu.

CONTATO – O sr. disse “nós encontramos”. Nós quem?
Salles
- Agora você me pegou. Fico um pouco constrangido ao falar isso porque é uma coisa de fé. Fiz esse pedido logo no primeiro dia quando a urna veio. Depois de alguns dias, sonhei com um local na igreja e fui falar com o padre da época. Quando chegamos no local que havia sonhado era uma parede e eu tirei a idéia da cabeça. Só que coincidiu que o interior da igreja estava sendo pintado e o rapaz, o pintor, escutou essa minha conversa. Depois, ele apareceu em casa e disse que tinha ficado encucado com aquela parede que fica no fundo da igreja onde tem a escadaria para subir para a torre fui e quebrou tudo. Essas paredes têm mais de 1 metro de largura. Disse que tinha encontrado uma caixa lá. E disse para eu ir até lá ver a tal caixa. Era uma caixa de papelão muito bem embalada. Tiramos lá de dentro com toda a documentação. A marca da parede quebrada está lá até hoje. Pelas minhas pesquisas, essa caixa estava lá desde 1940 e nós achamos em 1998. Santa Terezinha nos deu esse presente.

CONTATO – A caixa foi encontrada quantos dias depois do sonho?
Salles
- Uns 10 dias. Foi como se tivéssemos achado um tesouro. Comecei a pesquisa em 79 e fomos achar essa documentação em 1998. O mais interessante é que o primeiro padre da igreja, o padre Cícero de Alvarenga, não lembrava disso aí. Se ele soubesse dessa documentação na parede, ele falaria porque ele me ajudou muito nas pesquisas. Até hoje fico imaginando quem colocou isso na parede. Talvez o seu Camilo Gomes que foi o construtor, mas eu não sei. Sei que foi um presente para a gente.

CONTATO – Esses documentos provam que esta é a primeira Igreja de Santa Terezinha no mundo?
Salles
– Sim. Neste material tem todos os dados do início da construção. No Rio de Janeiro, por exemplo, tem a Basílica da Tijuca que se propõe ser a primeira igreja do mundo feita para Santa Terezinha. Mas estive lá pesquisando e descobri que foi iniciado em 1925 ou 1926. São Paulo também tem uma igreja bem antiga de Santa Terezinha, datada de 1925, e tem a de Paris, que é de 1924. Tem uma da Alemanha datada de 1925. Mas a de Taubaté é de 1923. Isso está documentado. As demais igrejas não têm esses documentos.

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