Você
sabe o que é Jamelão? É possível
que a resposta seja negativa quando se refere a uma fruta
muito doce, branca por dentro e escura por fora. Mas se
a pergunta for um pouco diferente, assim: você sabe
quem é Jamelão? As chances de respostas positivas
aumentam e muito, pois ele é o cantor incrível,
de quase 93 anos de idade e a maior figura de sambista da
história do carnaval brasileiro. E não há
exagero nisto. Nenhum.
A novidade é que o tal Jamelão é um
dos frasistas mais agudos de nossa cultura. Conhecido por
suas respostas contundentes, ele é famoso pelas tiradas
rápidas e sempre inteligentes, ainda que às
vezes mal humoradas. Aliás, certa feita em entrevista
à Folha de São Paulo questionou-se o porquê
dele ser sempre carrancudo, ao que se ouviu “ué?
Rir de quê?”. Outra passagem soberana se deu
quando contestou a pergunta sobre gostar de ser “puxador”
de samba. Irritado, o dono da voz mais metálica do
Brasil disse: “puxador, eu? Puxador é quem
fuma maconha ou rouba carro. Eu sou intérprete”.
Talvez esta aparente arrogância tenha explicação
na vida do menino que nasceu com o nome de José Bispo,
pobre do bairro de São Cristóvão, e
que foi: engraxate, vendedor de jornal, feirante, contínuo,
tocador de tamborim e cavaquinho nos subúrbios cariocas,
gerente de casa de gafieira, e que, desde os 15 anos, participou
como ritmista da Estação Primeira de Mangueira.
Apenas conheceu algum sucesso depois que virou um dos mais
prestigiados crooners da não pouco conhecida Orquestra
Tabajara. Diga-se que seu sucesso veio mais pela aceitação
no exterior do que propriamente no Brasil, onde, quiçá,
não fosse pela sua amadíssima verde e rosa
e pela flêugma de cantor de músicas de fossa
ele sequer se manteria.
Uma faceta pouco revelada de Jamelão é a consciência
de seu papel social. Negro assumido e crítico do
mito da democracia racial, uma de suas mais agudas observações
revela que “o artista negro sempre encontra uma barra
mais pesada. No meio musical todo mundo quer o crioulo,
mas para fazer figuração, para tocar pandeiro
e agogô e as mulatas para sambar. Para ser estrela
não serve, tem de ser branco e de preferência
boa pinta. Não grito contra isso porque sei que as
pessoas que hoje me desprezam amanhã vão me
amar. Mas já fui deixado de lado em função
de outros caras só porque eles eram brancos”.
Seria, contudo, errado perceber apenas seu lado zangado.
Em momentos precisos, sem perder jamais a postura de quem
ostenta a própria história para dizer alguma
coisa, Jamelão faz comparações preciosas.
Recentemente, duas frases suas ganharam os noticiários.
Uma primeira sobre o álcool onde dizia em entrevista
à Rádio Jovem Pan “eu bebo! Porque há
o que bebe e a turma que toma. Eu sou da turma que bebe
porque não tomo nada de ninguém”. Em
outra situação, em pleno desfile de modas,
referindo-se às modelos declarou “há
quem goste das magras e há quem goste das gordas.
Eu gosto de todas”.
Mas é preciso reconhecer a qualidade musical de Jamelão.
Como intérprete, começou em 1954 quando as
gravações de “Folha Morta” (Ari
Barroso) e “Leviana” (Zé Kéti
e Armando Reis) o fizeram líder das paradas de sucesso.
Mas talvez sua consagração definitiva tenha
vindo dois anos depois quando identificado de corpo e alma
gravou a antológica “Exaltação
à Mangueira” (Enéias Brito e Aluísio
Augusto da Costa), feita para o desfile daquele ano. Para
mim, particularmente, a voz de Jamelão foi eternizada
em 1959, na gravação de "Ela Me Disse
Assim” de Lupicínio Rodrigues. Convém
lembrar que em 1972 o sucesso do LP “Jamelão
Interpreta Lupicínio Rodrigues” e que em 1987
ele repetiu a dose com o precioso “Recantando Mágoas
- A Dor e Eu”.
Hoje não se sabe se Jamelão é do público
ou o público é de Jamelão. Quando,
no carnaval de 1990, disse que não mais participaria
dos desfiles, ele lançou a sentença fatal
“Queria agradecer a toda a escola, à bateria,
maravilhosa. Estou encerrando aqui meu trabalho como intérprete
de samba-enredo.” Muita gente chorou. Mas, felizmente,
ele voltou no ano seguinte e segue até hoje.