Acompanho
com interesse sociológico o debate ou melhor a quase
guerra, entre a as marcas “Daslu” e “Daspu”.
Confesso, contudo, que há algo que supera a interpretação
intelectual desta querela que, em últimas análises,
extrapola a racionalidade e convoca o pitoresco. Pois bem.
Convidado por um casal de amigos para fazer uma necessária
“pesquisa de campo”, recebi as instruções
para tal aventura. Estranhei em primeiro lugar ao ser avisado
que iríamos de táxi, mas concordei rapidinho
quando soube que lá o estacionamento custa R$ 40,00
por hora. Como é fácil supor que pouco tempo
não dá para percorrer o largo espaço
daquele fantástico local, anui com complacência
e depois de discutir sobre a inutilidade da decisão
de ser táxi comum ou especial, como íamos
repartir todas as despesas, achamos que seria mais de acordo
um rádio táxi daqueles mais caros. Foi horrível,
chamamos mais a atenção e notamos que seria
mais chique ter optado pelo comum como muitas madames faziam.
Antes
de sair, recebi instruções variadas sobre
como me vestir. Tratava-se de uma averiguação
para comprovar se estaria adequadamente trajado. Sim, fui
informado de que a roupa era essencial, pois não
deveria destoar dos demais fregueses e circular com naturalidade.
Aliás, cabe dizer que as regras sugeridas eram claras:
traje convencional, mas que fugisse do tipo “clássico
demais” (calça escura/camisa clara; camisa
escura/calça clara, aliás, soube que calça
preta e camisa branca era estritamente proibido pois poderia
ser confundido com os garçons ou pingüins) e
mais, teria que tomar cuidados extremos para não
esbarrar em riscos (tipo calça bege e camisa marrom).
A melhor indicação seria jeans com camisa
branca. A amiga que comandava a curiosa excursão
garantia que assim “não tem erro” e como
a última coisa que eu queria era chamar a atenção,
combinei o jeans azul claro com a tal camisa de cambraia.
Eu e mais uns cem homens que estavam lá. Devo também
garantir que vestido de tal jeito entendi os “modelitos”
da Heloisa Helena.
Lógico,
a visita foi demorada. Andar por andar, sessão por
sessão, grife por grife, percorremos todos os recantos,
mas, foi no cafezinho que resolvemos avaliar a investida.
Deslumbrada, a amiga achou que tudo era mesmo um luxo e
que tinha gostado mais da parte relativa aos “complementos”
que classificou de “único no Brasil”.
O companheiro, surpreendentemente declarou que seu maior
agrado foi o banheiro que além do bom gosto, da limpeza
e da qualidade das toalhas de mãos, mais parecia
um jardim de inverno. Para mim, o item mais assustador foi
a segurança e explico-me: esperava que depois de
passar pelo controle da entrada e superado o pelotão
da porta de acesso (que também fiscalizava a saída,
obviamente), nas demais dependências, deveria estar
livre daqueles enormes senhores de ternos pretos, aparelhos
de escutas e caras de maus. Balanços à parte,
passada a farra da visita, meditando melhor, creio que a
mais eloqüente sensação por que passei
foi a retomada do velho filme, de 1961, Bonequinha de Luxo,
protagonizado pela atriz Audrey Hepburn. Como alguns podem
se lembrar, além do título em inglês
“Breakfest at Tiffany’s”, o filme tratava
da história de Holly, uma garota de programa, nova-iorquina,
que derivava suas agruras diárias tomando café
da manhã em frente à joalheria famosa. Mas
o filme não me veio à cabeça apenas
por causa da “Daslu”. Não. Pelo contrário,
foi por causa da “Daspu” que me lembrei e então
pude atualizar minha visão sociológica que
mostra a esperteza das modelos que se valem do comércio
do corpo e que se apropriaram da marca da elite para bradar
a favor do direito de ter moda, mostrar os dramas de nossa
sociedade e não negar o toque de humor dado à
velha luta de classes. E cá entre nós, para
ver as garotas da “Daspu” é muito mais
fácil: não preciso decidir sobre roupas convenientes,
nada de alugar táxis, ensaios e discussões
prévias sobre comportamento. É só sair
às ruas e celebrar a democracia que, por mais injusta
que seja, pelo menos, não é hipócrita.