Sexta-feira,
dia 7 de abril, Taubaté recebeu um prêmio.
Ou melhor, dois. Marisa Lajolo proferiu uma palestra sobre
Monteiro Lobato na Câmara Municipal. Nada poderia
ser mais apropriado: a maior especialista em literatura
brasileira falando do autor que mais gosta. Não bastasse
o entusiasmo da professora da UNICAMP pela seara da crítica
literária, ninguém no Brasil conhece tanto
a obra Lobateana como ela. Suas recentes pesquisas a levaram
para os Estados Unidos onde vasculhou documentos afeitos
a presença do nosso taubateano enquanto Adido Comercial
em Nova York, entre 1927 e 1931. Com isto, busca-se reinventar
um Lobato que fuja dos padrões exaustos do mesmismo
temático a que tem sido submetido.
Mas,
o que tem a ser dito sobre Lobato? Pessoas que fogem do
lugar comum respondem que praticamente tudo está
por ser revelado. É preciso virar o padrão
analítico que se exaure em elogios fugazes e propor
originalidades na abordagem de uma biografia que vale contemplações
distintas. E não faltam documentos dele e sobre ele.
Como poucos autores, Lobato tem sido visto sob a ditadura
de alguns clichês que deprimem o seu significado como
pessoa humana. Ao supervalorizar alguns ângulos –
sempre os mesmos – de sua formidável trajetória,
o que fica visível é um pedaço do homem
público, do escritor de contos infantis, do regionalista,
do lutador pelo petróleo nacional, do anti-modernista.
Esta construção heróica, contudo, promove
equívocos e desvios que deformam a grandiosidade
de um personagem que seria mais apreciável se mostrado
em sua integridade. Lobato foi pessoa de muita contradição.
Seja em matéria literária, política,
social ou religiosa, poucos como ele foram tão plenos
de idas e vindas, contornos com arestas não desbastadas,
desmentidos que até clamam ironias. E, diga-se, isto
não é mau. Vejamos alguns aspectos deste homem
fascinante.
Talvez
o melhor texto da chamada “obra adulta” de Lobato
seja o “Choque das raças” ou “Presidente
Negro”. No entanto, este é seu trabalho menos
divulgado. Claramente conservador, em termos políticos,
Lobato é apontado como progressista e pelas aproximações
de conveniência com o Partido Comunista, foi considerado
subversivo. As variações filosóficas
de Lobato vão lisamente desde a exaltação
de Friedrich Nietzsche a Henry Ford e isto passa batido
pelos que o vêem como grande nacionalista. Em termos
religiosos nem se diga. Pode-se afirmar que era agnóstico,
mas não deixava de revelar simpatias por uma Mesa
Branca. Pena que estas “variações”
nunca sejam expostas porque junto com este “ocultamento”
sepulta-se também o cidadão comum que ele
foi. É possível que esta mania de fazê-lo
herói sem contradições o faça
menos simpático do que seria. Na mesma linha, o parcelamento
de sua atuação – como escritor, político,
homem público – se explica pela lógica
desta deificação tola.
É
exatamente nesta senda, na busca da normalidade do “anormal”,
que se pode operar na busca de um Lobato mais terno, menos
monumental e por isto mais próximo. Brada-se contra
a repetição ad nauseam de um Lobato quase
mártir da sociedade civil. Propõe-se em troca
um ser com fraquezas como muitos outros, alguém capaz
de dizer coisas como "Escrever bem é mijar.
É deixar que o pensamento flua como a vontade da
mijada feliz" (fico sempre me perguntando porque este
autor de tiradas geniais nunca é mostrado). É
este Lobato que merece ser ressuscitado e visto como gente.
Um dos mais magníficos trabalhos que Marisa Lajolo
apresenta é a recriação do entorno
do escritor com seu mundo imediato, doméstico. Nesta
linha, aliás, a valorização de dona
Purezinha, a esposa sempre tão esquecida de Lobato,
é uma das páginas recuperada na vida dele
e de seus familiares.
Marisa
Lajolo tem sido feliz em suas buscas. Merecidamente, ela
conseguiu para a UNICAMP, com financiamento da FAPESP para
o trato arquivístico do riquíssimo arquivo
e coleção de objetos de Lobato, uma doação
de fazer inveja a qualquer lugar. A fantástica coleção
de aquarelas, alguns poucos óleos, as séries
de valiosas fotos, tudo enfim que a família guardou
está sob a tutela do centro que Marisa comanda e
anima com pesquisas do melhor quilate acadêmico. E
o mais surpreendente: o material está sendo disponibilizado
para o público em geral. Este trabalho, aliás,
notabiliza Marisa Lajolo e a UNICAMP pela generosidade intelectual.
Certamente, logo os estudos sobre o grande taubateano serão
diversificados e menos simplistas. Tomara que nossos conterrâneos
se coloquem na fila dos que saberão ver mais e melhor
quem saiu de sua terra e até o presente não
mereceu estudos adequados de seus patrícios.