Por Paulo de Tarso Venceslau, Marlon Maciel Leme e Jorge Fernandes

Vergonhoso. Essa é a definição mais próxima do episódio protagonizado por sete dos 14 vereadores na noite de terça-feira, 25, que votaram contra o pedido de abertura de uma CEI (Comissão Especial de Investigação) para apurar irregularidades cometidas pelo chefe de Gabinete do prefeito de Taubaté Roberto Peixoto (PSDB), Fernando Gigli Torres. O caso foi publicado com exclusividade por CONTATO (edição 262).
Luizinho da Farmácia (PDT), Chico Saad (PMDB), Carlos Peixoto (PSC), Valdomiro Silva (sem partido), Maria das Graças (PTC), Rodson Lima (PSC) e Ary Kara Filho (PTB) são os nomes dos vereadores que terão seus nomes inscritos no aterro sanitário.
Jeferson Campos (PT), Pollyana Winther (PPS), Orestes Vanone (PSDB), Ângelo Filippini (PSDB), Maria Gorete (PSDB) e Maria Teresa Paolicchi (PSC) são os vereadores que resistiram à pressão feita abertamente pelo Executivo para que aderissem à pizzaria do Palácio Bom Conselho.
A “vitória” da base aliada chegou com o gosto da derrota. O Ministério Público já dá sinais de que esses descaminhos administrativos podem estar com os dias contados. A milionária pirataria intelectual praticada pelo Palácio Bom Conselho foi denunciada pelo Ministério Público por meio do promotor José Carlos Oliveira Sampaio. O MP confirmou as acusações de plágio que recaem contra o livro 'Taubaté: Cidade Educação, Cultura e Ciência', adquirido sem licitação pelo governo Roberto Peixoto (PSDB) em julho do ano passado por R$ 1.575.000,00 junto à editora Noovha América, de São Paulo.


A escandalosa e igualmente milionária compra de apostilas por R$ 33,4 milhões com dinheiro do governo federal e o abandono de milhares de livros didáticos fornecidos pelo Ministério da Educação entraram na mira do MP graças a representação corajosa feita pelo vereador e professor Jeferson Campos (PT), inconformado com os graves equívocos por parte da administração municipal.
Mais recentemente, flagrado com dinheiro não contabilizado para pagar um compromisso assumido pela prefeitura, Fernando Gigli Torres não sabe mais o que inventar para justificar o injustificável: o crime de operar caixa 2 na prefeitura de Taubaté deixou de ser pontual para se transformar em um crime sistêmico. Pelo menos é essa conclusão que se chega quando se comprova que nesse episódio estão envolvidos pelo menos três figuras de primeiro escalão: o prefeito que sabe mas consente, o chefe de Gabinete que opera e assina achaques com papel timbrado e passa recibo; um gerente de comunicação que, pelo que tudo indica, deixou suas impressões digitais nos referidos documentos.

Pizzaria Bom Conselho

A votação que enterrou a CEI sobre Fernando Gigli representou um novo divisor de águas na política municipal. O Requerimento nº 684/06, encabeçado pelo petista Jeferson Campos, foi endossado pelos três vereadores do PSDB, partido do prefeito, Orestes Vanone, Ângelo Filippini e Maria Gorte, que teve sua afiliação aceita no início dessa semana. Esse fato traz um elemento novo na política nacional: os arquiinimigos PT e PSDB se uniram em uma verdadeira cruzada pela moralização da administração pública.
A guerra deflagrada delimitou dois campos: um que resiste endossar e justificar os graves e recorrentes erros que têm sido cometidos pela prefeitura e outro que, em troca de pequenos favores, são capazes de se rastejar diante das ordens emanadas pelo Palácio Bom Conselho. Nesse sentido, foi grande a decepção de muitas lideranças políticas e empresariais com o triste papel desempenhado pela vereadora Maria das Graças (PTC) que, provavelmente envergonhada, escondeu-se no seu gabinete durante toda a sessão, revelou enorme insegurança na hora de votar e não teve coragem de justificar seu voto. Aliada do ex-prefeito Antônio Mário e de Marco Aurélio Bertaiolli, a vereadora deverá encontrar muita dificuldade para justificar sua atitude além da Rua 7, do bairro Estoril, cujos moradores poderão testemunhar o preço do seu voto: uma linha de ônibus.
O clima de confronto que marcou a votação ficou ainda mais evidente com as declarações do ex-presidente da Casa, Orestes Vanone (PSDB), relator, em 1994, da CEI que investigou o rompimento de uma tubulação na Avenida Desembargador Paulo de Oliveira Costa, durante a segunda gestão do ex-prefeito Bernardo Ortiz (PSDB). “Ficamos diante de uma questão delicada porque se eu votar a favor da CEI o prefeito não vai mais me atender. Mas vou votar favorável mesmo sabendo que não serei mais atendido. Paciência, faz parte do jogo democrático”, afirmou Vanone. E disparou: “É essa cumplicidade dentro da política que fortalece os maus políticos”.
As palavras de Vanone foram um tapa com luva de pelica na vereadora Maria das Graças que não conseguiu esconder seu desconforto. As únicas palavras da vereadora antes da votação pareciam revelar que ela entregou seu voto em troca de favores do Executivo. “Gostaria de informar aos moradores do bairro Estoril que nesta terça-feira o ônibus da ABC estará passando na Rua 7, contemplando os moradores. É uma reivindicação antiga e que, graças a Deus e à prefeitura, a ABC atenderá a partir das 5h30 da manhã do dia 2 de maio”, agradeceu. Na hora da votação, com a voz inibida, a vereadora mal conseguiu pronunciar que era contrária a CEI. O “não” de Graça soou baixo e sem firmeza. Do plenário, foi preciso fazer esforço para ouvi-la.

No cabresto

A votação seguiu à risca as normas pregadas na cartilha do governo Peixoto. O Palácio Bom Conselho não poupou pressões e ameaças sobre a base aliada, antes da sessão, para salvar a pele do chefe de Gabinete de Roberto Peixoto e também presidente da Comissão Permanente de Licitações, Fernando Gigli.
Seis dos setes parlamentares que impediram a abertura da CEI sequer acompanharam o depoimento do presidente da ACIT (Associação Comercial e Industrial de Taubaté), André Saiki, no dia 19, na Câmara. As declarações de Saiki formaram o pilar para a abertura das investigações contra Gigli. O único que ouviu pessoalmente os depoimentos de Gigli, Saiki e Paulo de Tarso Venceslau, diretor de CONTATO e autor da reportagem que deu origem às denuncias, foi Luizinho da Farmácia. “O Paulo de Tarso falou que tem um e-mail como prova. E-mail qualquer um pode mandar. Eu posso mandar e-mail denegrindo a imagem de quem eu quiser. E-mail não é comprovante e o senhor Paulo de Tarso não trouxe o comprovante para nós. Fica o dito pelo não dito”, argumentou.
Tal qual um soldado de infantaria, Chico Saad, que não presenciou os depoimentos de Saiki e Venceslau, também saiu em defesa de Gigli. “Quando ele [Gigli] falou ‘não paguei’, é porque não pagou. Ele foi infeliz de ter sido o portador daquele pagamento. O dinheiro não saiu dos cofres da prefeitura. O que interessa é que não é dinheiro público”, disse. Além de Luizinho e Saad, os vereadores Rodson Lima, Carlos Peixoto e Valdomiro também assumiram o papel de seguranças de Gigli. O discurso, ensaiado, seguiu a tônica: não é dinheiro público e o jornalista não apresentou provas contra o chefe de gabinete.

Os inconformados

Infelizmente, nem todos os vereadores justificaram seus votos. Primeiro homem no front, Jeferson Campos não escondeu sua frustração com o resultado da votação que tirou Gigli da Comissão de Investigação. Indignado e com vergonha, o petista culpa a base aliada e acredita que o resultado serviu para macular a imagem do Legislativo. “Estou chateado. Isso que aconteceu é lamentável e a Câmara sai arranhada desse episódio porque os vereadores não quiseram investigar”, sentencia.
Vereadora professora Pollyana também lamentou. “É triste porque, primeiro, a prefeitura pagou uma conta com atraso”. A vereadora do PPS lembrou das contradições encontradas nas declarações dadas por Gigli em comparação a afirmação feita pelo prefeito na noite de segunda-feira, 24, em entrevista a TV Cidade, quando disse que o dinheiro pago por Gigli à ACIT teria sido doado por empresários. “A não aprovação da CEI vai deixar a população com uma interrogação enorme sobre nosso papel”, afirma Pollyana. Maria Gorete, que acompanhou os depoimentos de Gigli, Saiki e Venceslau, foi outra vereadora que se manifestou pela abertura da CEI.
No dia em que parte da Câmara deu o assunto por encerrado, o Ministério Público instaurou inquérito para apurar irregularidades no pagamento da campanha Iluminatau. Ainda na terça, 25, o promotor José Carlos Sampaio convocou Fernando Gigli para prestar esclarecimentos.

Mentiras e mais mentiras

Foram muitas as versões apresentadas pelo chefe de Gabinete para explicar o pagamento de uma fatura na ACIT com dinheiro não contabilizado. Primeiro, negou que tivesse feito qualquer pagamento. Depois, admitiu que usara dinheiro de sua poupança pessoal, depois disse que “o dinheiro é meu e faço o que eu quiser com ele”. Tentou por todos os meios convencer o presidente da ACIT a partilhar da farsa quando pediu que André Saiki assumisse que o dinheiro fizesse parte de um empréstimo pessoal.
Finalmente, desde 20 de abril uma nova farsa tem sido arquitetada com a ajuda ativa do vereador Luizinho da Farmácia que teve o desplante de exibir para nossa reportagem alguns papéis que explicariam que o dinheiro teve origem na generosidade de dois empresários amigos de Fernando Gigli. Essa foi a senha para que Chico Saad, Rodson Lima, pastor Waldomiro e próprio Luizinho repetissem à exaustão que não se tratava de recursos públicos e por causa disso não havia necessidade de se criar uma CEI.

Peixoto é réu confesso

Nossos avós ensinavam que mentira tem perna curta. Nesse episódio, as versões já nasceram aleijadas. E a última não resistiu à ventania que anuncia muita trovoada.
Gigli, quando perguntado se havia pago a fatura na ACIT, respondeu à Câmara Municipal: “Não! Para que eu haveria de pagar as contas dos outros?” Portanto, oficialmente e devidamente registrado ao vivo e em cores, essa é a versão de Gigli diante de um do Poder Legislativo.
Desmentido com veemência por André Saiki, presidente da ACIT, que apresentou provas irrefutáveis, Gigli sai em busca de novas versões. O Palácio Bom Conselho assimilou a mais fantasiosa que versa sobre a contribuição generosa de dois empresários. A emenda saiu pior que o soneto. Na segunda-feira, 24, o prefeito Roberto Peixoto participa de um debate na TV Cidade e no último bloco confessa: “A ACIT teve dificuldade financeira. O Fernando [Gigli] teve ajuda de dois empresários e levou essa verba à ACIT, onde entregou em espécie”, declarou Peixoto. Nesse momento, o prefeito transformou-se em réu confesso. Ele sabe, convive e revela a ação delituosa de seu chefe de Gabinete. Ele é conivente confesso.
Em Brasília, o presidente Lula tem sido preservado por seus escudeiros e jura de pé junto que não sabe de nada. Aqui em Taubaté, o prefeito Roberto Peixoto confessa sem qualquer constrangimento sua participação na formação de caixa 2 na prefeitura municipal.


 
Honório Shibata, um empresário amigo  

Vereador Luizinho da Farmácia introduziu a nova versão na qual dois empresários, amigos de Fernando Gigli, haviam dado uma ajuda ao chefe de Gabinete. Nossa reportagem localizou um deles. Abaixo, o diálogo gravado:

Honório Shibata é engenheiro e diretor da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Taubaté. Perguntado se ele teria doado R$ 2.500,00 à prefeitura, respondeu, “Fui procurado para que contribuísse para a iluminação. Fiz a contribuição e fim. Se o destino do dinheiro foi exatamente esse ou não, eu desconheço”. Valor? “R$2.500,00”. “Quando? “Dezembro ou Janeiro”. Deu em cheque ou em espécie?
“Dinheiro vivo”. Na mão de quem? “Fernando Gigli (...) e tenho os dois recibos assinados”.

 

Dr. Rubens Monteiro, especialista em Direito Administrativo

Nossa reportagem apresentou dois recibos originais. Um com logomarca da prefeitura, assinado por Fernando Gigli e pelo gerente da área de Comunicação, solicitando a “importância de R$ 2.500,00”. Outro, um papel em branco com três linhas acusando do recebimento do valor solicitado para cobrir as despesas “decorrentes da execução do Projeto Iluminatau”, firmado pelo gerente da área de Comunicação.
Com a palavra dr. Rubens Monteiros: “Qualquer contribuição teria de entrar no caixa da prefeitura para ser devidamente contabilizado. Se não for, trata-se de uma conduta irregular. Nenhum documento pode sair da prefeitura sem a devida identificação para que possa ser registrada e devidamente arquivada”.
Nesse caso, nada disso foi feito.

 

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Jornal CONTATO 2006