CONTATO
- Como começou sua carreira?
Dr. Baroni - Como locutor de rádio. Comecei na Rádio
Cacique como técnico de som com 12 anos de idade. Com 14
anos, com a voz se formando, comecei a usar o microfone como loucutor.
Foi na época em que eu criei alguns programas de sucesso.
Começava a história da bossa-nova, em 1959/1960. Renatinho
Teixeira começou [sua carreira] nesse meu primeiro programa
que se chamava a Turma da Bossa. Na Rádio Difusora, fui durante
muito tempo locutor padrão. [Fui também] locutor fundador
e, posteriormente, diretor artístico da Rádio Cultura
e da rede Difusora, até me formar em direito.
CONTATO
- E como foi a opção por direito já que o senhor
quase foi engenheiro?
Dr. Baroni -Eu fiz o curso científico (2º.
Grau) voltado para engenharia, embora não gostasse de matemática,
nem física. Foi o grande jornalista, professor e advogado
Romeu Garcia, já falecido, que me incentivou a fazer direito.
Me formei na turma de 1969 e optei pelo direito imobiliário.
Associei-me a alguns parentes e tocamos uma empresa por 25 anos
especializada em direito imobiliário. Foi a trajetória
jurídica com outras atividades advogatícias, fora
da empresa, que tornaram meu nome conhecido na cidade.
CONTATO
- Que tipo de atividade?
Dr. Baroni - No final da década de 80, defendi diversas
entidades em tempo de crise. Uma delas foi a Irmandade Misericórdia,
que na época teve que entregar a Faculdade de Medicina para
a Universidade. Ninguém queria trabalhar por abono (de graça)
para Irmandade. Eu resolvi atender e defendi a Irmandade Misericórdia
nos processos civis e ganhei todas as ações até
que chegou a expropriação do hospital Universitário.
Como havia uma grande briga entre a Irmandade e a prefeitura, eu
era o advogado da Irmandade e ganhei. Veio a expropriação,
que também ganhei e defendi uma tese inédita, que
me valeu muitos créditos. [Para simplificar] é “a
vantagem da coisa feita”.
CONTATO
- Rendeu-lhe alguma coisa esse trabalho?
Dr. Baroni -Isso deu um sobre-preço jurídico
porque na expropriação alguém pegou alguma
coisa funcionando. Seria uma assemelhado ao fundo de comércio
(luvas). Além de expropriar bens, também tinha que
pagar o know-how que tinha naquela época. Foi essa a vantagem
que o tribunal deu na época e que permitiu, com o dinheiro
que arrecadamos, a compra do primeiro tomógrafo para Taubaté,
no antigo Hospital das Clínicas. Tudo sem cobrar um tostão
de ninguém. Claro que eu ganhei. Existe algo dentro do processo
judicial que se chama sucumbência: quem perde, paga. E a outra
parte perdeu e teve que pagar meus honorários, na época
nada mais do que 5% do valor da causa. Como era um valor muito alto,
então me deu uma certa tranqüilidade para poder aceitar
esse trabalho que veio logo em seguida, que é o trabalho
de causa ética.
CONTATO
- E como começou na área ética?
Dr.Baroni -Quando o advogado José Roberto Batocchio
me convidou para o Tribunal de Ética da OAB de São
Paulo, o tribunal mais antigo da América Latina, que começou
em 1931. Eu aceitei o desafio. Estudei a ética no barrau
francês, que é de onde vem nosso código civil.
Para entender determinados assuntos, eu pesquisei todos os processos
do tribunal. Foram cerca de 700 consultas. Trouxe tudo para Taubaté.
Quando tomei posse no Tribunal de Ética, o presidente era
o professor Modesto de Souza Barros Carvalhosa, conhecido no Brasil
como da nova lei da SA. Ele me recebeu muito bem e me incentivou
e me ajudou a publicar a pesquisa que foi feita para OAB.
CONTATO
- Como se chama a obra?
Dr. Baroni -É o volume número um de Julgados
do Tribunal de Ética. Foi a primeira obra de ética
de uma só profissão. Hoje estão com 10 volumes.
A primeira tiragem com 30 mil exemplares, foi distribuída
em todo o Brasil. Como não tinha direitos autorais, concedi
tudo à Ordem. O tribunal que já era conhecido, começou
a ficar mais famoso por causa do livro.
CONTATO
- E em termos práticos?
Dr. Baroni - Foi quando houve o problema com o [presidente]
Collor, que foi cassado Um processo identificou a lavagem de dinheiro
no exterior através de um escritório de advogacia
em São Paulo. E coube a mim dar o parecer. Eu fui o relator
do processo e comuniquei que tinha uma brasa muito grande pegando
fogo ali, e que fugia da competência do Tribunal de Ética.
O presidente da Ordem encaminhou para a Brasília. Nessa época,
o Batocchio já era presidente do Conselho Federal. Ele mandou
fazer a diligências necessárias. Em suma, acabou em
impecheament do presidente. Não pelo meu parecer, mas pela
fumaça que teve ali. [Tudo] acabou acontecendo graças
à falta de ética de um escritório de advogacia
em São Paulo que publicou em um jornal de grande circulação:
“lava-se dinheiro legalmente no Uruguai”. Através
dessa notinha, publicada nos classificados, alguém denunciou
à Ordem e chegou-se no presidente. Tanto é que o pedido
de impeachemente foi assinado pela OAB.
CONTATO
- E como foi com o vice Itamar Franco?
Dr. Baroni - O então vice-presidente assumiu a presidência
e resolveu combater a corrupção. Convocou sete juristas,
a chamada a Comissão dos Notáveis, e dentre eles,
o Carvalhosa, que era o presidente do Tribunal de Ética,
que sugeriu o meu nome para a Comissão para ser assessor
dos pareceres éticos dessa comissão que chamava CEI
(Comissão Especial de Investigação do Poder
Executivo). No dia da posse, levei 20 exemplares do livro Julgados
em uma sacola. Quando o cerimonial pediu para todos se levantarem,
eu levantei, a sacola rasgou e os livros se espatifaram nos pés
dos ministros. O então ministro Walter Barelli (do Trabalho),
que estava na minha frente, me ajudou a recolhê-los. Eu estava
morrendo de vergonha e dizia que só podia ser coisa de um
caipira de Taubaté. Barelli perguntou se poderia ficar com
um. Outro ministro também pediu. Em suma, dos 20 livros,
13 ficaram ali. Barelli pediu mais um e levou ao gabinete do Itamar
Franco.
CONTATO
- E daí?
Dr. Baroni - Barelli me chamou e disse que o presidente
gostaria que eu autografasse o livro. Fui e autografei um livro
para o presidente Itamar Franco. Duas ou três semanas depois,
isso era começo de 1994, recebi um telefonema do ministro
Romildo Canhim. Perguntou se eu gostaria de fazer um código
de ética do servidor federal. Pedi para me dar um prazo.
Tranquei-me no escritório, escrevi, passei o fax para Brasília
e me chamaram. Fui parar na Biblioteca Graciliano Ramos, em Brasília,
com mil secretárias à disposição. Pesquisei
tudo o que podia. Realmente, o Brasil não tinha nenhum código
de ética organizado. Peguei as idéias, fiz a redação
final e encaminhei ao ministro. Em junho de 94 me convocaram para
ir a Brasília porque ia ser assinado o Código do Servidor
Público Federal. Tudo o que redigi aqui estava inteiramente
lá.
CONTATO
- Na apresentação de motivos, feita pelo ministro
Romildo Canhim, consta que isso só foi possível graças
“ao inestimável colaboração do jurista
Robson Baroni, também membro do Tribunal de Ética
da Ordem dos Advogados do Brasil, secção São
Paulo”. E o que aconteceu com o “caipira” de Taubaté?.
Dr. Baroni – O presidente Itamar voltou-se para mim
e pediu que eu o ajudasse a dilvugar o trabalho e foi enfático
quando afirmou: “se precisar, aplica contra mim”. Disse
a ele que ele não precisava pedir. Junto com o professor
Carvalhosa, pegamos no batente. O Og Dória, presidente da
Inap (Instituto Nacional de Administração Pública),
falou que daria todo o suporte. Perguntou se topávamos viajar
o Brasil inteiro para divulgar a obra. Perfeitamente, respondemos.
Na semana seguinte, ele convidou todos os ministros para assistir
uma palestra sobre ética, que eu dei junto com o Carvalhosa.
Foi uma verdadeira peregrinação. Não ganhei
nada, perdi clientes porque nessa época trabalhei só
com isso. Em novembro, a embaixada americana convocou o Carvalhosa
e a mim para um seminário contra a corrupção
no Brasil. Coube a mim, a palestra intitulada o “Lado mais
suave da corrupção”.
CONTATO
- O que é o lado mais suave da corrupção?
Dr. Baroni – Os brasileiros por si sabem [quais são]
os componentes éticos. Eu não inventei nada. Eu aprendi
muito com a minha avó que era analfabeta, bugre, os ditados
populares. E ai está a ética do brasileiro. Naquela
palestra que contou com a participação de representantes
de muitos países foi difícil fazer a versão
para espanhol, francês, inglês. Imagina falar em inglês:
“em boca fechada não entre mosca”. Morria de
rir. Terminado o seminário, São Salvador pediu licença
e promulgou alguns dos artigos do nosso código do servidor.
Dois artigos foram para o código japonês. A obra não
é minha, a idéia não é minha. É
um conjunto de todas essas coisas.
CONTATO
- O sr. estava no lugar certo e na hora certa, ou foi por acaso?
Dr. Baroni – Não sei. Quando Fernando Henrique
Cardoso foi eleito, nós tínhamos certeza de que Carvalhosa
seria o ministro da Justiça. Ele (FHC) chamou a gente em
dezembro e disse que não ia aplicar o código do servidor
porque teria de mexer numa série de coisas, leis, que os
funcionários não iriam ficar satisfeitos e que o melhor
era dar uma esfriada [naquele projeto].
CONTATO - O próprio FHC falou isso?
Dr. Baroni – O FHC falou para mim e para o Carvalhosa
[que o Código de Ética] continuaria em vigor [como
continua até hoje], mas que ele não aplicaria porque
seria feita uma série de coisas que contrariariam os interesses
dos funcionários públicos.
CONTATO
- A ética é uma só?
Dr. Baroni - Temos milhares de éticas, mas só
basicamente duas vigoram: a de princípios, que é a
ética derivada do grego, que é a ética da lealdade,
da solidariedade, da honestidade. O conceito de honesto é
o mesmo no Japão ou em qualquer parte do mundo. O que pode
mudar é a cobrança. E a outra ética, a de fins,
que é a ética maquiavélica. Você usa
todos os meios para se atingir um fim. Isso foi criado pelo pai
da ciência política. Os fins justificam os meios. Entretanto,
poucos conhecem a história de Maquiavel. Ele era um Arnaldo
Jabor da época dele. Era um gozador, criticava reis e bispos.
CONTATO
- Qual delas prevalece no Brasil?
Dr. Baroni – Continua valendo a ética de fins.
Os pais hoje têm vergonha de falar para os filhos que sejam
honestos. Dizem ‘sejam espertos porque vão ficar para
trás se não forem espertos’. Os professores
ensinam isso também. Não é maldade não.
Não interessa aos pais, por exemplo, que ele saia da faculdade
com o curso bem feito. Interessa que ele saia da faculdade. Parece
que há uma generalidade nisso aí. Isso se chama ética
descritiva.
CONTATO
- A ética é uma questão individual ou coletiva?
Dr. Baroni – Pode ser as duas. Existem muitas teorias
a respeito. Há, por exemplo, a do livre arbítrio.
Existem os deterministas e os indeterministas. Os deterministas
dizem que tudo já está preconcebido, que nós
não teríamos livre-arbítrio.
CONTATO
- E no caso de partidos políticos?
Dr. Baroni – O partido não tem ética.
Quem tem ética são seus membros. O mesmo acontece
com o governo. O governo não tem ética, quem tem ética
são os componentes do governo. Se os componentes forem éticos,
nós teremos um governo ético.
CONTATO
- Então, pelo comportamento de seus membros, pode-se determinar
o caráter ético do governo?
Dr. Baroni – Em tese. O chefe pode pressionar para
romper o padrão ético. Esse contrato é tácito,
não precisa escrever. Se você tem formação,
seus valores serão mais apreciados. A pessoa ética
diz o seguinte: “eu vou ser ético doa a quem doer”.
CONTATO
- O filósofo Noberto Bobbio aborda esse tem.
Dr. Baroni – Encontrei-me com ele em Foz do Iguaçu.
CONTATO
– Ele diz que existem duas alternativas. Você prefere
se adequar à conveniência da versão partidária
ou aceitar que a verdade é revolucionária em si mesma,
por exemplo, mesmo que seja conflitante com a versão Partidária.
Dr. Baroni – Perfeitamente.
CONTATO
- Vamos tentar trazer para o nacional e o local. O sr. acha que
governo federal tem um comportamento que foge desses parâmetros?
Dr. Baroni – Eu não posso dizer o governo
em si porque estaria envolvendo pessoas credenciadas e descredenciadas.
Podemos falar que algumas pessoas que estão envolvidas no
governo não estão tendo atitudes condizentes com a
moral brasileira. Não só federal, como estadual, municipal
e até dentro da família. Estamos vivendo uma crise
ética justamente em função daquilo que pensam
que estão mudando valores. Estão criando, na verdade,
o mais ou menos honesto. Isso não existe!
CONTATO
- Em uma entrevista dada em Paris, o presidente Lula assumiu publicamente
que o caixa-2 faz parte da paisagem política do Brasil. Como
essa declaração do presidente se enquadraria na sua
análise?
Dr. Baroni – Infelicidade.
Não foi só ele. Nós tivemos um grande empresário
que disse a mesma coisa. Repercutiu com o presidente do que com
o presidente de uma das maiores organizações civis
do país. Ambos foram infelizes.
CONTATO
- Isso é falta de moral, de ética, ou dos dois?
Dr. Baroni – Isto condiz com os nossos costumes.
Em tudo há uma falta de ética. Antes de qualquer disciplinamento
jurídico de direitos e leis, há a concepção
moral. Nós não podemos conviver com o ato da corrupção.
CONTATO
- E o nepotismo, como o sr. o classifica?
Dr. Baroni – Errôneo.
Isso está dentro desse código e não é
só parente não, envolve terceiros. Envolve até
empresas que prestam serviços para o poder público
que estariam agindo de forma antiética, no tráfico
de influência.
CONTATO
- Como classificar empresas que normalmente prestam serviços
ao Poder Executivo e que contribuem numa festa do Executivo?
Dr Baroni – Elas não fazem festas para o governo.
Fazem festas para o pessoal do governo. O governo é algo
abstrato. Faz-se para as pessoas ou grupo de pessoas.
CONTATO
- São essas pessoas que dão o caráter do governo
naquele momento?
Dr. Baroni – E que passam essas imagens para o cidadão,
que pensa que isso é normal. Alguns aceitam, acham que é
assim mesmo. Outros dizem que é o fim da picada.
CONTATO
– E se o [chefe do poder] Executivo vai à televisão
e diz que um assessor dele pagou uma conta com dinheiro vivo porque
alguns empresários amigos dele (assessor) deram-lhe dinheiro
para pagar a conta em nome do Poder Executivo?
Dr. Baroni – Em primeiro lugar, a gente precisa ter
não só os fatos, mas ter documentos. Eu não
sou especialista em direito eleitoral. Mas a gente observa certas
normas que são análogas a isso. Se o fulano quer pagar
a conta, pode pagar claro. Mas qual é a intenção
de tudo isso? Pura cidadania? Maravilhoso. Não é cidadania?
Vamos colocar as barbas de molho e ver.
CONTATO – Um desses doadores diz que fez isso porque queria
que fosse feito uma melhoria na rua onde mora.
Dr. Baroni – Tráfico de influência.
O Código de Ética do Servidor Público Federal
deve ser extensivo, evidentemente, para todas as áreas públicas,
na sua secção 3, nas redações do servidor
público, no item 15, ele diz: “é vetado ao servidor
público: linha g) pleitear, solicitar, provocar, sugerir
ou receber qualquer tipo de ajuda financeira, gratificação,
prêmio, comissão, doação ou vantagem
de qualquer espécie para si, familiares ou qualquer pessoa
para o cumprimento da sua missão ou para influenciar outro
servidor para o mesmo fim”.
CONTATO
– Qual a sua avaliação mais abrangente para
o cumprimento dessa sua missão?
Dr. Baroni – Uma missão pública onera
duplamente o cidadão porque envolve sua capacidade profissional
e o que ele pode transmitir para o cidadão como espelho,
como lisura, competência e comportamento. Quando a gente imaginou
esses artigos foi porque isso acontecia no poder público
federal e, claro, por extensão, a todas as outras esferas.
Nós tivemos o cuidado de abranger aqueles que não
são servidores públicos na acepção,
mas estão ligados, como os que são contratados sem
licitação. Nesse caso, passa a ser servidor público
porque aderiu.
CONTATO
– Se o sr. fosse convidado pela administração
pública municipal para fazer uma palestra sobre ética
no serviço público, faria?
Dr. Baroni – Eu faria em qualquer lugar. Eu sou professor
de ética. Não sou catedrático, sou professor.
Tenho uma longa experiência. Quando fizemos o Código
de Ética o objetivo era para atingir 985 mil servidores federais.
Depois, fiz o código de ética dos advogados da OAB
em 1994, aprovado em 1995 e está em vigor até hoje.
Quando falta disciplinamento nos poderes, nas profissões,
os cidadãos podem se auto-organizar e traçar regras
para seu meio de viver. Dou palestra de ética em qualquer
lugar, como já dei.
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