CONTATO
- O que é preciso para entender mídia regional?
Cidoval – Mídia regional é uma questão
complexa. Ela se manifesta por diferentes meios: impressos e eletrônicos.
O que caracteriza a mídia regional é o investimento
de pessoas da região que se dispuseram a colocar dinheiro,
tempo, paixão, suor para fazer isso funcionar. É a
[que] tem o sotaque, os valores, traz implícitos os costumes,
crenças, cultura da região. Ela não se constrói
a partir de modelos externos, embora os tenha como referência.
Mas, a partir das relações que são do próprio
meio.
CONTATO
– Empresas como a Vanguarda e Band podem conquistar esse caráter
regional?
Cidoval – Band e Vanguarda estão na região.
Elas não são empresas regionais. São empresas
que se regionalizaram. Elas são, de fato, referência
jornalística, publicitária, comercial e informacional
para a região. Isto não resta dúvida. Mas,
elas têm pouca autonomia perante a grade de programação.
Às vezes, as pessoas que estão lá têm
boa vontade para fazer, querem fazer mais. Mas não há
espaço. Não há flexibilidade, que é
outra característica da mídia regional. No rádio,
por exemplo, você participa, liga, escuta o sotaque, o público
está presente. Para mim, a mídia regional é
a mídia do futuro.
CONTATO
– Estamos longe do modelo desejado de mídia regional?
Cidoval – A TV Vanguarda, TV Band Vale, SBT e Record,
que têm afiliadas em várias regiões, não
têm culpa de serem regionalizadas. São empreendimentos,
investimentos de natureza capitalista. Elas funcionam dentro daquilo
que elas estabeleceram como fazer com que a região se identifique
com a TV e não a TV se identifique com a região. Nós
temos empresas caracteristicamente regionais. Dos veículos
impressos, por exemplo, o Vale do Paraíba talvez seja a região
que mais tem produtos impressos. Essa região no século
XIX tinha mais de 40 veículos. O jornalismo impresso sempre
foi forte nessa região. E hoje nós temos mais de cem
títulos circulando. Mas, não temos é informação.
CONTATO
– O que falta para agregar informação?
Cidoval – Esses veículos nascem muito mais
com interesses comerciais do que com interesse de informação.
E só no segundo plano eu coloco o projeto editorial. Os objetivos
comerciais quase sempre são conflitantes com o jornalismo
cidadão, investigativo, de denúncia, de fiscalização.
Aquilo que sustenta o jornal não se coaduna com isso. O [jornalismo
acaba sendo] sempre chapa-branca, que sobrevive não pela
força do jornalista, mas pela força dos releases e
das assessorias.
CONTATO
– E o grande conflito entre o interesse do publico X interesse
privado?
Cidoval – Tem um aspecto mais profundo. Quando se
fala de interesse público, a gente precisa definir de que
público estamos falando. O jornal, obrigatoriamente, não
pode nascer com a idéia de que ele é o paladino e
o porta-voz da sociedade. O jornal possui os interesses das crenças
de seus donos e das suas empresas. Os jornais são porta-vozes
desses interesses que podem, em algum momento, convergir com interesses
de determinados grupos sociais. É balela falar que jornalista
tem compromisso com o interesse público. Jornalista tem compromisso
com o interesse de sua empresa.
CONTATO
– Que aspectos são necessários para repensar
a mídia regional?
Cidoval – Primeiro, repensar o modelo de se fazer
jornalismo. Precisamos reduzir aquele jornalismo que só existe
se alguém disser alguma coisa [colocar textos] entre aspas.
Precisamos fazer um jornalismo de mais interpretação,
trazer o público para dentro das redações,
ouvir as pessoas, para estudar com elas o próprio jornal.
É preciso se repensar as relações comerciais.
A publicidade pública, principalmente no interior, é
danosa para a independência dos veículos.
CONTATO
– Anúncios de prefeituras criam empecilhos?
Cidoval – Diria que em 90% dos jornais é assim.
Tem jornalismo que publica só o que chega das assessorias
e tem pouca coisa produzida pelo jornalista até porque o
dono é o jornalista e não tem equipe alguma. Tem aquele
que nasce com interesse de pegar editais das Câmaras, das
prefeituras. Tem o que demarca, que tem opinião, tipo jornal
CONTATO, que foi um dos primeiros do Vale a iniciar essa proposta
de jornalismo interpretativo. E tem o que eu chamo de jornalismo
mais global, como o Valeparaibano e os que são feitos pelos
grandes veículos.
CONTATO
–Que lições você tira das redações
e das academias por onde você circula ou já circulou?
Cidoval – Eu ainda continuo em redações,
só que trabalhando com jornalismo científico. Esse
ano completo 20 anos de profissão sendo que 15 desses anos
trabalhei em televisão. Meu primeiro emprego como repórter
foi no Diários Associados. Desde 1999, estou na Universidade
de Taubaté. A primeira lição é dissociar
a prática da reflexão. A prática automatiza
o homem e a reflexão descontrói a automatização.
A segunda, é oferecer alternativas para o [que] existe para
que se possa mudar. A terceira grande lição é
que o jornalista não pode parar de aprender.
CONTATO
– Existe dificuldade para o jornalista absorver críticas?
Cidoval – Quando são feitas com direção
pessoal. A crítica tem que ser ao processo de produção,
ao processo de organização porque o jornalista está
dentro disso. Ele é só um peça. A crítica
que dói mais é aquela que desconsidera o contexto.
CONTATO
– Como se encontra a mídia do Vale do Paraíba?
Cidoval – Temos muita esperança. Estamos num
momento de possibilidades de renovação. A mídia
comunitária está crescendo. Tem o jornalismo opinativo
retornando como é o caso do CONTATO. Tem as rádios
comunitárias feitas pela comunidade se proliferando e os
jornalistas são gestores desse processo. Tem novos veículos
surgindo embora religiosos, de natureza orientada como costumo chamar.
Isso tudo dá esperança. O futuro está na mídia
regional. A mídia global vai acabar cada vez se fragmentando,
perdendo status.
CONTATO
– Quais os principais pontos do livro “Televisão
regional: globalização e cidadania”, organizado
por você?
Cidoval – Primeiro, tentar encontrar um conceito
para televisão regional. O grande foco do livro é
mostrar que os modelos que estão aí não são
regionais, são modelos regionalizados. O segundo é
como a televisão regional se localiza nesse universo da globalização.
Qual a relação dela com a mídia global? O terceiro
aborda experiências que fazem frente a esses modelos dominantes.
Apresentamos algumas experiências e possibilidades. O livro
é conceitual, relacional e prático.
CONTATO
- O fato do Vale do Paraíba possuir inúmeros veículos
de imprensa contribui ou atrapalha a busca por um modelo mais adequado?
Cidoval - Sou defensor de quanto mais melhor. Cada bairro
deveria ter seu veiculo de comunicação, cada escola,
cada classe, cada grupo. Quanto mais descentralizar a informação,
mais fragmenta o poder do jornalista. A mídia não
é para ser um poder instituído.
CONTATO
– Como a mídia estaria disposta a se firmar na busca
de sua identidade?
Cidoval - A mídia tem que contar mais histórias.
Nós precisamos contar mais história e a história
é história das pessoas, de vida, de experiência.
A televisão precisa ser menos espetáculo, mais discurso,
mais falas, o povo precisa falar mais. O repórter precisa
falar menos. Na mídia impressa, precisamos refazer o texto,
reconstruir o texto para que o leitor se interesse.
CONTATO
- Falta informação de qualidade em Taubaté?
Cidoval - Nós temos jornais de mais e informação
de menos.
CONTATO
- Como a mídia pode contribuir para a cidadania?
Cidoval - A mídia repensa seus processos de produção,
traz o publico para discutir sua pauta, não precisa ser todo
dia, não precisa ser toda semana, mas pode ser uma vez por
mês, pode ser uma vez a cada dois meses. Se ela se envolve
com o publico, discute seus projetos com o público, ela esta
dando oportunidade do publico conhecê-la e também de
conhecer mais o publico. Contribui para que as pessoas tomem consciência
de seus limites e suas possibilidades. Isso é construção
de cidadania. A mídia, por outro lado, precisa ter mais vínculos
com a escola, com as universidades.
CONTATO
– Qual seu próximo livro?
Cidoval - Chama-se Regionalização “Midiática
– estudo de comunicação e desenvolvimento regional”.
Reúne a experiência dos últimos 10 anos, aproximadamente,
de comunicação regional ou reflexões a respeito
de comunicação regional intra-nacional e comunicação
regional de blocos, extras nacional, Mercosul. Procura discutir,
em mais de 300 páginas, o papel da mídia através
da sua organização como empresa regional. Vai ser
lançado no final de maio. O primeiro lançamento está
marcado para São Paulo, na Universidade Metodista. Depois
será lançado em Taubaté, na semana da comunicação
do jornalismo. E tem marcado para o Brasil inteiro.
CONTATO
- Como é possível resgatar o conceito de mídia
regional?
Cidoval - Ele perdeu força explicativa como quase
tudo esta perdendo hoje. O capitalismo descobriu que embora a economia
se desenvolva num plano global, os negócios são feitos
no local num espaço local. Precisamos resgatá-lo.
Às vezes, é preciso destacar que o regional não
significa apenas um espaço geográfico, espaço
físico, mas o espaço em que de alcance de determinados
veículos. Pode ser um espaço que não coincide
necessariamente com o espaço geográfico no qual está
inserido. Existe outras formas de se pensar o regional e resgatar
sua força explicativa.
CONTATO
- A proximidade de veiculo com o publico é sempre sinônimo
de interação ou o jornal é feito pra jornalista?
Cidoval - Se o jornalista ouvisse mais e falasse menos
ele prestaria um grande serviço à comunidade porque
quando você fala muito, como aquele que tem todas as informações,
[o jornalista] transfere para si uma condição muito
especial. Se o jornalista escutar mais o público ele poderá
diversificar sua pauta.
CONTATO
- Nas últimas eleições você atuou com
Antônio Mário Ortiz. O que se pode esperar da cobertura
nas próximas eleições?
Cidoval - A cobertura das eleições no Vale
é muito parecida com a de outras regiões. Por estar
muito próximo, ela se distancia (risos). A mídia tem
um certo medo de ir fundo nas campanhas. Então a cobertura
se restringe ao dia-a-dia dos candidatos, agenda dos candidatos,
uma ou outra polêmica que surge no meio da campanha, aquilo
que as próprias assessorias do candidato agendam ou a cobertura
do dia-a-dia da Justiça Eleitoral. Com poucas exceções,
mesmo os debates são sempre frios, gélidos, os jornalistas
têm uma carência grande de fazer análises de
conteúdos que possibilitem fazer análise de conjuntura,
estabelecer relações, links com a história,
de ver os interesses que estão por trás de uma determinada
frase. A próxima cobertura talvez não seja muito diferente
da que nós já tivemos. [Provavelmente será]
uma cobertura fria, factual, que influenciará muito pouco.
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