Sindicalistas e economistas têm a mesma opinião: a crise na montadora seria a repetição do velho costume de pôr um bode na sala e lançar como solução dos problemas a retirada do animal para que tudo continue como dantes no quartel de Abrantes.

Por Marlon Maciel Leme e Paulo de Tarso Venceslau

Linha de produção da Volkswagen em Taubaté

Anunciada de maneira repentina na quarta-feira, 3, a segunda fase do plano de reestruturação da Volkswagen do Brasil, pegou muita gente de surpresa. A demissão de mais de 5 mil trabalhadores e a redução de 25% nos custos de mão-de-obra da montadora geraram muita polêmica.
No dia seguinte, Luis Fernando Furlan, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, afirmou que o governo poderia contemplar o setor automotivo com a redução de impostos. Em contrapartida, haveria um aumento de imposto para os combustíveis.
Trata-se de uma velha solução: o custo dos investimentos que a Volkswagen terá de fazer para se tornar competitiva será rateado entre todos os brasileiros que se utilizam de algum tipo automotivo para se locomover. Uma prática muito usada durante o “milagre” do tempo da ditadura militar e que o governo Lula ameaça retomar.
CONTATO foi ouvir as partes envolvidas: sindicalistas, técnicos e a própria empresa. Trabalhadores e economistas têm opiniões completamente diferentes da Volks. Confira

Trabalhadores

Sindicalistas e economistas afirmam que a crise na montadora não existe. Pelo menos essa é a avaliação feita pelo vice-presidente do sindicato dos metalúrgicos de Taubaté, Isaac Jarbas Mascarenhas do Carmo. “Isso é blefe. A crise é psicológica e só serve para abalar os trabalhadores. A produção está normalizada e o funcionário trabalhando. A Volks está pressionando o governo [federal] para obter vantagens e se beneficiar com a redução de impostos”.
Para o dirigente sindical, a “crise” seria reflexo de falhas ocasionadas pela própria Volkswagen. “Além da questão estrutural, que está defasada, ao longo dos anos a Volks não acompanhou as mudanças do setor e o mercado não absorveu os carros da montadora. Não vamos aceitar que haja demissões. Apontar o preço do dólar como motivo, para nós, não justifica demitir 6 mil trabalhadores”, disse.
Durante 30 anos de atividade da planta em Taubaté, a empresa, segundo Carmo, manteve o mesmo processo nas linhas de produção. “A Volks quer arrumar argumentos para justificar seus próprios os erros. Ela [Volks] perdeu o bonde da história e agora precisa retomar [o bonde]”.

Isaac anuncia providências que poderão ser adotadas pela categoria aos 5 il funcionários da montadora em Taubaté

O sindicalista defende que os trabalhadores não podem ser pressionados “principalmente em ano eleitoral. Temos que discutir junto com o governo a cadeia produtiva como um todo”. Carmo calcula que para cada funcionário da montadora há outros 47 trabalhadores. “Estamos falando de aproximadamente 245 mil trabalhadores no Brasil que podem perder o emprego nas 47 cadeias produtivas ligadas a Volks”, comentou.
O sindicalista contesta a versão da montadora sobre a redução na produção. “Muito pelo contrário, o setor só cresceu de 2003 para cá. Em 2004, foram vendidos 1,9 milhão de veículos. Em 2005, foram mais 2,4 milhões. Desse total, cerca de 725 mil foram exportados. Existem hoje mais de 20 mil veículos nos pátios da montadora”.
A perspectiva do sindicato para esse ano é que a Volks atinja a marca de 2,5 milhões de veículos produzidos no Brasil. Esse número equivale 4% a 5% de crescimento em comparação aos resultados obtidos em 2005, segundo levantamento realizado em março pela Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), que também apontou a montadora como a terceira maior exportadora do país, ficando atrás da Vale do Rio Doce e Embraer.
Sobre a possibilidade de greve, Carmo não acredita que seja o melhor caminho, mas considera a paralisação “um instrumento de luta”.
Em relação ao anúncio de fechamento de uma das quatro unidades da montadora no Brasil, o dirigente sindical manifestou preocupação. “Isso nos preocupa, principalmente, porque a fábrica está tecnologicamente ultrapassada. Se o [fechamento] ocorrer com a unidade de Taubaté seria uma tragédia”, avaliou.

Avaliação
Para o professor Edson Trajano, economista e pesquisador do Núcleo de Pesquisas Econômicas e Sociais (Nupes), vinculado à Universidade de Taubaté (Unitau), o que ocorre com a Volks é resultado de escolhas feitas no passado. “A Volks tinha um projeto nacional que visava abastecer o mercado interno. Mas, ao primeiro sinal de dificuldades por causa da concorrência e a alta competitividade, preferiu buscar uma saída nas exportações, só que também acabou enfrentando dificuldades em razão do câmbio”, destacou.
Trajano também considera que a Volks perdeu o bonde da história. “Trata-se de um problema pontual da fábrica. O que aconteceu foi que o mercado brasileiro se tornou mais competitivo com a chegada de outras montadoras. A Volks passou a investir em carros de valor elevado num mercado de consumo restrito. Por isso, sobrou para ela [Volks] mais exportar do que abastecer o mercado nacional. Só que as coisas não aconteceram da maneira como a empresa gostaria”, analisou. Ele avalia que se trata de uma questão pontual da própria fábrica. “É uma crise que não assusta”.
O economista considera que a redução na carga tributária – uma das propostas apresentadas pela Volks - não é uma saída eficaz, como vem sendo discutido entre o governo e a montadora. “O problema maior é o câmbio. Rever essa questão é muito mais interessante para toda a economia. Essa proposta deveria ser discutida em todos os setores da economia”, defendeu.
Trajano disse que a repercussão das demissões é sempre negativa. “Mas dificilmente geraria uma crise econômica em Taubaté”, afirmou.
Segundo ele, se as demissões fossem acompanhadas por redução da produtividade os efeitos da crise para a cidade seriam bem maiores.

Versão da empresa
Além das demissões, o plano de reestruturação prevê reduzir em 40% a produção em 2007. Para esse ano, a previsão é de 80 mil veículos a menos do que no ano passado. Em 2005, 256 mil veículos foram fabricados. Para este ano, o volume deverá ser de 175 mil unidades produzidas. Em 2007, a produção deve cair para 156 mil carros, segundo Ricardo Júlio, assessor de imprensa da Volks.

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Biro Biro, ao lado de Isaac do Carmo, vice-presidente da entidade

A medida, segundo a empresa, servirá para garantir a sustentabilidade das operações a longo-prazo. A Volks atribui o efeito negativo ao aumento no custo da mão-de-obra e de matérias primas como o aço, principal componente utilizado na fabricação de veículos. A empresa nega que estaria pressionando o governo para obter vantagens tributárias. De acordo com a assessoria de imprensa da Volks, isso não é verdade. “Quem procurou a Volkswagen foi o governo”.
A assessoria da Volks informou que a crise enfrentada pela empresa é reflexo da alta valorização do Real - 30% a 40% - nos últimos anos. Segundo a montadora, a situação serviu de estopim para levantar a discussão que envolve o setor, mas não tem o objetivo de pressionar o governo. “A Volks não espera benefícios para si. Ela precisa se reestruturar e está disposta a explicar isso ao governo. O setor automotivo busca criar uma agenda com o governo desde o início [do governo Lula], mas nunca deu certo. A empresa não vai criar uma situação só para causar mal estar no governo. Não fazemos política. A Anfavea faz política e mesmo assim nunca conseguiu nada [do governo]. Quem sabe agora ela consiga” rebateu o assessor.
O plano de reestruturação não deve, segundo a Volks, alterar o lançamento de novos produtos no Brasil. “Não vamos deixar de investir em novos produtos previstos para 2006 e para os próximos dois anos”, garantiu.

Bode na sala
Tudo indica que a Volkswagen teve uma recaída. No melhor estilo de que “o uso do cachimbo deixa a boca torta”, a montadora alemã recorreu aos velhos métodos de colocar um bode na sala. Acostumada durante décadas com a reserva de mercado assegurada por governos autoritários, a empresa deixou de investir e perdeu competitividade principalmente com as montadoras japonesas e européias. Conclusão: foi literalmente comida por dentro.
Diante da incontestável irresponsabilidade para com seus acionistas, a empresa apela para a velha prática: promete tirar o bode da sala desde que o governo federal garanta os recursos necessários para seus investimentos privados. Para tanto, conta com o apoio explícito do empresário Luis Fernando Furlan, titular do ministério de Desenvolvimento.
A solução é muito simples: o governo federal reduziria os tributos sobre a venda de veículos que seriam compensados com a elevação dos impostos sobre combustíveis automotivos. A Volks ganharia de presente os investimentos que deixou de fazer, a receita do governo não seria afetada enquanto a conta final seria debitada na minha, na sua, na nossa conta.
Em compensação, o bode iria para o pasto enquanto aguarda novas solicitações.


Prática recorrente

Não é a primeira vez que a direção da Volks cogita o fechamento de uma de suas unidades no país. Em 2003, os operários em São Bernardo do Campo e Taubaté ficaram em pé de guerra com a direção da montadora. Na sede mundial, em Wolfsburg, o presidente do conglomerado, Bernd Pischetsrieder, chegou a declarar que recorreria a demissões em caso de "uma greve ilegal".
O pivô da questão foi a implementação do projeto Autovisão, inspirado no Autovision aplicado na Alemanha desde 98. O programa visava reduzir o quadro de funcionários da montadora, sem demiti-los.
No caso brasileiro, a queda nas vendas teria deixado 3.933 trabalhadores ociosos. A montadora então anunciou a transferência do excedente para a Autovisão, uma empresa própria de recolocação de mão-de-obra e requalificação profissional. Os funcionários seriam realocados em fornecedores, outras firmas do setor automobilístico e metalúrgico, ou até mesmo em atividades diferentes. A categoria rejeitou a proposta da companhia e ameaçou entrar em greve, caso o projeto fosse implementado unilateralmente.
Carmo lembra que dos trabalhadores considerados excedentes, cerca de 1.070 aderiram ao Plano de Demissão Voluntária (PDV). “Se somarmos esse pessoal [1.070] com essas possíveis [681] demissões, em menos de três anos, quase dois mil trabalhadores foram demitidos na Volks”, frisou.

| home |
Jornal CONTATO 2006