Dia destes caiu-me às mãos
um texto insólito do pernambucano Mario Souto Maior
Folclore etc e tal, publicado pelo Instituto de Pesquisas
Sociais da Fundação Joaquim Nabuco, em 1995.
Foi um bom lenitivo para o cansaço de trabalhos pesados
que estou escrevendo. Suas considerações abriram-me
uma estrada para pensar algumas coisas afeitas à
cultura popular e principalmente ao significado de ser pobre
na cultura brasileira. Já conhecia este folclorista
que faz par com Câmara Cascudo e, portanto, se situa
entre os melhores do país.
Registrador de tradições curiosas como orações
para casamentos, remédios caseiros, letreiros de
caminhão, dentre tantos temas, porém, detive-me
com cuidado na lista sobre a condição da miserabilidade
nacional. A recolha feita em conversas, provérbios,
ditos populares, misturou-se ao discurso destilado em situações
corriqueiras, piadas e escritos em logradouros públicos
inclusive em banheiros. Selecionei vinte para nossa consideração:
- Pobre só enche a barriga quando
morre afogado.
- Rico sai de casa e pega o carro; pobre sai de casa e o
carro pega.
- Pobre só engole frango quando joga de goleiro.
- Pobre só come carne quando morde a língua.
- Pobre é como punho de rede: só anda com
a corda no pescoço.
- Ladrão que entra na casa de pobre só leva
susto.
- Pobre só sai do aperto quando desce do ônibus.
- Quando o rico corre é atleta e quando o pobre corre
é ladrão.
- Pobre é como pneu velho: só vive na lona.
- Pobre quando mete a mão no bolso só tira
os cinco dedos.
- Pobre só vai pra frente quando a polícia
corre atrás.
- Pobre só recebe convite quando é intimado
pela polícia.
- Coceira na mão do pobre é sarna e na mão
do rico é dinheiro.
- Rico fica gordo e pobre fica inchado.
- O rico bebe para se lembrar e o pobre para esquecer.
- Pobre é como papel higiênico. Quando não
está no rolo está na merda.
- Deus dá o pão, mas o pobre não tem
dentes.
- Pobre só herda sífilis.
- O pobre é como limão: nasceu para ser espremido.
- Pobre é como cachimbo, só leva fumo.
Mas que lições tirar deste
elenco? Muitas. Antes, porém, a mais importante:
o humor positivo que existe na cultura nacional. Fazendo
piada da desgraça, cria-se um mecanismo de defesa
que de certa forma dignifica o miserável e a miséria
de maneira a permitir um posto positivo para a auto-estima.
Algo como “a pobreza gera o riso” é melhor
do que “a pobreza deprime”.
Mollat, importante intelectual francês, afirma que
todas as sociedades têm seus bandidos, prostitutas
e pobres. Esta verdade, contudo, sugere que o enfrentamento
da condição social seja contextualizado no
jeito de ver o mundo. Enquanto grande parte da humanidade
filtra os grupos subalternos como “classe perigosa”
e então exalta o pathos (patológico), nós
os miramos sob a perspectiva do ethos ou seja a cura. Logicamente
não cabe divinizar a pobreza ou colocá-la
numa redoma que a aceita incondicionalmente. O que nos distingue
é que mesmo respeitando a proposta de “luta
de classes”, conseguimos brincar com as desgraças.
Talvez esta seja a grande lição do Brasil
ao mundo: não assumimos a pobreza como solução
de vida, mas não destituímos a honra de nossos
pobres.
Lembro-me da canção de Marguerite Monnot,
sucesso nos anos 1950, “com os pobres de Paris aprendi
uma lição, a fortuna encontrei no meu coração”.
Se fosse adaptá-la ao Brasil diria que apesar de
tudo “com os pobres do Brasil aprendi uma lição,
a fortuna encontrei na gozação”.