Por: José Carlos Sebe Bom Meihy
Mestre Zé Carlos relata experiência, em Portugal, na
qual se sentiu atemorizado diante da violência perpetrada
por torcidas de todas as partes da Europa. E teme que o fanatismo
ceda espaço para manifestações racistas na
Copa do Mundo que se inicia.
A
palavra “organização” é
dessas que carregam sempre uma positividade resultante de
experiências que se somam em benefício de algo
bom. As ONGs (Organizações Não Governamentais)
talvez sejam a prova mais expressiva desta tendência
que repousava tranqüila em nosso linguajar comum. Disse
“repousava”, no passado, pois é de se
estranhar o uso recente que este vocábulo encerra:
organizações criminosas, organizações
terroristas e... torcidas organizadas.
Sim vamos falar um pouco da dimensão tétrica
que as chamadas torcidas organizadas encerram. E não
nos esqueçamos que a Copa do Mundo acirra, também,
os mais primitivos ânimos nacionalistas.
Em junho de 2004, estive em Portugal por ocasião
do Campeonato Europeu. O que era para ser uma visita afável
a amigos muito queridos, virou apreensão por todo
o tempo em que estive por lá. Minha doce e pacata
Lisboa não era mais a “velha cidade cheia de
encantos e belezas”. Os tais “encantos e belezas”
estavam lá sim, mas perturbados pela presença
de torcidas organizadas que forçavam a proteção
de bens patrimoniais públicos.
Estátuas cobertas, museus fechados, igrejas trancadas,
espaços interditados. Torcidas de todas as partes
da Europa tomavam as ruas e mais que nada impressionavam
pelo exagero no consumo de álcool. Não fossem
as conseqüências que implicaram até mortes,
diria que o uso das bandeiras poderia representar um espetáculo
bonito, mas, em vez disto, funcionavam como símbolo
de confusão, rivalidade, e serviam para anunciar
ataque e defesa de “inimigos”.
No modesto hotel em que estava, vi a dimensão mais
acabada da fúria dos croatas. De vermelho e branco,
com apetrechos que iam de capacetes a apitos, de faixas
a sacos de papéis picados, gerações,
pais e filhos, gritavam rua afora, noite e dia. É
lógico que os ingleses não ficavam atrás,
mesmo que desmentindo a fleuma secularmente cultivada. Confesso
que um dos dias mais amedrontadores que vivi foi o 21 de
junho quando a Croácia foi batida pela Inglaterra
por 4 a 2. Ninguém, porém espantou-me mais
do que os alemães. Justamente os alemães que
recebem o mundo para a Copa 2006.
Devo ter razão ao falar do perigo que se anuncia,
pois competições esportivas são alvo
privilegiado de manifestações de terror. Quem
não se lembra dos atletas israelenses mortos nas
Olimpíadas de Munique em 1972? Como esquecer o bombardeio
do avião da PanAm em 1988, na Escócia, onde
entre os 270 mortos havia uma equipe de esportistas norte-americanos?
A fermentar tudo isto, temos ainda a crescente onda de violência
neonazista e a preocupante xenofobia que grassa Europa afora.
Juntos, estes ingredientes devem servir de alerta para quantos
pensam que futebol é apenas motivo de festa.
Dois incidentes recentes, na Alemanha, assustaram a opinião
pública. A notícia da existência de
142 grupos de música que percorrem escolas públicas
propagando o ódio e a violência contra os não
germânicos; e o grave ferimento recebido pelo deputado
progressista, de origem curda, Giyasettin Sayan, que levou
uma garrafada na cabeça por ter se mudado para o
setor neonazista da cidade, exatamente para mostrar que
algo deveria ser feito.
A Fundação Antonio Amadeu Annette, nome dado
em homenagem a um angolano assassinado por uma facção
de extrema direita, recomenda que os estrangeiros tomem
cuidado pois, desde a reunificação das duas
partes que compõem Berlim, 134 pessoas foram mortas.
Os porta-vozes da Fundação acham muito difícil
esses grupos não provocarem confusões a fim
de chamar a atenção do mundo. Indagada sobre
o tipo favorito para os alvos, o representante da Annette
disse que o nosso Ronaldinho com certeza correria riscos
em determinados lugares. Então, além de torcer,
vamos rezar para que junto com a alegria reine a paz.
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Jornal Contato 2006 |