“Às 09:00 horas do dia trinta e um do mês de maio de dois mil e seis, nesta cidade de Taubaté, na sede do Quarto Distrito Policial, onde se achava a Autoridade Policial DR JOSÉ LUIZ MIGLIOLI, comigo Escrivã de Polícia Dulcilene, compareceu o condutor PRF Eron Pathik Ribeiro, conduzindo preso os indiciados NILSON COSTA DA SILVA e JOÃO AGOSTINHO DA SILVA, diante da infringência ao artigo 197, inciso II; artigo 201 “caput” (Crime contra a Organização de Trabalho); artigo 262, § 1º (Crimes contra a segurança dos meios de comunicação e transporte) e artigo 288 “caput” (quadrilha ou bando) todos do Código Penal, bem como a indicação da participação de outros envolvidos, em movimentação grevista de conotação política, paralisando a Rod. Presidente Dutra com seus veículos.”
Por Paulo de Tarso Venceslau e Jorge Fernandes

Assim começa o Auto de Prisão em Flagrante Delito elaborado pelo delegado Miglioli, tendo como vítima a Justiça Pública e como autor Nilson Costa da Silva e outros. Era o fim de uma manifestação sindical que se iniciara na porta da fábrica da Volkswagen contra a intransigência patronal da multinacional alemã.
A versão apresentada pelo delegado Miglioli, e que consta nos autos do processo, é diferente da apresentada pelos sindicalistas. Segundo o delegado, a prisão não foi feita pela polícia civil no momento em que os mesmos se apresentaram depois de terem passado pelo 1º DP na avenida JK. Os sindicalistas teriam sido detidos e conduzidos à sede do 4º DP em Quiririm por dois membros da Polícia Rodoviária Federal (PRF): Eron Pathik Ribeiro e Fernando César de Lima Moreira.

Começo da história
Há um conflito entre a Volkswagen e seus funcionários e não existe qualquer sinal de fumaça no sentido de uma solução. Os trabalhadores estão convencidos de que, pelo menos no Brasil, nada justifica a decisão da empresa de manter inegociáveis três pontos básicos que conduziriam a demissões, à piora nas condições de trabalho e à terceirização das chamadas áreas indiretas.
Esse impasse fez com que o Sindicato promovesse uma manifestação na madrugada fria de quarta-feira, 31. Isolados pela própria localização da fábrica e pelo horário proletário de trabalho, os funcionários aprovaram por unanimidade a proposta de bloquear a via Dutra, que fica ao lado da Volks, por cerca de meia hora.
Imediatamente, o departamento de segurança patrimonial da empresa comunicou à Polícia Rodoviária Federal. Lá chegando, os patrulheiros testemunharam um carro ser atravessado na pista e abandonado por dois passageiros que teriam se misturado aos demais manifestantes. Para tentar desimpedir a rodovia, os policiais federais fizeram uso de bombas de gás e de mostarda. Um acidente foi registrado devido ao bloqueio na Dutra.
Sem sucesso, os policiais assistiram a interrupção da rodovia mais importante do Brasil por cerca de trinta minutos. Durante a espera, a PRF conseguiu identificar e prender os dois condutores do veículo que foi atravessado propositalmente na pista: Nilson Costa da Silva e João Agostinho da Silva. O primeiro é diretor jurídico do Sindicato e o segundo, um militante que sequer participava do movimento e ali se encontrava apenas para entregar alguns papéis.

Efeitos colaterais
Nilson e João permaneceram presos até terça-feira, 6. Nesse mesmo dia, o delegado Miglioli indiciou no mesmo processo e nos mesmos artigos, como co-autores, Valmir Marques da Silva, presidente do Sindicato, e Natal Casemiro, assessor sindical. O primeiro por ter incitado a paralisação e o segundo por ter liderado a passeata dos cerca de mil metalúrgicos que se dirigiram a pé da fábrica até a rodovia.
Miglioli afirma que as prisões e os indiciamentos nada têm a ver com o movimento sindical. Para ele, se o movimento fosse por aumento salarial e se restringisse à unidade industrial, ele poderia até “vestir a camisa da CUT para reivindicar aumento salarial para sua categoria”. Porém, a obstrução da rodovia Dutra é inaceitável e se configura em crime, segundo Miglioli.

Limites
A grande questão que se coloca tem a idade da república: onde está, quem determina e como ser fiel à cláusula pétrea da democracia de que a liberdade se encerra no momento em que começa prejudicar a liberdade do outro. A livre manifestação é um direito conquistado. Tanto é que os mesmos sindicalistas entregaram ao ministro do Trabalho, Luís Marinho, um dossiê a respeito desses fatos e pediram sua interferência direta para solucionar o impasse com a empresa alemã.
Apesar das prisões, ameaças e conflitos, tudo indica que mais uma vez a montadora encena uma velha e conhecida peça: simular uma grave crise para que o governo, dessa vez, financie com juros a modernização que a ganância impediu que fosse feita na época certa para que pudesse manter a competitividade com americanos, asiáticos, franceses e italianos.

 


Empresa contesta Sindicato dos Metalúrgicos, afirma que quer construir uma proposta que atenda a todos, mas se nega a comentar a prisão de sindicalistas

A Volkswagen enfrenta grave crise no mercado de exportação. Porém, no mercado interno cresce 14%. Para a empresa, a solução está em um plano de reestruturação -corte de produção e de funcionários- que causa apreensão ao movimento sindical.
A montadora contesta a informação dos dirigentes sindicais quando afirma que tem buscado discutir o problema junto aos sindicatos. Segundo a Volks, os metalúrgicos solicitaram que o entrave fosse debatido com os sindicatos de Taubaté, São Bernardo (SP) e São José dos Pinhais (PR) juntos. Porém, apenas uma reunião aconteceu entre as partes no dia 26 de maio desde o início das negociações, segundo a empresa.
“Está tudo em aberto e vai depender da mesa de negociação. Esperamos construir um entendimento”, esclarece o assessor de imprensa Ricardo Julio. O plano de reestruturação da Volks, segundo Júlio, não visa aterrorizar os funcionários da montadora. Ele descarta qualquer argumento de que a meta da empresa seja “precarizar” o trabalho dos metalúrgicos. “Queremos ouvir o Sindicato”. O assessor explica ainda que “não existe proposta de redução salarial, mas sim de reduzir a tabela salarial para contratações futuras”. Hoje, a média salarial de um funcionário da Volks gira em torno de R$ 3.157,80.
Para garantir o acesso de funcionários que querem trabalhar e de fornecedores, a Volkswagen acionou a Justiça. Entrou com uma medida cautelar de interdito proibitório que não interfere no direito de realizar greve, porém garante o direito de quem quer entrar na fábrica para trabalhar.
Sobre a presença de policiais dentro da fábrica, a assessoria esclarece ainda que a polícia atua em dias de pagamento justamente para garantir a segurança de funcionários e que é comum algum policial almoçar na empresa.
Sobre a manifestação na Rodovia Presidente Dutra e a prisão de dois sindicalistas no dia 31 de maio, a empresa não comenta o assunto.

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Jornal CONTATO 2006