Sempre gostei de histórias de amor. Sempre. Como historiador,
a história das histórias de amor me fascina
e convida a mergulhos nas profundas águas de seus
mistérios. Por vezes em minha vida fiquei atento
às expressões que se referem à pessoa
amada, e, nesta linha, duas delas merecem consideração:
“cara-metade” e “alma gêmea”.
Fico perplexo por saber que as pessoas desconhecem a origem
de termos presentes em praticamente todas as línguas
do ocidente. E nos dois casos há uma mesma origem,
nobre, relacionada à fundamentação
mítica. Certamente, há de haver outras explicações
para tais expressões, mas, dentre tantas, há
uma lenda que chega a me comover pela beleza e sofisticação
dos detalhes que, por meio da memória popular, atravessou
os séculos e se eternizou em páginas atentas
aos estudos de mitologias.
Tudo teria ocorrido na Grécia do poeta Aristófanes.
Segundo o pressuposto lendário relatado, no começo
do mundo, todos os seres eram unos e duplos em si. Homens
e mulheres ao mesmo tempo, todos tinham duas cabeças,
quatro braços e pernas, um sexo de cada lado.
Os estranhos seres então eram chamados “andróginos”
e se bastavam porque eram completos em si. E felizes ao
extremo por não precisarem de partes que os completassem.
Era assim que Aristófanes explicava a origem do amor
que seria um sentimento tão forte e pleno, capaz
até de limitar o poder dos deuses do Olimpo.
Ameaçados mediante o esforço dos “andróginos”
que, convictos de que com a intensidade do amor poderiam
tudo, os deuses construíram uma torre para alcançar
e vencer as grandes entidades que, por sua vez, sentindo-se
agredidas, resolveram puni-los com uma maldição
fatal.
De forma dramática, os “andróginos”
foram separados, divididos em duas partes, tornando-se fracos
e dependentes uns dos outros. Então, seres com apenas
uma cabeça, dois braços e duas pernas, os
andróginos perderam a capacidade de se bastar e sua
solidão seria imensa até que, multiplicados
na Terra, um só seria feliz se encontrasse a sua
perfeita cara-metade. Ou homens ou mulheres, os seres teriam
a maldição da procura de seu outro eu. E seria
muito difícil uma parte achar a outra, pois todos
estariam misturados e perdidos em multidões.
Mas os grandes deuses deixaram uma possibilidade, pois se
os fragmentos estivessem atentos a se encontrar, não
significariam grande ameaça aos poderes olímpicos.
De outro jeito, os ex-andróginos só se completariam
se fossem perfeitamente ajustados uns aos outros. Reunidas,
cada fração poderia ser novamente forte. Caso
contrário, de acordo com o mito, a maldição
divina faria que homens e mulheres fossem sempre infelizes,
frustrados e perambulariam pela vida em busca da sua alma
gêmea.
Certamente, a lenda, por bonita que seja, não corresponde
a mais elementar possibilidade científica. Mas, seu
encanto é incomensurável. E também
o é a lição que todos precisamos de
nossa cara-metade ou alma gêmea. E assim vagamos pelo
mundo na caçada incessante de seres que nos complementem
e nos façam felizes.
Mais do que tudo, resta pensar na sabedoria popular que,
mesmo tendo esquecido a origem mitológica das expressões,
não deixa de lado o dever individual de buscar o
outro, o par, o complemento.