Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy

Diários da Floresta


O livro que leva o nome dessa crônica é comentado por JC Sebe que, como ninguém, conhece a alma de pesquisadores e escritores como Betty Mindlin que não consegue esconder a saudade, a distância e a contemplação de alguns elementos de sua vida que estiveram conjugados como o quase irresistível apelo àquela cultura indígena complexa e plena de detalhes

Os resultados das pesquisas de antropólogos sempre são mostrados em livros conclusivos, objetivos e algumas vezes frios demais. Quase sempre, o estereótipo do intelectual que vê os “outros” acaba por sugerir mais distância do que proximidade, mais estranhamento do que compreensão. Uma forma de romper esses bloqueios é descobrir como as pesquisas foram feitas e neste sentido, cadernos, anotações e diários revelam bastidores de aventuras que por vezes são tão importantes como os resultados. E dão colorido, vida, às situações que de outra forma não revelam aspectos subjetivos da construção dos textos publicados como livros. A constatação disto tem motivado a revelação de passos articuladores das conclusões.
Como arremedo de uma etnografia pessoal, algo que flagra a alma do antropólogo, os chamados escritos do eu convidam à explicitação de como as coisas acontecem. Entre nós, diários famosos, gradativamente, ganham o público não apenas acadêmico, mas também pessoas interessadas nos processos individuais de apreensão de realidades vistas por outros. Darcy Ribeiro com seu Diários índios: os Urubus-Kaapor, Eduardo Galvão com Diários de Campo e Berta Ribeiro com Diários do Xingu abrem estrada para Diários da Floresta de Betty Mindlin, publicado recentemente pela Editora Terceiro Nome, de São Paulo.
A semente da experiência contida neste volume remete aos anos de 1979 e 1983. Depois de Apoena Meirelles ter estabelecido os primeiros contatos com os Suruí Paiter, em 1969, Betty Mindlin empreendeu seis viagens àquele povo. O produto mais visível desta fase foi a tese de doutorado que mais tarde foi lançada com o título Nós Paiter. A revelação do sistema de vida de um grupo caçador, agricultor, habituado a conflitos com os inimigos e íntimos conhecedores da floresta, surpreendeu quantos ainda se espantam com os últimos povos isolados.
Hoje, passados tantos anos daqueles momentos, vendo como a sociedade capitalista indiscriminadamente se projeta sobre o mesmo povo, mostra-se oportuno retomar impressões colhidas então. O registro de situações plurais de quem viu e anotou “para si” determinadas circunstâncias, dimensionado depois, agrega valor a um texto que, mais que nostálgico, desafia a compreensão do processo. De certa forma, para responder a questão do que aconteceu vale retomar o como foi visto por alguém que tem se dedicado aos Suruí como causa existencial.
Mas Diários da Floresta não é um texto cru. Cuidados de edição foram tomados a fim de cortar repetições e assim promover um texto mais esperto, capaz de revelar a intenção de uma proposta que põe o pé no presente. Neste sentido, também comentários complementares foram somados com a intenção de promover uma visita instruída a um grupo que antes de ter seus destinos comprometidos com madeireiros, caçadores de diamantes, contatos maléficos com depredadores da floresta, mantinha uma prática de vida reveladora de soluções originais de cura, trato social, formas de sobrevivência e relações humanas. Estas questões, aliás formularam o grande dilema contido nos Diários que é o limite da alteridade.
A saudade, a distância e a contemplação de alguns elementos da vida da autora estiveram conjugados como o quase irresistível apelo àquela cultura complexa e plena de detalhes. Estas referências aliás, se transbordam na ternura e na crítica contida nas provocantes páginas deste Diários da Floresta. Por razões de proteção a algumas pessoas, nomes foram trocados, situações alteradas, mas nada que comprometesse a essência que se formula como convocação à abordagem de um texto magnífico. Não deixem de ler Diários da Floresta.

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