Belmonte e o Juca Pato

Nosso versátil Professor Marmo recupera detalhes pitorescos do primeiro cartunista brasileiro reconhecido como intelectual respeitado e criador de um personagem que emprestou seu nome para um prêmio anual criado pela União Brasileira dos Escritores.


Benedito Bastos Barreto

Benedito Bastos Barreto, o Belmonte, nasceu em São Paulo, em 1896 e fez-se caricaturista, desenhista, escritor, historiador, pintor e jornalista, tendo como farol suas leituras de Schopenhauer, Eça de Queiroz e Nietzsche.
Aos 15 anos, Belmonte faz seus primeiros trabalhos em revistas estudantis de São Paulo, onde começa a desenhar e fazer sonetos. Pobre, nunca aprendeu desenho. Rabiscava por intuição. Belmonte conseguiu publicar seus desenhos em 1914, na revista "Rio Branco". No mesmo ano começou a desenhar para a revista "Alvorada", mas, como era desconhecido e tímido, somente em 1919 recebeu dinheiro por um desenho - cinco mil réis - para a revista "Miscellanea".
Entra para a Faculdade de Medicina e abandona o curso em seu primeiro ano. Sem ter decidido pela carreira de caricaturista, faz a opção pelo jornalismo.
Passa a colaborar para o carioca D.Quixote, do jornalista Bastos Tigre, tratando de assuntos paulistas. Em 1921, pousa na Folha da Manhã publicando charges diárias, tornando-se, em pouco tempo, o único grande expoente da caricatura fora do Rio de Janeiro, onde J. Carlos ("o pai de todos nós", segundo o próprio Belmonte), Raul, Kalixto e outros ditavam as regras. Em 1922, recebe o convite do jornalista Jorge Schmidt para substituir J. Carlos na Careta. Belmonte vem ao Rio, passa um dia na Corte e volta correndo, assustado, por onde veio (hoje muitos cariocas desejariam fazer o mesmo).
Além de criar personagens, Belmonte também ilustrou livros de Monteiro Lobato e uma edição brasileira de "Primo Basílio", de Eça de Queirós. Atuando como pesquisador, fez as ilustrações do livro "Povos e Trajes da América Latina", de Egon Schaden. Também foi autor vários volumes, entre eles "No tempo dos Bandeirantes". Mantinha no jornal uma crônica, na qual criticava os costumes, a política nacional (Vargas e o Estado Novo) e internacional (o nazismo e o fascismo). Revistas como a "Rire" (França), "ABC" (Portugal), "Caras y Caretas" (Argentina), "Judge" (EUA) e "Kladeradtsch" (Alemanha) publicaram desenhos seus.
De volta a São Paulo, continua colaborando com várias publicações cariocas. Em 1925, já na Folha da Noite, cria o que seria a mais completa tradução do paulistano médio, que sofria a impotência ante os desmandos e injustiças dos poderosos de momento.


Vítima de tanto levar na cabeça, Juca Pato tinha que se conformar-se, pois sempre "podia ser pior"

Na pia batismal do papel em branco, Belmonte deu o nome de Juca Pato para um sujeitinho careca, de óculos, gravatinha e polainas. Sucesso estrondoso. Tornou-se marca de café em pó, de cigarros, nome de bar, bebida, cavalo de corrida e graxa de sapato. Foi cantado em maxixe ("Coitado do Juca Pato") e até em um tango argentino, tudo isso sem ver um tostão de direito autoral.

Em 1939, o pau come na Europa. Belmonte resolve dar seus tirinhos no inimigo estrangeiro, amordaçado que estava pelo governo Getúlio Vargas. Tiros estes que acertaram em cheio o III Reich, sendo que só Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, abriu o berreiro. Dirigindo-se aos ouvintes da Rádio de Berlim, em janeiro de 1945, com recortes de charges na mão, Goebbels acusou o caricaturista paulistano de receber dinheiro dos ingleses e americanos para atacar o nazismo. Não recebeu de ingleses, americanos e muito menos de brasileiros.
Belmonte morreu em 1947, aos 50 anos, segundo o atestado de óbito, vítima de desnutrição profunda e infecção gripal. Em 1962, A União Brasileira dos Escritores criou o prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano. O escritor Marcos Rey, seu idealizador, foi quem propôs utilizar o nome do personagem de Belmonte: "O Juca Pato, a grande vítima dos tubarões, pisado pelos homens da lei e pelos poderosos, e que nunca teve um amigo, o terá agora na pessoa do intelectual". O prêmio já foi concedido a San Thiago Dantas, Alceu de Amoroso Lima, Cassiano Ricardo, Érico Veríssimo, Jorge Amado e Cora Coralina, entre outros.

| home |

© Jornal Contato 2006