Contato:
Como foi seu início de carreira?
Losekann: Comecei como voluntário em Cruz Alta,
RS, e logo fui contratado. Editava, carregava fitas, fazia quase
tudo... Um dia fui fazer uma enquete (ouvir opinião das pessoas
sobre uma música que ganhara o festival local). Foi meu primeiro
encontro com o microfone. Logo eu me tornaria oficialmente repórter.
Tempos depois, fui para Pelotas e, mais tarde, Caxias do Sul (RBS
TV). Em 1987 decidi que queria outras experiências. Eu já
fazia matérias para jornal e rádio, mas apenas como
freelancer. Então aceitei uma proposta para trabalhar na
Rádio Gaúcha de Porto Alegre. Foi ótimo porque
aprendi a improvisar, a contar uma história sem o recurso
de imagem (foto ou cenas). Foi um ano e pouco de escola com grandes
professores, radialistas de primeira. De lá voltei para a
RBS TV, mas em Santa Catarina (Florianópolis). Comecei como
repórter local, mas em menos de um ano já estava fazendo
matérias para a Globo. Mais um ano e meio nessa função
e veio o convite para trabalhar na própria Globo. Comecei
em Brasília, depois fui para Manaus (correspondente na Amazônia),
Rio de Janeiro, São Paulo e, novamente, Rio... Até
que veio o convite para ser correspondente em Londres. De lá,
vim parar em Jerusalém.
Primeiras
experincias como^repórter em Cruz Alta, Rio Grande do Sul,
1985
Contato:
Como foi o processo que culminou com sua ida para Israel?
Losekann: A chegada foi no dia 15 de maio de 2004, sendo
que a estréia no Jornal Nacional ocorreu 9 dias mais tarde,
depois que eu preenchi todas as exigências legais para a obtenção
do visto e o credenciamento junto aos órgãos de imprensa.
Foi um casamento de circunstâncias e criatividade administrativa,
além de uma grande coincidência. A circunstância
principal envolve a tecnologia. A internet veio facilitar e, principalmente,
baratear tudo, pois permitiu a remessa de matérias por banda
larga, o que elimina toda a parafernália e a burocracia dos
procedimentos via satélite. Inventaram o programa de computador
Clip Net, equipamento principal do chamado ''Kit Correspondente'',
que compreende lap top, câmera, cabos, microfones, baterias,
tripé, fitas, etc... Imediatamente a direção
da CGJ (Central Globo de Jornalismo) vislumbrou o novo mapa-mundi
do jornalismo da Globo. Em vez de ter repórteres concentrados
em Londres, conectados ao satélite, por que não espalhá-los
pelo mundo, em pontos jornalisticamente estratégicos? E assim,
de forma pioneira, a CGJ iniciou o estudo dos possíveis pontos
que seriam preenchidos ao redor do planeta.
Gravando passagem diante das muralhas da cidade
velha de Jerusalem
Contato:
Como é a sua rotina de trabalho?
Losekann: Nesses 26 meses, vários eventos me obrigaram
a trabalhar de sol a sol, literalmente: a doença do primeiro-ministro
Ariel Sharon, a retirada dos colonos judeus da Faixa de Gaza e os
funerais de Yasser Arafat, só pra ficar em três exemplos.
Nesses casos, foram VTs para o Bom Dia Brasil, para o Jornal Hoje,
para o Jornal Nacional e para o Jornal da Globo, além do
Fantástico no domingo - durante semanas. Você vira
testemunha ocular, realmente, da história. Levanto por volta
de 8 horas da manhã e já começo, durante o
café, a ler os jornais locais. Vou para a cama só
depois das duas da matina, após o fechamento do JN e do JG...
E no dia seguinte, tudo outra vez. Quando não vou ao front
eu fecho as matérias a partir de Jerusalém, com notícias
apuradas com fontes no governo israelense, na autoridade palestina,
em nossas embaixadas em Beirute, Amman e Tel Aviv, além das
Agências de Notícias. Quando vou ao front, é
barra. Além de atender a todos os telejornais, ainda há
o trabalho em si, a filmagem, a coleta de informação
com fontes nem sempre tranqüilas, descansadas ou disponíveis.
Fora isso, tem a tensão, os tiros, os foguetes que partem
do outro lado da fronteira e caem a esmo... É mais complicado,
mas mais interessante também.
Contato:
Você edita e faz as passagens sozinho ou conta com um cinegrafista?
Losekann: Optamos - eu e a direção da Globo
- por trazer um cinegrafista de Londres ou do Brasil em casos mais
complexos. Foi o que aconteceu, por exemplo, na morte do Arafat,
quando fui ajudado por Sérgio Gilz, de Londres, e na retirada
dos colonos israelenses de Gaza, quando veio o Ronaldo de Sousa,
da TV Globo de São Paulo. Nas ocasiões especiais inesperadas,
contratamos um freelancer. Nas demais coberturas eu trabalhei sozinho,
até porque é complicado estar com um cinegrafista
israelense se você precisa ir gravar no lado palestino ou
em qualquer país árabe da vizinhança. Entretanto,
nesta cobertura do duplo conflito (Israel x Hezbollah e Israel x
Militantes Palestinos) contratamos um freelancer italiano e funcionou
muito bem. Foi um achado!
Preparando a câmera para comecar a gravar
Contato:
A Globo tem um manual ou código de segurança?
Losekann: A segurança na TV Globo está acima
de tudo. Eu mesmo, bem como outros colegas que eventualmente cobrem
conflitos, fiz um curso de sobrevivência em áreas de
risco (jornalismo de guerra) ministrado por uma empresa anglo-americana,
a Centurion. É um curso de imersão total. Claro que
numa guerra, tudo pode acontecer. No dia 4 de agosto, por exemplo,
em Metula - extremo norte de Israel - estávamos em uma zona
de risco mas havia a sirene tocando toda hora, avisando que devíamos
nos proteger. Corríamos para nos abrigar toda vez que a sirene
tocava. Até aí, tudo de acordo com as normas. Entretanto,
um míssil caiu do nosso lado de repente, sem que a sirene
tivesse tocado. Ele veio muito baixo, fora do alcance dos radares
israelenses que detonam o alarme. Acontece. Felizmente, foi apenas
um susto, um grande susto...
Contato:Você
já passou por alguma situação de risco de morte?
Losekann: Além do dia em que um foguete Katiucha,
disparado pelo Hezbollah, caiu uns 100 metros de onde eu gravava
uma passagem em Metula, e além do susto inicial, no campo
de refugiados Brazil, senti meu coração disparar muitas
vezes durante minhas incursões ao front. Às vezes,
você é enganado pelo eco, pelo vento ou mesmo pela
falta de experiência. Então, quando vê, está
diante dos canhões que estão disparando um ou dois
metros acima de sua cabeça. É um sufoco (risos). Já
nas cidades alvos do Hezbollah o risco de morte é permanente.
A mesma coisa acontece nos territórios palestinos, com um
agravante: é fogo cruzado.
Gravação de materia e, campo de batalha
Contato:
Qual é o local mais cobiçado da cobertura entre os
correspondentes internacionais? E o mais arriscado?
Losekann: O interesse varia de acordo com o perfil do jornalista.
Pra mim o local mais cobiçado é onde tem conflito,
pois é dos conflitos que saem as grandes matérias
e podem sair as grandes decisões, os grandes acordos de paz,
inclusive... Isso me fascina. Arriscado creio ser o lugar que vive
mergulhado em conflito, como o Oriente Médio todo e a Chechênia
- só pra citar dois exemplos. Talvez o Iraque, dentro da
minha região de atuação, seja muito mais perigoso
que estar nos demais países, inclusive aqui na Terra Santa
(Israel e territórios Palestinos).
Contato:
Os dois lados em conflito respeitam a imprensa?
Losekann: Totalmente. No Líbano, certa vez, fui
chamado pelo Hezbollah para conversar. Eu estava no lado israelense,
gravando uma matéria. Eles me viram, fizeram contato e eu
aceitei o convite para cruzar a fronteira. Fui bem respeitado. Nos
territórios palestinos chega a ser comovente o modo como
sou tratado, ainda mais que eles conhecem a minha ''equipe'' (risos)
formada pelo Pelé, pelo Ronaldinho, o Zico, o Dida, o Ronaldo...
Basta falar que sou Brasileiro e eles já se põem a
citar os nomes de nossos craques. É uma alegria para eles.
Fora isso, os palestinos sabem muito bem usar as chances na imprensa.
Eles aprenderam que existe uma guerra de propaganda e que mostrar
as mazelas, os sofrimentos, os mortos... enfim, revelar tudo só
ajuda a causa deles. No lado isralense a coisa é mais organizada
quando o assunto é informação oficial, sendo
que há um departamento de Imprensa do Governo que cuida dos
credenciamentos e tudo o mais. Mesmo assim, isso não significa
censura. Jamais requisitaram uma fita, nunca exigiram cópia
de matéria para ver ou vetar, nada.
Contato:
Como avalia a relação entre o Exército israelense
e a imprensa?
Losekann: Eles estão aprendendo. Eram mais distantes
dos repórteres anos atrás. Quando vim para morar já
estavam melhores. Hoje estão perfeitos sob o ponto de vista
do resultado para ambos os lados. Eles dispõem de mesas:
mesa América do Norte, mesa América Latina, mesa Europa
e mesa Ásia. Você liga pra mesa da sua região,
no meu caso a da América Latina, e fala com um oficial que
está por dentro de quase tudo (se não está
sabendo ele trata de correr atrás). A ele você solicita
entrevista, locação, acesso, etc... E dele você
recebe informações (via telefone ou e-mail), convites
para entrevistas coletivas ou exclusivas, etc... Funciona bem, embora
ainda haja uma certa dose de burocracia. Já nos territórios
palestinos, onde a coisa é mais ''à vontade'', um
jornalista consegue mais informações, amplo acesso,
essas coisas... Mas, convenhamos, dá perfeitamente pra entender
as inevitáveis diferenças, né?
Contato:
A imprensa israelense é apaixonada, engajada ou imparcial?
Losekann: Quando o assunto é uma unanimidade nacional,
como o Hezbollah ou os militantes palestinos, a imprensa é
bastante pró-governo, pró-ações militares,
pró-solução armada, ou seja lá o que
for. Mas, justiça seja feita: eu pensei que fosse mais, viu?
Acho que alguns jornais são 'chapas-branca' nessas horas,
mas outros nem tanto. Da mesma forma TVs, revistas semanais/mensais
e rádios. Na ofensiva no Líbano, não é
raro a gente ler artigos pesados denunciando erros táticos
e de pontaria. E no caso dos palestinos, já vi articulista
metendo o pau no exército, alegando que a defesa de Israel
não poderia perder a razão pelos abusos cometidos.
Enfim, dá de tudo na imprensa israelense. Mas, no frigir
dos ovos, ela é mais engajada, sim. Imparcial ela costuma
ser em fatos corriqueiros, do dia-a-dia ou mesmo nas questões
econômicas e políticas. Quando o tema é segurança
e tudo o que afeta (ou pode afetar) a condição da
própria existência do chamado Estado Judeu, os israelenses
- sejam jornalistas ou não - costuma ser unidos.
Contato:
As autoridades israelenses são acessíveis, transparentes?
Losekann: O dia em que alguém conhecer um político
100% transparente, me apresente, por favor. (risos) Não creio
que eles sejam totalmente abertos nem transparentes, não
necessariamente porque têm algo ''terrível'' pra esconder,
mas porque é do sistema político. Creio que dentro
do possível, eles são acessíveis e muito francos.
Se atacam e matam civis sem querer, não negam nem enrolam.
Pedem desculpas, apresentam suas razões, e enfrentam as eventuais
conseqüências. Acho os orgãos de governo bastante
sinceros nessas questões. Eles até escondem, ou tentam
esconder, mas quando o fato vaza, liberam geral, tratam de falar,
de explicar, etc.
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