Por Pedro Venceslau

Marcos Losekann, correspondente da Globo em Jerusalém.

Losekann começou a trabalhar na RBS TV Cruz Alta (afiliada da Rede Globo) como ''faz tudo'' na redação. O correspondente da Globo em Jerusalém se preparava para viajar ao Brasil para lançar seu primeiro romance, “O Dossiê Iscariotes”, quando o conflito entre Israel e Líbano estourou no quintal de sua casa. A viagem teve que ser adiada, e o livro lançado sem o autor. Nesta entrevista exclusiva, o jornalista fala sobre seu livro, carreira e a rotina da cobertura no Oriente Médio. A matéria completa você confere no site www.jornalcontato.com.br e na edição de setembro da revista IMPRENSA.


Marcos Losekann


Contato: Como foi seu início de carreira?
Losekann:
Comecei como voluntário em Cruz Alta, RS, e logo fui contratado. Editava, carregava fitas, fazia quase tudo... Um dia fui fazer uma enquete (ouvir opinião das pessoas sobre uma música que ganhara o festival local). Foi meu primeiro encontro com o microfone. Logo eu me tornaria oficialmente repórter. Tempos depois, fui para Pelotas e, mais tarde, Caxias do Sul (RBS TV). Em 1987 decidi que queria outras experiências. Eu já fazia matérias para jornal e rádio, mas apenas como freelancer. Então aceitei uma proposta para trabalhar na Rádio Gaúcha de Porto Alegre. Foi ótimo porque aprendi a improvisar, a contar uma história sem o recurso de imagem (foto ou cenas). Foi um ano e pouco de escola com grandes professores, radialistas de primeira. De lá voltei para a RBS TV, mas em Santa Catarina (Florianópolis). Comecei como repórter local, mas em menos de um ano já estava fazendo matérias para a Globo. Mais um ano e meio nessa função e veio o convite para trabalhar na própria Globo. Comecei em Brasília, depois fui para Manaus (correspondente na Amazônia), Rio de Janeiro, São Paulo e, novamente, Rio... Até que veio o convite para ser correspondente em Londres. De lá, vim parar em Jerusalém.


Primeiras experincias como^repórter em Cruz Alta, Rio Grande do Sul, 1985

 

Contato: Como foi o processo que culminou com sua ida para Israel?
Losekann:
A chegada foi no dia 15 de maio de 2004, sendo que a estréia no Jornal Nacional ocorreu 9 dias mais tarde, depois que eu preenchi todas as exigências legais para a obtenção do visto e o credenciamento junto aos órgãos de imprensa. Foi um casamento de circunstâncias e criatividade administrativa, além de uma grande coincidência. A circunstância principal envolve a tecnologia. A internet veio facilitar e, principalmente, baratear tudo, pois permitiu a remessa de matérias por banda larga, o que elimina toda a parafernália e a burocracia dos procedimentos via satélite. Inventaram o programa de computador Clip Net, equipamento principal do chamado ''Kit Correspondente'', que compreende lap top, câmera, cabos, microfones, baterias, tripé, fitas, etc... Imediatamente a direção da CGJ (Central Globo de Jornalismo) vislumbrou o novo mapa-mundi do jornalismo da Globo. Em vez de ter repórteres concentrados em Londres, conectados ao satélite, por que não espalhá-los pelo mundo, em pontos jornalisticamente estratégicos? E assim, de forma pioneira, a CGJ iniciou o estudo dos possíveis pontos que seriam preenchidos ao redor do planeta.

 


Gravando passagem diante das muralhas da cidade velha de Jerusalem

Contato: Como é a sua rotina de trabalho?
Losekann:
Nesses 26 meses, vários eventos me obrigaram a trabalhar de sol a sol, literalmente: a doença do primeiro-ministro Ariel Sharon, a retirada dos colonos judeus da Faixa de Gaza e os funerais de Yasser Arafat, só pra ficar em três exemplos. Nesses casos, foram VTs para o Bom Dia Brasil, para o Jornal Hoje, para o Jornal Nacional e para o Jornal da Globo, além do Fantástico no domingo - durante semanas. Você vira testemunha ocular, realmente, da história. Levanto por volta de 8 horas da manhã e já começo, durante o café, a ler os jornais locais. Vou para a cama só depois das duas da matina, após o fechamento do JN e do JG... E no dia seguinte, tudo outra vez. Quando não vou ao front eu fecho as matérias a partir de Jerusalém, com notícias apuradas com fontes no governo israelense, na autoridade palestina, em nossas embaixadas em Beirute, Amman e Tel Aviv, além das Agências de Notícias. Quando vou ao front, é barra. Além de atender a todos os telejornais, ainda há o trabalho em si, a filmagem, a coleta de informação com fontes nem sempre tranqüilas, descansadas ou disponíveis. Fora isso, tem a tensão, os tiros, os foguetes que partem do outro lado da fronteira e caem a esmo... É mais complicado, mas mais interessante também.

 

Contato: Você edita e faz as passagens sozinho ou conta com um cinegrafista?
Losekann:
Optamos - eu e a direção da Globo - por trazer um cinegrafista de Londres ou do Brasil em casos mais complexos. Foi o que aconteceu, por exemplo, na morte do Arafat, quando fui ajudado por Sérgio Gilz, de Londres, e na retirada dos colonos israelenses de Gaza, quando veio o Ronaldo de Sousa, da TV Globo de São Paulo. Nas ocasiões especiais inesperadas, contratamos um freelancer. Nas demais coberturas eu trabalhei sozinho, até porque é complicado estar com um cinegrafista israelense se você precisa ir gravar no lado palestino ou em qualquer país árabe da vizinhança. Entretanto, nesta cobertura do duplo conflito (Israel x Hezbollah e Israel x Militantes Palestinos) contratamos um freelancer italiano e funcionou muito bem. Foi um achado!

 


Preparando a câmera para comecar a gravar

 

Contato: A Globo tem um manual ou código de segurança?
Losekann:
A segurança na TV Globo está acima de tudo. Eu mesmo, bem como outros colegas que eventualmente cobrem conflitos, fiz um curso de sobrevivência em áreas de risco (jornalismo de guerra) ministrado por uma empresa anglo-americana, a Centurion. É um curso de imersão total. Claro que numa guerra, tudo pode acontecer. No dia 4 de agosto, por exemplo, em Metula - extremo norte de Israel - estávamos em uma zona de risco mas havia a sirene tocando toda hora, avisando que devíamos nos proteger. Corríamos para nos abrigar toda vez que a sirene tocava. Até aí, tudo de acordo com as normas. Entretanto, um míssil caiu do nosso lado de repente, sem que a sirene tivesse tocado. Ele veio muito baixo, fora do alcance dos radares israelenses que detonam o alarme. Acontece. Felizmente, foi apenas um susto, um grande susto...

 

Contato:Você já passou por alguma situação de risco de morte?
Losekann:
Além do dia em que um foguete Katiucha, disparado pelo Hezbollah, caiu uns 100 metros de onde eu gravava uma passagem em Metula, e além do susto inicial, no campo de refugiados Brazil, senti meu coração disparar muitas vezes durante minhas incursões ao front. Às vezes, você é enganado pelo eco, pelo vento ou mesmo pela falta de experiência. Então, quando vê, está diante dos canhões que estão disparando um ou dois metros acima de sua cabeça. É um sufoco (risos). Já nas cidades alvos do Hezbollah o risco de morte é permanente. A mesma coisa acontece nos territórios palestinos, com um agravante: é fogo cruzado.

 


Gravação de materia e, campo de batalha

 

Contato: Qual é o local mais cobiçado da cobertura entre os correspondentes internacionais? E o mais arriscado?
Losekann:
O interesse varia de acordo com o perfil do jornalista. Pra mim o local mais cobiçado é onde tem conflito, pois é dos conflitos que saem as grandes matérias e podem sair as grandes decisões, os grandes acordos de paz, inclusive... Isso me fascina. Arriscado creio ser o lugar que vive mergulhado em conflito, como o Oriente Médio todo e a Chechênia - só pra citar dois exemplos. Talvez o Iraque, dentro da minha região de atuação, seja muito mais perigoso que estar nos demais países, inclusive aqui na Terra Santa (Israel e territórios Palestinos).

 

Contato: Os dois lados em conflito respeitam a imprensa?
Losekann:
Totalmente. No Líbano, certa vez, fui chamado pelo Hezbollah para conversar. Eu estava no lado israelense, gravando uma matéria. Eles me viram, fizeram contato e eu aceitei o convite para cruzar a fronteira. Fui bem respeitado. Nos territórios palestinos chega a ser comovente o modo como sou tratado, ainda mais que eles conhecem a minha ''equipe'' (risos) formada pelo Pelé, pelo Ronaldinho, o Zico, o Dida, o Ronaldo... Basta falar que sou Brasileiro e eles já se põem a citar os nomes de nossos craques. É uma alegria para eles. Fora isso, os palestinos sabem muito bem usar as chances na imprensa. Eles aprenderam que existe uma guerra de propaganda e que mostrar as mazelas, os sofrimentos, os mortos... enfim, revelar tudo só ajuda a causa deles. No lado isralense a coisa é mais organizada quando o assunto é informação oficial, sendo que há um departamento de Imprensa do Governo que cuida dos credenciamentos e tudo o mais. Mesmo assim, isso não significa censura. Jamais requisitaram uma fita, nunca exigiram cópia de matéria para ver ou vetar, nada.

 

Contato: Como avalia a relação entre o Exército israelense e a imprensa?
Losekann:
Eles estão aprendendo. Eram mais distantes dos repórteres anos atrás. Quando vim para morar já estavam melhores. Hoje estão perfeitos sob o ponto de vista do resultado para ambos os lados. Eles dispõem de mesas: mesa América do Norte, mesa América Latina, mesa Europa e mesa Ásia. Você liga pra mesa da sua região, no meu caso a da América Latina, e fala com um oficial que está por dentro de quase tudo (se não está sabendo ele trata de correr atrás). A ele você solicita entrevista, locação, acesso, etc... E dele você recebe informações (via telefone ou e-mail), convites para entrevistas coletivas ou exclusivas, etc... Funciona bem, embora ainda haja uma certa dose de burocracia. Já nos territórios palestinos, onde a coisa é mais ''à vontade'', um jornalista consegue mais informações, amplo acesso, essas coisas... Mas, convenhamos, dá perfeitamente pra entender as inevitáveis diferenças, né?

 

Contato: A imprensa israelense é apaixonada, engajada ou imparcial?
Losekann:
Quando o assunto é uma unanimidade nacional, como o Hezbollah ou os militantes palestinos, a imprensa é bastante pró-governo, pró-ações militares, pró-solução armada, ou seja lá o que for. Mas, justiça seja feita: eu pensei que fosse mais, viu? Acho que alguns jornais são 'chapas-branca' nessas horas, mas outros nem tanto. Da mesma forma TVs, revistas semanais/mensais e rádios. Na ofensiva no Líbano, não é raro a gente ler artigos pesados denunciando erros táticos e de pontaria. E no caso dos palestinos, já vi articulista metendo o pau no exército, alegando que a defesa de Israel não poderia perder a razão pelos abusos cometidos. Enfim, dá de tudo na imprensa israelense. Mas, no frigir dos ovos, ela é mais engajada, sim. Imparcial ela costuma ser em fatos corriqueiros, do dia-a-dia ou mesmo nas questões econômicas e políticas. Quando o tema é segurança e tudo o que afeta (ou pode afetar) a condição da própria existência do chamado Estado Judeu, os israelenses - sejam jornalistas ou não - costuma ser unidos.

 

Contato: As autoridades israelenses são acessíveis, transparentes?
Losekann:
O dia em que alguém conhecer um político 100% transparente, me apresente, por favor. (risos) Não creio que eles sejam totalmente abertos nem transparentes, não necessariamente porque têm algo ''terrível'' pra esconder, mas porque é do sistema político. Creio que dentro do possível, eles são acessíveis e muito francos. Se atacam e matam civis sem querer, não negam nem enrolam. Pedem desculpas, apresentam suas razões, e enfrentam as eventuais conseqüências. Acho os orgãos de governo bastante sinceros nessas questões. Eles até escondem, ou tentam esconder, mas quando o fato vaza, liberam geral, tratam de falar, de explicar, etc.

 

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