Foram
três anos e oito meses de Londres. Lá eu não
me sentia em casa. Morei de favor numa casa paroquial onde, na igreja
da frente, uma vez por semana – domingo de tarde – eu
celebrava uma missa em português para os brasileiros. Como
aumentou muito o número de brasileiros após a minha
chegada, os bispos de Londres nos deram uma igreja vazia (ou ociosa?)
com uma bela casa paroquial ao lado. Cabe aqui uma explicação.
O número de fiéis aumentou não porque eu tenho
charme ou appeal. É que meu antecessor era um jesuíta
espanhol que falava português – e até bem. Mas,
seu sotaque dava nos nervos e fazia rir os brasileiros que não
iam embora.
Quando eu cheguei, de brasileiro pra brasileiro, aquilo lá
foi enchendo de gente, tanto que tivemos que nos mudar. A Igreja
estava bem estragada fisicamente. Os brasileiros fizeram grupos
de mutirão e estão deixando aquilo lá lindo.
As missas se multiplicaram e começamos a mobiliar a casa.
Uma verdadeira mansão vitoriana de quatro andares. Embora
aconchegante e até quentinha, não era a “minha
casa”.
Fui feliz lá e realizamos muitas coisas. Mas o tempo passou,
o contrato venceu, che-garam então três substitutos
– já que o serviço aumentara – e, à
medida em que eles foram perdendo o medo da língua inglesa,
eu pude começar a me arrumar pra vir embora. Isto aconteceu
agora na segunda semana de agosto.
Voltei para o meu apartamentozinho na Anízio Ortiz... mas
parece que mesmo ali, não é ainda a minha casa. Não
é ainda ou não é mais a minha casa. Casa da
gente é a casa da mãe da gente, mesmo que a gente
vá ser padre ou se case mesmo que casado, tenha a nova casa
com a esposa e os filhos. O sentimento de casa mesmo é com
relação à casa da mãe. Isto não
é imaturidade e muito menos complexo de Édipo.
Mas, quantos maridos reclamam que não podem tirar um cochilo
na cama após o almoço porque vai desmanchar a cama?
Não pode ler o jornal na sala porque a sala já está
arrumada, não pode ler no banheiro porque até os netos
querem usar o banheiro do quarto do casal – normalmente o
mais confortável – mesmo que a casa tenha dúzias
de banheiros.
Enfim, quantos que deixam pra ler o jornal no barbeiro, no clube
ou no ônibus.... isto pra não falar das brigas por
causa da tampa do vaso sanitário ... do último pingo
de xixi que sempre cai no chão... do copo que após
ter bebido água fica em cima da pia... os óculos que
você deixa uns instantes em cima do móvel e quando
você volta já foi pra alguma gaveta... e assim vai...
e mesmo o padre, que mora sozinho ou tem uma governante...
A geladeira tem tudo o que a governante gosta de fazer ou de comer...
mas aquele doce de leite feito durante horas, em que a mãe
da gente perdia tempo mexendo no fogão ... isto nunca mais:
agora é só bolo de cenoura ou de fubá.... gelatinas
e musses... quando tudo o que a gente queria era aquele bolinho
de “vira cambota” que a mãe da gente fazia de
tarde, com café preto bem quentinho, na caneca de ágate,
especialmente nas tardes de chuva... voltei pra casa, mas que saudades
de minha mãe.
Mas eu não posso reclamar. Voltei e encontrei o carinho de
tanta e tanta gente que me quer bem e todos só têm
uma frase nos lábios: “onde é que você
vai ficar?” Ficar pra jovens é tipo namorar, ficar
pra padre é onde você vai celebrar.
Onde a gente encontra você? Se eu precisar... onde eu encontro
você? É interessante a “amizade” que a
maioria tem com o padre. O padre fala tanto lá na frente
e, no meu caso, que falo muito eu me abro muito... de repente todo
mundo sabe dos meus segredos e partilha comigo a minha dor. Embora,
da grande maioria, eu nem veja o rosto e nem saiba o nome. Mas eles
são meus amigos... eles sabem de minha história, de
meus sentimentos e do que trago no fundo do coração.
Eu posso não reconhecê-los, mas eles sabem quem eu
sou... e se precisarem de mim, eles precisam saber onde vou ficar.
E todos eles trazem na consciência, de maneira inconsciente:
e se você precisar de mim e só falar...
Estou experimentando este tipo de intimidade anônima de maneira
muito forte, es-pecialmente agora, depois de ter ficado estes quase
quatro anos fora. Foram quase quatro anos, mas nada mudou o tipo
de nosso relacionamento: eu ainda sou o amigo deles e eles são
meus amigos. Talvez seja isto que muitos dos que me estão
agora lendo estão sentido. No fundo, no fundo, a gente é
íntimo... a gente se ama. E eu sinto que alguns até
estarão dizendo: como é que você não
tem casa? Como é que você não se sente em casa?
Venha pra minha casa.
Por isso venço as saudades de meu pai e de minha mãe
e, mesmo morando num a-partamentozinho vazio e frio, eu posso dizer:
que bom.
Depois desta aventura na Inglaterra, finalmente, eu voltei pra minha
casa!
|