Meu
caro amigo,
Estou mal com você, muito mal. Como foi embora assim,
sem se despedir, sem sinal de adeus, sequer sem deixar um
sorriso? E por quê? Sua saída brusca não
deixou espaço para pôr ordem nas lembranças,
nem organizei flashes de nossa história, e agora
que soube de seu afastamento, de maneira tão prosaica,
que posso eu dizer?
Sabe, fiquei aturdido com a informação. Amiga
querida nossa, sem coragem, foi arrastando a notícia,
foi esperando o melhor momento e de tão suave a mensagem
vazada em um e-mail ralo que não acreditei de imediato.
Lembra da canção: “você foi saindo
de mim...” sei que é sobre um amor abandonado
que nada tem a ver conosco, mas serve para expressar o que
senti frente ao que ainda não estava claro: sua morte.
Era sábado, me arrastei até o telefone, chamei
a colega nossa, mas a inefável falta de resposta
só fez aumentar meu desespero. Eu devia estar enganado,
não era possível! Não podia ser, você
mais jovem do que eu, mais solto, mais alegre, mais tudo.
E de repente, assim sem mais, sair da vida.
Enquanto não vinha a confirmação, procurei
juntar frações de nossas histórias
comuns e comecei pelo fim. Esta mesma amiga e eu o procurávamos.
Elo de histórias comuns, víamos em você
um tesouro que sabia segredos que nos fugiam. Trocamos informações
recentes e depositamos no horizonte possíveis encontros.
Haveria de ser emocionante nos rever. Confesso que ouvia
barulho de uma festa sendo preparada para nossa reunião.
“Reunião”, palavra doida quando os sonhos
são frustrados.
A tal amiga tinha um repertório de saudade de você
onde morava uma infância fanfarenta, férias
na fazenda, brincadeiras de esconde-esconde. As minhas frações
de lances eram mais urbanas, mais de adolescente. Lembro-me
quando decidi sair de casa e que seus pais abriram para
mim um quarto para morar e de duas conversas: uma com você
e outra com o Roberto Dias que também foi embora
– será que para preparar a sua chegada? Na
verdade eu era mais amigo de seu irmão e de sua irmã
– que também saiu correndo para o mesmo céu
que deve se alegrar agora. Mas a conversa que tivemos então
foi de uma lucidez que ninguém acreditava que você
tinha.
Em suas palavras mansas, dizia que a casa de seus pais era
minha também, mas que meu lugar era de volta à
minha família. Choramos juntos, então. Mas
essas lágrimas conviveram com o mar de nossos risos
que se multiplicaram como os anos comuns.
Lembro-me de como você era vagabundo na escola e como
sempre tinha uma desculpa para não estudar. Eram
sempre os “maus professores” e as constantes
“injustiças” que faziam você matar
aulas, ficar doente em dias de prova. E sua alegria nos
dias de faltas de professores! Mas todos o amavam muito
e os perdões eram multiplicados frente a suas geométricas
promessas de regeneração. Você era engraçado,
tinha tiradas pândegas e inventava as desculpas mais
descabidas possíveis. E foi fumante precoce. Lembro-me
que dentre todos você foi o primeiro a desafiar a
autoridade de quantos diziam ser errado o “vício”.
E como fumava bem, soltava círculos de fumaça
e me enchia de inveja.
As informações que confirmaram seu afastamento
foram parcas. Parece que saiu para uma pescaria, que foi
para a beira de um rio e, cansado, sei lá, preferiu
a sombra de uma árvore e quando viram você
tinha aprontado mais uma de suas surpresas. Pode ter sido
diferente, mas, sinceramente, prefiro pensar que foi assim:
você indo pescar, fazer o que tanto gostava, escolheu
o lugar perto do verde e dos bichos que tanto amava, nem
se despediu da família, ou melhor, deve ter dado
um adeusinho... e na paz de sua escolha nos deixou todos.
Ah, como vou sentir sua falta! Estranho, né, muito
estranho supor que enquanto armava nosso encontro você
me deixa falando sozinho. De toda forma, meu querido, onde
estiver, saiba que esta mensagem é um aviso para
que me espere. Temos muito o que acertar e a eternidade
será pouco para nós. Vamos rir muito, mas
agora deixe-me chorar um pouquinho.