Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy

BILHETE DE PAI PARA FILHO, EM DIA DE CASAMENTO.

 

Meu querido filho.


Tudo pronto: terno novo, a melhor gravata, camisa a ser estreada, os sapatos coordenados com o cinto, o lenço branco que não poderia faltar em face da promessa de muitas lágrimas. Tudo, tudo, arrumado, dobrado, bonito. Basta agora o gesto final: colocar na mala. Olhando esses pertences, me emocionei pensando na metáfora do arranjo das coisas materiais e em seu significado espiritual, profundo. De certa forma, o conjunto da roupa escolhida parecia olhar para mim e querer me envolver com outra roupagem, vestes da nossa história pessoal, de uma relação feliz de pai e filho. Então senti que a vida me dava um sorriso cálido, afetuoso, e que tudo aquilo era apenas o ápice de uma legenda que escrevemos, vida afora, juntos. Dei asas à imaginação e, num rompante veloz, redesenhei nossos caminhos. E que trajeto bem resolvido, quase perfeito nas imprecisões vivenciais, nas idas e voltas que o existir impõe.


Caçula, fiquei prenhe d
e ternura ao receber a notícia da gravidez que o traria ao mundo. Foi algo diverso de outras duas experiências de paternidade que, aliás, preparam a serenidade com que recebi a sua. Depois, veio a decisão do nome e esta foi prerrogativa de sua mãe. Seu avô Abrahão batalhou muito para que outra fosse sua designação, e, creia, chegar ao veredito Pedro Charbel foi um ingente ato de diplomacia parental. Aprendi, então, que seu papel na história familiar, seu destino, seria exatamente este, de conciliador, de alguém que serve para juntar partes. E ao longo de nossos dias desenvolvemos a prática “dos panos quentes”. Pois é, quantas vezes nos chamamos e dissemos “é chegada a hora, converse com todos, acerte os passos desencontrados”. E sempre resolvemos tudo.
Mas houve também trabalhos físicos que clamaram cuidados especiais. Ainda com meses de vida, precisamos da interferência ortopédica; a fartura de dentes demandou cirurgias; o crescimento precoce e exagerado trouxe tantas preocupações. De todos estes problemas, porém, outras características suas afloraram: paciência e resignação. Tenho aprendido muito com você sobre o verbo aceitar, sobre recomeços e retraços de atalhos equivocados. E me engrandeço no reconhecimento das formas de contornar o inevitável.


Há, contudo, uma outra marca que o registra como especial: saber escolher. E aí entram os predicados da noiva. Beleza, energia e sapiência se harmonizam em Nely de forma a completar da maneira mais perfeita o quadro das noras encantadoras, filhas que não tive. Nem dá para descrever o quanto minhas meninas preenchem o sonho de um sogro. E Nely veio de Minas, com o sotaque que contagia nossa paulistanidade caipira. Cheia de “uais”, “trens”, se ajustou ao exótico nosso como se apenas fosse um tempero adicionado. Ela já é parte do que sempre fomos.


Resta agora a cerimônia. Acompanhei os detalhes que se estenderam ao longo de um ano. Nada sairá diferente dos sonhos seus: música, flores, doces, convivas. Todos os mínimos pormenores foram tratados como se fosse o centro do mundo. E como tivemos que nos submeter à potência dos sonhos de vocês dois. Agora resta esperar pelo melhor. E que as lágrimas que hão de rolar fertilizem o solo do seu futuro, de sua mulher e de quantos gostam de você.
Fique com o beijo abençoado do seu pai.

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