Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy

MILITANTE PROFISSIONAL


Mestre JC Sebe retoma seu expertise em história oral para pôr a nu a triste realidade social do país que subordina no idealismo político à conquista de um prato com comida em plena campanha eleitoral.

Dia destes, entrevistei uma moça que me chamou atenção. A história de Dalva é singular por vários motivos. Fatores visíveis convidavam a julgá-la uma militante política, contudo, não é o fato dela morar em uma favela e ser muito comunicativa que a fez virar uma espécie de porta-voz da comunidade. Não. O desemprego prolongado e a devoção à filha pequena a obrigaram a aceitar o trabalho provisório de “militante” de um candidato que não confia e sequer conhece. Poderíamos dizer que Dalva representa um caso cada vez mais comum.


Nas grandes cidades, recentemente, o número de candidatos aos cargos públicos eletivos tem aumentado significativamente, No Rio de Janeiro – onde esta história foi colhida -, por exemplo, no ano de 2006, só a deputados estaduais há cerca de 900 candidatos. As regras de campanha têm forçado alternativas de divulgação que chegam a ser espantosas, como pessoas segurando, horas a fio, bandeiras ou estandartes. É aí que Dalva figura como “politizada”. Vejamos o que disse:

“Não tenho nenhuma vergonha de dizer: trabalho por dinheiro... tenho uma filha, Eliane, de 4 aninhos e ela precisa comer, ganhe quem ganhar a eleição... tenho 28 anos e estou sem trabalho há meses neste negócio de política. Minha prima que trabalha no comitê político do candidato X e que comanda o pelotão de ‘auxiliares’ me chamou. Eu estava quebrando um galho como manicura, mas já viu manicura de pobre, né... nem fazia R $ 30,00 por semana. Às vezes ia para o salão, gastava ônibus, levava comida ou passava fome, e não aparecia nada o dia inteiro. Era uma barra... no máximo ganhava uns 150 ou 200 por mês. Não dava para nada. Tinha sempre que depender dos outros, dos vizinhos, amigos ou de alguma igreja que ajuda o pessoal da favela...


Daí, apareceu esta chance que acontece só nas épocas de eleições. Agarrei, né. Agarrei porque ela me dá um salário de R$ 15, 00 por dia, mais um sanduíche e chocolate em caixinha. Às vezes até dá mais. O bom mesmo é que não precisa saber muita coisa. A gente recebe um treinamento e tem que ficar onde eles mandam, fazendo o que eles mandam. Não é muita coisa, não. Tudo que temos que fazer é dizer que somos voluntárias, que queremos fazer aquilo e que, logicamente, vamos votar no candidato que mostramos. É muito fácil, qualquer bobo consegue fazer.


O treinamento é simples também: você é chamado depois de se inscrever no comitê central. Tem que ser indicado por alguém porque o supervisor tem que confiar. Depois, se você for chamado, tem que engolir algumas palestras sobre o programa que o cara vai defender. É meio chato, mas tem comida e gente animada...


Tudo o que temos que fazer é ficar no sinal com a faixa com o retrato e o nome dele. Temos que ficar animadas, sorrindo para os carros ou para o povo que passa. Há muitos supervisores, então temos que ficar dando uma de artista o tempo todo. Eles dizem para a gente se estamos bem ou mal vestidas, se devemos por mais ou menos roupa. Falam também que nós temos que parecer felizes o tempo todo. É um saco, viu? Eu nem ligo muito e já sei fazer o meu papel.


O problema é quando algum chato resolve perguntar alguma coisa. Imagine que outro dia um cara ia passando e perguntou o que significava XXXXX... Sabe que eu não sabia. Eu não me lembrava. Não lembrava mesmo. Outra pessoa perguntou quantos anos o ‘meu’ candidato tinha e se eu sabia quantas vezes ele tinha sido eleito. Pode uma coisa dessa? As pessoas pensam que a gente tem faculdade, que é estudada. Se o meu candidato tivesse dinheiro para pagar, eu ia trabalhar para ele. Sem dúvida. Como ele não tem, trabalho para o outro. É um negócio como outro. Não tem gente que vende maconha para sobreviver? Eu vendo o meu candidato. Quem quiser que compre. Eu não vou votar nele. Vou votar no meu candidato que eu sei que vai perder, mas, por favor, agora vá andando que o meu supervisor está chegando”.

Dalva foi honesta. Sua dependência de trabalho justificava a perda do idealismo romântico dos antigos militantes que faziam propaganda eleitoral por convicção. A fachada de militante, contudo, é perfeitamente absorvida pela sociedade que não refuta tal trabalho. Aliás, é de estranhar que ninguém conteste em nível ético tal procedimento. Sobretudo é expressivo o problema da cidadania neste caso, pois fica exposta a hierarquia dos problemas pessoais que sobrepõem à opção política e a alienação ou descrença do sistema. O que Dalva não sabe é que a história dela virou argumento político. Porque se não se espera do governo alguma solução, frente ao imperativo da sobrevivência, fica exposta alternativa da militância de aluguel. Triste, não?


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