Dia destes, entrevistei
uma moça que me chamou atenção. A história
de Dalva é singular por vários motivos. Fatores
visíveis convidavam a julgá-la uma militante
política, contudo, não é o fato dela
morar em uma favela e ser muito comunicativa que a fez virar
uma espécie de porta-voz da comunidade. Não.
O desemprego prolongado e a devoção à
filha pequena a obrigaram a aceitar o trabalho provisório
de “militante” de um candidato que não
confia e sequer conhece. Poderíamos dizer que Dalva
representa um caso cada vez mais comum.
Nas grandes cidades, recentemente, o número de candidatos
aos cargos públicos eletivos tem aumentado significativamente,
No Rio de Janeiro – onde esta história foi
colhida -, por exemplo, no ano de 2006, só a deputados
estaduais há cerca de 900 candidatos. As regras de
campanha têm forçado alternativas de divulgação
que chegam a ser espantosas, como pessoas segurando, horas
a fio, bandeiras ou estandartes. É aí que
Dalva figura como “politizada”. Vejamos o que
disse:
“Não
tenho nenhuma vergonha de dizer: trabalho por dinheiro...
tenho uma filha, Eliane, de 4 aninhos e ela precisa comer,
ganhe quem ganhar a eleição... tenho 28 anos
e estou sem trabalho há meses neste negócio
de política. Minha prima que trabalha no comitê
político do candidato X e que comanda o pelotão
de ‘auxiliares’ me chamou. Eu estava quebrando
um galho como manicura, mas já viu manicura de pobre,
né... nem fazia R $ 30,00 por semana. Às vezes
ia para o salão, gastava ônibus, levava comida
ou passava fome, e não aparecia nada o dia inteiro.
Era uma barra... no máximo ganhava uns 150 ou 200
por mês. Não dava para nada. Tinha sempre que
depender dos outros, dos vizinhos, amigos ou de alguma igreja
que ajuda o pessoal da favela...
Daí, apareceu esta chance que acontece só
nas épocas de eleições. Agarrei, né.
Agarrei porque ela me dá um salário de R$
15, 00 por dia, mais um sanduíche e chocolate em
caixinha. Às vezes até dá mais. O bom
mesmo é que não precisa saber muita coisa.
A gente recebe um treinamento e tem que ficar onde eles
mandam, fazendo o que eles mandam. Não é muita
coisa, não. Tudo que temos que fazer é dizer
que somos voluntárias, que queremos fazer aquilo
e que, logicamente, vamos votar no candidato que mostramos.
É muito fácil, qualquer bobo consegue fazer.
O treinamento é simples também: você
é chamado depois de se inscrever no comitê
central. Tem que ser indicado por alguém porque o
supervisor tem que confiar. Depois, se você for chamado,
tem que engolir algumas palestras sobre o programa que o
cara vai defender. É meio chato, mas tem comida e
gente animada...
Tudo o que temos que fazer é ficar no sinal com a
faixa com o retrato e o nome dele. Temos que ficar animadas,
sorrindo para os carros ou para o povo que passa. Há
muitos supervisores, então temos que ficar dando
uma de artista o tempo todo. Eles dizem para a gente se
estamos bem ou mal vestidas, se devemos por mais ou menos
roupa. Falam também que nós temos que parecer
felizes o tempo todo. É um saco, viu? Eu nem ligo
muito e já sei fazer o meu papel.
O problema é quando algum chato resolve perguntar
alguma coisa. Imagine que outro dia um cara ia passando
e perguntou o que significava XXXXX... Sabe que eu não
sabia. Eu não me lembrava. Não lembrava mesmo.
Outra pessoa perguntou quantos anos o ‘meu’
candidato tinha e se eu sabia quantas vezes ele tinha sido
eleito. Pode uma coisa dessa? As pessoas pensam que a gente
tem faculdade, que é estudada. Se o meu candidato
tivesse dinheiro para pagar, eu ia trabalhar para ele. Sem
dúvida. Como ele não tem, trabalho para o
outro. É um negócio como outro. Não
tem gente que vende maconha para sobreviver? Eu vendo o
meu candidato. Quem quiser que compre. Eu não vou
votar nele. Vou votar no meu candidato que eu sei que vai
perder, mas, por favor, agora vá andando que o meu
supervisor está chegando”.
Dalva foi honesta. Sua dependência de trabalho justificava
a perda do idealismo romântico dos antigos militantes
que faziam propaganda eleitoral por convicção.
A fachada de militante, contudo, é perfeitamente
absorvida pela sociedade que não refuta tal trabalho.
Aliás, é de estranhar que ninguém conteste
em nível ético tal procedimento. Sobretudo
é expressivo o problema da cidadania neste caso,
pois fica exposta a hierarquia dos problemas pessoais que
sobrepõem à opção política
e a alienação ou descrença do sistema.
O que Dalva não sabe é que a história
dela virou argumento político. Porque se não
se espera do governo alguma solução, frente
ao imperativo da sobrevivência, fica exposta alternativa
da militância de aluguel. Triste, não?