As
reconstruções feitas no East-end, em Londres, após
a II Guerra foram dadas aos refugiados muçulmanos da Índia,
Paquistão e Bangladesh que acabavam por povoar aquela área.
Desde então, nossa igreja, que sobreviveu aos bombardeios
da Segunda Guerra quase ruiu por ausência total de fiéis.
Os cristãos que moravam naquela área foram todos embora
- expulsos pelos bombardeios ou pelos novos moradores que chegaram
com suas línguas estranhas, as burcas e os turbantes, as
mesquitas e suas lojas e restaurantes com culinária temperada
com curry. A igreja, por conseqüência, não tinha
mais fiéis. Sem fiéis, não tinha renda. Sem
renda, não tinha como se manter, como sobreviver. Estava
literalmente: caindo.
Foi-me oferecida esta igreja pra eu me reunir com os brasileiros.
Os brasileiros chegaram e, em mutirão, reconstruíram
e pintaram o templo em estilo gótico-vitoriano que está
lá, lindo, cheio de brasileiros nos fins de semana, vindos
de toda Londres pra se reunir com Deus. Aos poucos, os poucos "locais"
de língua inglesa começaram a voltar – afinal,
agora, a igreja já tinha um padre que falava a lingua deles
- e todos os domingos havia uma missa em inglês para eles.
Quase todos bem velhinhos e saudosistas, mas felizes ao verem a
linda igreja renascer, como a Fênix, se não das cinzas,
do abandono.
Eu, como capelão brasileiro e pároco dos ingleses
"em residência", tomei a coragem de escrever uma
carta à Rainha Elizabeth II convidando-a a vir celebrar conosco
os cento e cinqüenta anos da paróquia. Ela respondeu
com uma linda carta agradecendo o convite e pedindo desculpas por
ter sua agenda já toda tomada. Mas, me perguntava se eu gostaria
de receber a visita de seu primo - como seu representante pessoal
- para as festividades. Adorei a idéia e aceitei a oferta.
Começaram a vir os agentes da Scotland Yard para programar
a visita do Duque de Kent e prever todos os items com relação
à segurança. O Duque de Kent é, de fato, primo-irmão
da rainha. Ele é filho do falecido Duque de Kent, irmão
do pai da rainha, o falecido Rei George VI.
O Duque de Kent de hoje já é sessentão e muito
simpático. Quem gosta de assistir aos jogos de tênis
em Wimbledom sabe quem ele é. Ele é o patrono de Wimbledom
e é ele quem entrega os prêmios aos campeões
de tênis. Ele e sua loira esposa, Katherine Worsley, a Duquesa
de Kent – que, inclusive, recentemente converteu-se à
fé católica juntamente com dois de seus filhos, e
perderam o direito, por isso, à sucessão ao trono
britânico.
O Duque continua anglicano e é o grão-mestre da Maçonaria
Inglesa. Depois de todos os arranjos para a visita acontecer, ele
veio no dia 6 de outubro de 2005, na parte da manhã, visitar
a igreja e a casa, a escola paroquial e, depois, almoçar
com a comunidade no nosso hall paroquial. Faço menção
aqui que, por uma feliz coincidência estava visitando a nossa
paróquia, em Londres, o casal de Taubaté, Mauricio
e Júlia Carneiro Bastos, proprietários e diretores
do Colégio Jardim das Nações, que almoçaram
e tiraram muitas fotografias ao lado de Sua Alteza Real.
Após a refeição, houve as trocas de presentes,
os discursos de praxe e a apresentação de um balé
irlandês, cujo grupo ensaia todas as terças feiras
em nosso hall. Estávamos preparados para apresentar uma das
manifestações das mais folclóricas de nosso
país, a Capoeira... Porém, o espetáculo não
aconteceu. O duque primo da rainha não viu a capoeira brasileira.
A desculpa que eu dei, para a não apresentação,
foi que, como a visita fora numa quinta feira cedo, os brasileiros
estavam trabalhando. Mas a razão foi bem outra.
Os policiais ingleses criaram dificuldade com medo de que os dançarinos
brasileiros aproveitassem o momento para fazer alguma manifestação
de protesto contra a morte - a tiros - do jovem brasileiro Jean
Charles de Menezes, pela Polícia Metropolitana.
A capoeira é uma luta dos escravos que virou quase que um
balé. Um balé de beleza plástica, eu diria,
de movimentos quase que cirúrgicos devido à precisão
de seus passos e gestos. Mas, a capoeira não pôde ser
vista, dançada ou lutada porque fatores políticos
mais fortes abafaram a arte e a beleza. Jamais aqueles moços
e moças da capoeira iriam misturar suas intenções
e seus ideais. Estávamos, sim, todos muito chocados e tristes
com a morte inocente de um dos nossos.
Porém, a arte da dança supera a morte - morte de tantos
escravos negros que trouxeram sua tradição e cultura
da África para o Brasil – e imortaliza a alma dos que
a dançam, jogam ou lutam. O duque não viu... o duque
perdeu. Perdeu a Arte naquele momento. Venceu a política
cínica de um governo que faz a guerra no Iraque e Afeganistão...
e mata um jovem inocente indo para o seu trabalho.
Lembrei-me de contar este fato nestes tempos de eleição
quando somos chamados a escolher nossos governantes. Não
deixemos que ela supere a arte da boa escolha, a escolha do melhor.
Não deixemos que a Arte de governar morra por causa da escravidão
do desgoverno da corrupção e da fraude que avançam
na contra-mão da história e não deixam o país
dançar a sua cultura, a sua riqueza, a sua fé, no
balé do desenvolvimento justo, da ordem e da paz. Esta sim,
é a dança da beleza de um povo rico, de um povo bom.
|