Não
há dúvida: José Mindlin é uma
das personalidades mais respeitadas do Brasil. Isto, contudo,
não acontece sem razões. O que o faz tão
querido é uma mistura de cordialidade e desprendimento
na disponibilização de sonhos pessoais de
dimensões coletivas. O maior colecionador de livros
raros e manuscritos do país, respeitado em todo mundo,
doou a parte mais valiosa de sua vasta biblioteca –
a coleção conhecida como Brasiliana –
para a Universidade de São Paulo onde, em prédio
próprio, será dado acesso ao público.
Tal gesto de efeitos profundos na progressão da cultura
acadêmica nacional perpetuará o amor, respeito,
devoção, incondicionais pelos livros.
Mas, ao lado da admiração de todos, tenho
pensado em minha relação com ele que é,
sem dúvida, estranha. Vemo-nos em encontros formais,
lançamentos de livros, situações acadêmicas
e falamos sempre sobre os mesmos assuntos: livros e amigos
comuns. Diria que a imagem que faço dele é
como a de um estuário, desaguadouro de três
rios principais.
O primeiro deixa correr a opinião da melhor elite
intelectual do país – olhe que falo de Antonio
Cândido, Walnice Galvão, Alfredo Bosi, Marisa
Lajolo.
O outro vem da corrente familiar e chega a ser emocionante
conviver com a trama de filhos, netos, parentes em torno
de um pai tão amoroso e terno.
O rio derradeiro, corre pela opinião firmada pela
imprensa que identifica em José Mindlin um de seus
ícones preferidos. Aliás, ele parece ser uma
das poucas unanimidades da mídia brasileira que insiste
em projeta-lo por meio de entrevistas de vieses biográficos
onde a repetição de certos fatos compõe
um perfil destinado a exemplo. Modelo único, diga-se.
Tenho pensado muito nisto e até desenvolvi uma teoria.
Creio que em um ambiente tão hostil à cultura
e com empresários egoístas como de regra notamos,
alguém capaz de outorgar seu bem material mais valioso
e com ele o labor de uma vida, funciona como catarse de
uma sociedade que não abre mão da esperança.
Mas, como sou daqueles que acham que ninguém é
amado impunemente, reconheço na recente eleição
dele para a Academia Brasileira de Letras uma retribuição
grata por tudo que representa. E não é sem
significado que o vemos chegar lá aos 92 anos de
idade, onde ocupará a partir do dia 10 de outubro
a cadeira número 29.
A eleição em si, resolvida em meia hora, foi
um ato de amor. Frente à candidatura dele, outros
concorrentes – o cartunista Ziraldo, o publicitário
Mauro Sales e o jornalista Villas Boas Corrêa –
desistiram da disputa e os que insistiram no pleito não
tiveram, sequer, um voto. Ainda que Mindlin se auto-defina
“mais leitor do que escritor”, cabe lembrar
que publicou alguns textos como “Uma Vida Entre Livros,
reencontro com o tempo”, “Memórias Esparsas
de Uma Biblioteca” e “Destaques da Biblioteca
Indisciplinada de Guita e José Mindlin”. Independentemente
dos livros há um ângulo da personalidade de
José Mindlin que não pode ficar de fora: sua
paixão pela mulher Guita com quem conviveu por 68
anos de união exemplar.
Eleito pelo júri rigoroso da Revista IstoÉ
como um dos “cem brasileiros do século”,
José Mindlin tem histórias para contar. Desde
sua trajetória de jornalista d’O Estado de
São Paulo aos 15 anos, sua atividade como estudante
de Direito do Largo São Francisco e da montagem da
indústria Metal Leve, ele exerceu sempre todas as
funções com zelo e sucesso. Seu maior empreendimento,
além da família, contudo, foi a paixão
pelos livros. E cada livro tem uma história fantástica.
Contudo, por mais interessante que sejam os enredos das
aquisições, nenhum será tão
sedutor como a vida deste ilustre brasileiro.