Espelhos (clique)

Por: José Carlos Sebe Bom Meihy

A “loucura mansa de José Mindlin”

Mestre Sebe relata, com a eterna admiração de um aprendiz, a contribuição mais do que generosa de um ícone cultural brasileiro, José Mindlin. Consagrado como imortal, o novo membro da ABL faz de um simples gesto cultural o alicerce de sua vida.

Não há dúvida: José Mindlin é uma das personalidades mais respeitadas do Brasil. Isto, contudo, não acontece sem razões. O que o faz tão querido é uma mistura de cordialidade e desprendimento na disponibilização de sonhos pessoais de dimensões coletivas. O maior colecionador de livros raros e manuscritos do país, respeitado em todo mundo, doou a parte mais valiosa de sua vasta biblioteca – a coleção conhecida como Brasiliana – para a Universidade de São Paulo onde, em prédio próprio, será dado acesso ao público. Tal gesto de efeitos profundos na progressão da cultura acadêmica nacional perpetuará o amor, respeito, devoção, incondicionais pelos livros.


Mas, ao lado da admiração de todos, tenho pensado em minha relação com ele que é, sem dúvida, estranha. Vemo-nos em encontros formais, lançamentos de livros, situações acadêmicas e falamos sempre sobre os mesmos assuntos: livros e amigos comuns. Diria que a imagem que faço dele é como a de um estuário, desaguadouro de três rios principais.


O primeiro deixa correr a opinião da melhor elite intelectual do país – olhe que falo de Antonio Cândido, Walnice Galvão, Alfredo Bosi, Marisa Lajolo.


O outro vem da corrente familiar e chega a ser emocionante conviver com a trama de filhos, netos, parentes em torno de um pai tão amoroso e terno.


O rio derradeiro, corre pela opinião firmada pela imprensa que identifica em José Mindlin um de seus ícones preferidos. Aliás, ele parece ser uma das poucas unanimidades da mídia brasileira que insiste em projeta-lo por meio de entrevistas de vieses biográficos onde a repetição de certos fatos compõe um perfil destinado a exemplo. Modelo único, diga-se. Tenho pensado muito nisto e até desenvolvi uma teoria. Creio que em um ambiente tão hostil à cultura e com empresários egoístas como de regra notamos, alguém capaz de outorgar seu bem material mais valioso e com ele o labor de uma vida, funciona como catarse de uma sociedade que não abre mão da esperança.


Mas, como sou daqueles que acham que ninguém é amado impunemente, reconheço na recente eleição dele para a Academia Brasileira de Letras uma retribuição grata por tudo que representa. E não é sem significado que o vemos chegar lá aos 92 anos de idade, onde ocupará a partir do dia 10 de outubro a cadeira número 29.


A eleição em si, resolvida em meia hora, foi um ato de amor. Frente à candidatura dele, outros concorrentes – o cartunista Ziraldo, o publicitário Mauro Sales e o jornalista Villas Boas Corrêa – desistiram da disputa e os que insistiram no pleito não tiveram, sequer, um voto. Ainda que Mindlin se auto-defina “mais leitor do que escritor”, cabe lembrar que publicou alguns textos como “Uma Vida Entre Livros, reencontro com o tempo”, “Memórias Esparsas de Uma Biblioteca” e “Destaques da Biblioteca Indisciplinada de Guita e José Mindlin”. Independentemente dos livros há um ângulo da personalidade de José Mindlin que não pode ficar de fora: sua paixão pela mulher Guita com quem conviveu por 68 anos de união exemplar.


Eleito pelo júri rigoroso da Revista IstoÉ como um dos “cem brasileiros do século”, José Mindlin tem histórias para contar. Desde sua trajetória de jornalista d’O Estado de São Paulo aos 15 anos, sua atividade como estudante de Direito do Largo São Francisco e da montagem da indústria Metal Leve, ele exerceu sempre todas as funções com zelo e sucesso. Seu maior empreendimento, além da família, contudo, foi a paixão pelos livros. E cada livro tem uma história fantástica. Contudo, por mais interessante que sejam os enredos das aquisições, nenhum será tão sedutor como a vida deste ilustre brasileiro.

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